Por Vladimir Aras
Lampião podia ser o “terrorista sertanejo”. Herói ou vilao? Até hoje o Nordeste se pergunta…
Sua cabeça e as de seus companheiros mortos foram tratadas como prêmio e exibidas na escadaria da Prefeitura de Piranhas/AL, no que ficou conhecido como o “Altar de Lampião”. Em seguida, sua cabeça e a de sua esposa Maria Bonita ficaram expostas por anos no Museu Antropológico do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues, em Salvador. Exótico e bizarro troféu.
A volante que, nos anos 1930, consumou o histórico cerco à Gruta de Angicos, perto do Rio São Francisco, entre Alagoas e Sergipe, posou para uma foto igualmente famosa, ao lado dos corpos dos cangaceiros do grupo de Lampião.
As fotos devem documentar a ação policial para que se investigue a dinâmica do evento, e não um feito heróico ou algo semelhante. Não é fotografia para Facebook.
Não sei se foi este o caso, mas não são poucos os relatos de “autos de resistência” que não correspondem à realidade. Se o bandido em questão reagiu à ação da PM, a perícia poderá dizer, desde que tenha sido preservado o local do fato, como há mais de 70 anos determina o artigo 6º, inciso I, do CPP.
Obviamente, o breve ”Coninho” não se compara a Lampião. Segundo dizem, era um bandido comum, violento e que merecia cadeia. A PM baiana cumpriu seu papel ao localizá-lo e encurralá-lo. Há, contudo, uma incômoda semelhança entre as duas imagens: o orgulho dos homens da lei junto ao cadáver, em 1938 e em 2013. E esta é também a diferença relevante em ambas: o tempo que as separa, 75 anos.
A Polícia é a mesma (a Militar, mas a da Bahia). A região é similar: o semi-árido do Nordeste, na região de Bonito, comarca de Utinga. Foi onde comecei minha vida profissional como promotor de Justiça.
A “satisfação” de muitos brasileiros com uma imagem como esta reflete a insatisfação de outros tantos com a ineficiência e a benevolência do nosso sistema penal-processual, que, a pretexto de garantir direitos dos acusados (muitos legítimos e devidos), sempre costuma arrumar desculpas, às vezes esfarrapadas, mas tão desejadas pelo “coitadismo penal”. Há que se encontrar um meio termo. Nem execuções sumárias nem o cafuné processual.
Embora esta seja uma imagem impactante, é menos chocante do que a das vítimas inocentes de todos os dias. Não é preciso que me lembrem. Eu sei! Cinquenta mil mortos por ano só no Brasil. Muitos destes são ou podem ser nossos parentes ou amigos.
Mesmo assim, é válida uma reflexão. Como em 1938, eles, os bandidos, os maus (e muitos são maus mesmo) continuam sanguinários e violentos. Nós também, os bons, mudamos pouco. Lampião, Bin Laden, “Coninho”… O corpo do criminoso continua sendo um troféu