Por Vladimir Aras
O benefício para o agente colaborador está sempre previsto em lei. Premiá-lo foi a opção do legislador, em prol do interesse público de lutar contra a criminalidade, especialmente a mais grave.
A colaboração premiada é só mais uma espécie de direito premial. Há vários exemplos no ordenamento jurídico, inclusive no direito penal e fora dele, todos baseando-se numa conduta ativa (socialmente positiva) do destinatário da norma. Relembremos alguns: a redução da pena pela confissão; o arrependimento posterior; a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo; a remição de pena pelo trabalho ou estudo; a progressão de regime de execução penal por bom comportamento, a redução de tributos por antecipação de pagamento; ou o crédito de valores ao contribuinte em função da exigência de nota fiscal de compra de produtos ou serviços.
Porém, na colaboração premiada há uma significativa nota diferencial. Em regra, os prêmios penais revertem em proveito individual. Vejamos o que se passa na remição de pena pelo trabalho. O único beneficiado é o interno, que descontará parte da sanção a que foi condenado. Já na “co-laboração” premiada, há benefícios bilaterais, para o réu colaborador e para a sociedade. O interesse público e o princípio da proporcionalidade da colaboração devem ser observados, devendo o acordo ser vantajoso para ambas as partes, isto é, para o acusado e o Estado, e também para a sociedade.
Do ponto de vista jurídico, o benefício legal a ser concedido pelo juiz – e somente por ele – ao colaborador deve observar critérios de voluntariedade da delação, efetividade da colaboração prestada e proporcionalidade da benesse jurídica concedida, atentando-se para os critérios instituídos pelo artigo 4º da Lei 12.850/2013 que exige do julgador que considere “a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração”. Assim, nem toda colaboração será efetiva; nem todo colaborador será premiado.
No direito comparado também é assim. As Federal Sentencing Guidelines (2011) dos Estados Unidos tratam do tema no capítulo 5, parte K, regra de dosimetria de pena que ase aplica quando o réu presta “substancial assistance to authorities“:
§5K1.1. Substantial Assistance to Authorities
Upon motion of the government stating that the defendant has provided substantial assistance in the investigation or prosecution of another person who has committed an offense, the court may depart from the guidelines.
(a) The appropriate reduction shall be determined by the court for reasons stated that may include, but are not limited to, consideration of the following:
(1) the court’s evaluation of the significance and usefulness of the defendant’s assistance, taking into consideration the government’s evaluation of the assistance rendered;
(2) the truthfulness, completeness, and reliability of any information or testimony provided by the defendant;
(3) the nature and extent of the defendant’s assistance;
(4) any injury suffered, or any danger or risk of injury to the defendant or his family resulting from his assistance;
(5) the timeliness of the defendant’s assistance.
Assim, tanto no Brasil quanto no exterior, o benefício a ser concedido ao réu colaborador é sempre medido pela autoridade judicial, com a regra da proporcionalidade, tendo em conta a importância e a utilidade da cooperação, a veracidade, confiabilidade e completude das informações prestadas, e a natureza, a prontidão e a abrangência dessa assistência à persecução criminal.
Ademais, é preciso evitar rótulos e precipitações. O Estado não faz um acordo com “um criminoso”. Vigora para o colaborador a mesma presunção de não-culpabilidade que se aplica ao réu atingido pela colaboração. A Constituição não diferencia um e outro. Ambos guardam seu estado de inocência e merecem ser assim tratados.
É curioso notar que quem se afina com essa forma de pensar rotuladora se compraz em chamar o réu colaborador de “delator, a fim de explorar a carga retórica e preconceituosa que a palavra “delator” evoca. Por isso, não custa repetir: desde 1999, o nomen iuris apropriado é “réu colaborador” e ao instituto se dá o nome de “colaboração premiada”.