Por Vladimir Aras
O caso da menina Naama Margolese causou protestos em Israel e perplexidade no mundo. Embora tenha apenas 8 anos e seja uma aluna do ensino fundamental como milhares de outras crianças espalhadas pelo planeta, Naama foi eleita a Geni de seu bairro. Há algum tempo, membros radicais de uma comunidade ultra-ortodoxa judaica na cidade de Beit Shemesh, perto de Jerusalém, passaram a perseguir e xingar mulheres que não seguem o estrito código de vestimentas do judaísmo fundamentalista. Há alguns dias, a garota, que é judia e só tem 8 anos, não custa relembrar, foi atacada por uma turba desses homens, que nela cuspiram e a chamaram de prostituta por causa de suas roupas. Naama ia para a escola para meninas que fica ali perto. De uniforme.
Temos nossas intolerâncias e, por outro lado, nossas tolerâncias em demasia, mas não chegaríamos a isto. Se tivesse ocorrido no Brasil, o caso de Naama Margolese poderia ser enquadrado no Estatuto da Criança e do Adolescente, quanto à proteção civil, e no crime de injúria do art. 140, §3°, do Código Penal, ou no delito de constrangimento ilegal do art. 146, §1º, do CP.
Em Beit Shemesh, o pomo da discórdia é o modo de vestir dos não-ortodoxos, considerado ofensivo ao tznius (ou tzniut), as normas do direito judaico de recato e comportamento. Seus seguidores mais estritos acham “indecentes”, “vaidosas” ou “despudoradas” mulheres que vestem calças ou que usam decotes que revelem os braços ou o pescoço, ou que exibem as pernas ou os cabelos. Em algumas ruas, membros desses grupos afixam cartazes com avisos às desinformadas, mulheres e meninas: “Please do not disturb the sanctity of our neighborhood and our way of life as jews committed to G-d and His Torah”. Ali, os vizinhos, todos judeus, não se entendem.
No plano mais geral, judeus e muçulmanos, também vizinhos, não se entendem sobre a Palestina. Tampouco se entendem sobre Jerusalém, num problema que a ONU não tem conseguido resolver desde a sua criação nos anos 1940 e que o direito internacional tem sido incapaz de solucionar.
Em algumas nações islâmicas, as roupas também são um problema. Patrulhas religiosas impõem a burka, o niqab e o chador no Irã, no Paquistão e no Afeganistão, entre outros lugares. As violadoras desse código de vestimenta (chamado hijab) são severamente punidas, às vezes com chicotadas. O art. 638 do Código Penal iraniano de 1991 impõe de 10 dias a 2 meses de prisão, ou multa, a mulheres que violarem as regras de “decência e moralidade pública”, o que inclui aparecer em público sem respeitar as regras do hijab.
Diferentes tribos, as mesmas regras.
De onde tiraram isto? Os legisladores podem alegar que foi do Corão (24.31), onde se lê:
“Dize às fiéis que recatem os seus olhares, conservem os seus pudores e não mostrem os seus atrativos, além dos que normalmente aparecem; que cubram o colo com seus véus e não mostrem os seus atrativos, a não ser aos seus esposos, seus pais, seus sogros, seus filhos, seus enteados, seus irmãos, seus sobrinhos, às mulheres suas servas, seus criados isentos das necessidades sexuais, ou às crianças que não discernem a nudez das mulheres; que não agitem os seus pés, para que não chamem à atenção sobre seus atrativos ocultos. Ó fiéis, voltai-vos todos, arrependidos, a Deus, a fim de que vos salveis!”
Uma coisa é decidir, por si mesmo, seguir esses códigos religiosos. Tudo muito bem. O mal está em querer impor esse modo de ser aos outros, violando-lhes o livre arbítrio. De todo modo, transformar tais regras de recato e pudor numa lei penal é um exagero. As vítimas preferenciais dessas interpretações extremistas (para ler o “outro lado” clique aqui) e desse verdadeiro direito penal do terror “inspirado” em “Deus” são sempre as mulheres.
Chapéus, quipás, turbantes, véus e solidéus cobrem as cabeças de religiosos e de outras pessoas de fé. Todos diferentes, mas ainda assim iguais em propósitos. O que importa não é o que levamos sobre a cabeça. Mas dentro dela.