Direito internacional

Os nazistas no Sul

Esse julgamento (der Auschwitz-Prozess) teve lugar na cidade de Frankfurt, de 1963 a 1965.

Por Valdimir Aras

O excelente “Labirinto de Mentiras“, filme alemão de 2015, conta a luta de um promotor germânico que enfrentou preconceitos e reações, inclusive de seus colegas, ao decidir processar nazistas responsáveis por crimes cometidos durante a 2ª Guerra Mundial no campo de concentração de Auschwitz.

Ficção e realidade se misturam no roteiro, que se centra na história real de Frank Bauer, procurador-geral do Estado alemão de Hessen, principal motor das ações penais sobre atrocidades promovidas no campo polonês de Auschwitz. Esse julgamento (der Auschwitz-Prozess) teve lugar na cidade de Frankfurt, de 1963 a 1965.

Muitos nazistas foram submetidos à justiça internacional em Nuremberg, na famosa sala de audiências 600, ou a processos perante tribunais nacionais da Alemanha, Áustria, Polônia, França, Israel, URSS ou EUA.

No filme – que nos faz pensar sobre os temas Justiça, Verdade e Reparação –, a Promotoria de Frankfurt processa vários réus e também tenta capturar o médico nazista Josef Mengele, que exerceu sua tenebrosa “ciência” em Auschwitz e Birkenau.

Josef Mengele, o “Anjo da Morte“, que nunca foi julgado pelos seus terríveis experimentos com seres humanos, fugiu para o Brasil, onde morreu em 1979. Dizem que se afogou numa praia em Bertioga ou que sofreu um ataque cardíaco enquanto nadava.

A América do Sul foi um dos destinos preferidos de criminosos no pós-guerra. Adolf Eichmann, um dos arquitetos da “Solução Final” para o extermínio de judeus, escondeu-se na Argentina. Em 1960, foi abduzido pelo Instituto de Inteligência e Operações Especiais (Mossad) e levado a Israel.

Julgado na cidade de Jerusalém, Eichmann foi condenado à morte e enforcado em 1962. Seu julgamento teve intensa cobertura da imprensa, rádio e TV, como era de se esperar diante das atrocidades que cometeu e do interesse planetário sobre seu destino.

Houve outros visitante nestas bandas. A Bolívia foi escolhida por Klaus Barbie. Oficial da Geheime Staatspolizei (Gestapo), a polícia secreta do Estado alemão, Barbie foi apelidado de “Açougueiro de Lyon”. Preso em 1983, foi extraditado para a França, tendo sido condenado à pena de prisão perpétua em 1987, num júri no qual foi defendido pelo polêmico advogado francês Jacques Vergès.

Refúgio predileto de criminosos internacionais de todas as estirpes e nacionalidades, o Brasil também foi escolhido como esconderijo pelo oficial da SS Franz Paul Stangl, que operou nos campos de Treblinka e Sobibór. Stangl foi extraditado para a Alemanha Ocidental em 1967. A decisão do STF na Extradição 274 foi relatada pelo ministro Victor Nunes Leal. Pelo Ministério Público falou o Procurador Geral da República Haroldo Valladão, que registrou:

“Minha conclusão, portanto, é que são legais os pedidos da Áustria e da Alemanha. Aliás, em tese, acho que quem deve resolver sobre a preferência é o Governo. Mas, como o Governo mandou os vários pedidos a este Tribunal, quem deve resolvê-los é o Tribunal. Estudei os processos com aquela imparcialidade que não vê gregos nem troianos. É meu dever, a Procuradoria-Geral não é parte neste processo. O Procurador-Geral da República oficia e diz de direito nos processos de extradição. Tive por divisa, em vez de Nietsche, que o eminente advogado citou, a constante do brasão de um dos maiores governantes da Europa, que foi a Duquesa lzabel D’Este. O seu lema era: Nec spe, nec metu, nem por esperança nem por medo, nem com o intuito de recompensa, nem por terror de violência.“

Levado a Düsseldorf, Stangl foi acusado como coautor da morte de cerca de 900 mil pessoas. Em 1970, foi condenado a prisão perpétua. Morreu na cadeia em 1971.

A Schutzstaffel (SS) ou “tropa de proteção”, na qual Stangl se alistara, era uma organização paramilitar ligada ao Partido Nacional Socialista da Alemanha. Outro membro da SS, Gustav Franz Wagner, também foi localizado no Brasil nos anos 1970. Infelizmente, esse criminoso de guerra, conhecido como a “Fera de Sobibór“, não foi entregue a qualquer dos países que o procuravam: Alemanha Ocidental, Áustria, Polônia ou Israel. Em 1979, o STF indeferiu a Extradição 359 porque os crimes cometidos por Wagner haviam sido atingidos pela prescrição. Aqui. Talvez hoje o resultado fosse diverso, devido à evolução da tese sobre a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade.

Outro colaborador do nazismo, Herberts Cukurs, conhecido como o “Açougueiro de Riga“, também “emigrou” para o Brasil, onde passou a viver. Sua história terminou em fevereiro de 1965, quando foi eliminado pelo Mossad, no Uruguai, para onde foi atraído por um agente encoberto.Pouco depois agências internacionais de notícias receberam o seguinte informe, a “sentença de morte” de Cukurs:

“Taking into consideration the gravity of the charge leveled against the accused, namely that he personally supervised the killing of more than 30,000 men, women and children, and considering the extreme display of cruelty which the subject showed when carrying out his tasks, the accused Herberts Cukurs is hereby sentenced to death. Accused was executed by those who can never forget on the 23rd of February, 1965. His body can be found at Casa Cubertini Calle Colombia, Séptima Sección del Departamento de Canelones, Montevideo, Uruguay”.

Não deve ter sido por simples coincidência que tantos nazistas vieram parar na América do Sul. Talvez o passado ditatorial da região tenha servido como um dos motivos. O aparato repressivo dos governos totalitários sulamericanos terá sido útil aos fugitivos do pós-guerra? É uma teoria.

Fato é que, mesmo com a provável proteção das ditaduras locais, nem todos os nazistas usufruíram do devido processo legal quando a hora chegou. Alguns tiveram seu dia no banco dos réus, com a ajuda, maior ou menor, do caçador de nazistas Simon Wiesenthal, ele mesmo um sobrevivente do Holocausto. Outros foram sumariamente executados por serviços secretos. Talvez todos tenham sido julgados pelas “instâncias inferiores” no outro mundo. Ou não. Mas homens como estes não escapam do julgamento da História.

Pelo menos um deles acreditava ou dizia acreditar não ter culpa alguma. “Quando eu estiver diante do trono de Deus serei declarado inocente“, disse o Açougueiro de Lyon.

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