Por Vladimir Aras
Adailton Nascimento, José Jairo Gomes, Zani Cajueiro, Helder Magno da Silva, Carlos Alberto de Carvalho Vilhena Coelho, Elizeta Maria de Paiva Ramos e Raquel Dodge.
A Polícia Federal (DPF), o Instituto Nacional de Criminalística (INC) e a Polícia Civil de Minas Gerais (PC/MG) realizaram uma investigação primorosa, tendo reunido provas técnicas, testemunhais e documentais irrefutáveis, confirmadas e ampliadas pelo MPF durante a fase do sumário. Delação premiada firmada pela Procuradoria da República em Minas Gerais com um dos agenciadores do crime ajudou a elucidar minuciosamente a cadeia de mando, desde o planejamento à execução.
Não se ganha um júri num só dia, mesmo sendo esta a hora H do dia D. O sucesso no plenário é sempre resultado do esforço coletivo dos policiais, peritos e procuradores que dedicaram meses ou anos de suas vidas à investigação e ao processo, desde os minutos seguintes ao crime até as demoradas instâncias recursais, que, neste caso, fizeram o caso tramitar no TRF-1, no STJ e no STF desde a pronúncia em dezembro de 2004 até a confirmação da realização do júri em 2011. Boas provas produzem bons veredictos.
Corajosamente, os jurados mineiros (cinco mulheres e dois homens) condenaram os três réus como autores materiais dos quatro homicídios triplamente qualificados ocorridos em 28 de janeiro de 2004, em Unaí. As vítimas foram três auditores fiscais do trabalho e um motorista do Ministério do Trabalho, que fiscalizavam fazendas do noroeste das Minas Gerais para reprimir trabalho escravo ou condições degradantes de trabalho em áreas de cultivo de feijão. Foi um crime propter officium, que teve como alvo principal o auditor fiscal Nelson José da Silva. Este fato definiu a competência federal, com base no art. 109, inciso IV, da Constituição. Os demais servidores do MTE só foram mortos porque estavam em sua companhia no momento da emboscada, ocorrida numa estrada de terra, às margens da rodovia Unaí-Paracatu, no grande entorno do Distrito Federal.
A maior pena aplicada nesta sessão foi de 94 anos de prisão para o réu Rogério Alan Rocha Rios, que foi condenado por formação de quadrilha e pelos quatro homicídios hediondos, mesmo tendo apresentado um falso álibi, segundo o qual estaria em Salvador no dia do crime. Não estava. A menor sanção ficou em 56 anos, devido à participação menos importante do acusado William Gomes de Miranda, assistido pela
Defensoria Pública da União (DPU). O terceiro réu, Erinaldo Vasconcelos Silva, que, graças a um acordo de delação premiada confirmado em plenário, confessou os crimes de homicídio, quadrilha e receptação e individualizou as condutas dos corréus, pegou 72 anos de reclusão. Todos estão presos na Penitenciária Nelson Hungria em Belo Horizonte desde julho de 2004. Outros cinco réus estão soltos e aguardam julgamento. O nono implicado, Francisco Pinheiro, um dos intermediários do crime, morreu na cadeia em janeiro de 2013.
Embora se trate de caso extenso e complexo e pouco comum na Justiça Federal, a sessão do júri foi organizada perfeitamente pela secretaria da 9ª Vara Federal de Belo Horizonte, dirigida pela servidora Mônica Gil. Na primeira fase do julgamento, o MPF valeu-se de recursos audiovisuais para apresentar aos jurados documentos, áudios e vídeos encartados nos autos, que têm mais de 30 volumes. As provas materiais dos crimes (projéteis, estojos, pistola e objetos apreendidos durante a instrução) também foram usadas em plenário. Várias testemunhas arroladas pelo MPF foram ouvidas diante do conselho de sentença, inclusive os delegados de Polícia Antônio Celso dos Santos (DPF) e Wagner Pinto de Souza (DPC) e João Alves de Miranda, um dos detetives responsáveis pela investigação. Apenas o réu Rogério Alan Rocha Rios listou depoentes para esta fase, que serviriam – não serviram! — para confirmar o seu suposto álibi, que foi inteiramente desmontado pelo MPF nos debates, inclusive com a apresentação de uma carta por ele escrita. Nos interrogatórios, Rogério Alan Rocha Rios e William Gomes de Miranda recusaram-se a responder perguntas da acusação, direito que lhes assiste.
Os debates em plenário tomaram toda a sexta-feira, 30 de agosto. Duas horas e meia para cada parte, acusação e defesa. Durante uma hora e trinta minutos, utilizei um projetor multimídia e um iPad para a exibição das provas, fotos e vídeos ao júri e para a peroração. Coroando o seu trabalho de quase uma década neste processo, a procuradora Mirian Lima também sustentou pelo MPF, sendo seguida pelos advogados assistentes, que usaram os quarenta minutos finais. Após o MPF e a assistência apresentarem aos jurados toda as provas incriminatórias, foi a vez das defesas, patrocinadas por quatro advogados e três defensores públicos federais. Cada réu teve direito a 50 minutos de sustentação. Primeiro a falar, o advogado de Erinaldo Vasconcelos Silva pleiteou a redução de pena para o seu cliente em virtude da delação premiada. Em seguida, a defesa de Rogério Alan Rocha Rios sustentou a negativa a autoria; alegou que o réu fora torturado pela Polícia Federal e que ele não teria estado na cena do crime, conforme o seu álibi. A DPU alegou as teses de negativa de autoria e participação de menor importância (art. 29, §1º, do CP) em favor de William Gomes de Miranda, tendo o defensor público federal Celso Gabriel de Rezende encerrado sua peroração com um inusitado pedido de absolvição “em nome do Nosso Senhor Jesus Cristo”. Por estratégia processual, o MPF resolveu não usar o direito de réplica.
Ministério Público deve ser sempre um custos legis, e não um acusador implacável.
Em 17 de setembro de 2013, no mesmo plenário, um dos mandantes e os dois agenciadores desse horrendo crime terão o seu encontro com a Justiça. Num crime de mando, sempre chega a hora de pagar…
Nacional de Combate ao Trabalho Escravo.