Por Vladimir Aras
A extradição não é mais o único instrumento para captura de foragidos a fim de sujeitá-los a processos criminais ou a execução penal. O instituto evoluiu e simplificou-se. A Decisão 2002/584/JHA do Conselho da União Europeia criou o mandado de detenção europeu (European Arrest Warrant). Desde janeiro de 2004, este procedimento substituiu a extradição dentro do bloco, permitindo a entrega direta de procurados e foragidos entre os 28 Estados-membros, inclusive de nacionais, em rito estritamente judicial, sem etapa política.
No Mercosul, o Acordo de Foz do Iguaçu de 2010, aprovado pela Decisão MERCOSUL/CMC/DEC 58/2010, instituiu mecanismo semelhante ao europeu ao criar o Mandado Mercosul de Captura (MMC), ainda não implementado na região.
Ferramenta similar existe na Escandinávia (Nordic Arrest Warrant), que se desenvolveu a partir da cooperação simplificada intranórdica, que, permitia a extradição de nacionais naquela região desde meados do século XX, sistema amplificado pela Convention on Surrender for Criminal Acts between Nordic Countries (Nordisk arestordre), de 2005, que aboliu o princípio da dupla tipicidade para pedidos de entrega entre os cinco países escandinavos: Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia.
O CARICOM Arrest Warrant, criado pelo Tratado de Antígua, de 2008, é o mandado regional de captura da Comunidade do Caribe (CARICOM), ente formado por Antígua e Barbuda, Bahamas, Barbados, Belize, Dominica, Granada, Guiana, Haiti, Jamaica, Montserrat, Santa Lúcia, São Cristóvão e Névis, São Vicente e Granadinas, Suriname e Trinidad e Tobago.
A América Central também negocia instrumento semelhante, a ser regulado pelo Tratado de Manágua de 2012, no âmbito do SICA.
A tramitação dos mandados de entrega se faz de forma direta, ou por meio de autoridade central, e, diferentemente da extradição, o procedimento de avaliação é inteiramente judicial, sem fase política. O cumprimento desses mandados baseia-se no princípio do reconhecimento mútuo, que se desenvolveu na Europa a partir do Conselho Europeu de Tampere de 1999.
O princípio do reconhecimento mútuo deriva dos superprincípios da reciprocidade e da confiança, que fundamental a cooperação entre as nações. Sobre eles, a UE vem criando instrumentos supranacionais, válidos em todo o bloco, que permitem a livre circulação de decisões judiciais entre os Estados Membros. São exemplos dessa aplicação a ordem europeia de investigação e o mandado europeu de obtenção de provas.
A terceira espécie é a dos mandados regionais de captura e entrega, que diferem do instituto da entrega, previsto no artigo 89 do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (TPI) de 1998, que se destina à cooperação entre os Estados signatários do tratado e a própria Corte.
A expansão do crime organizado nos países membros do Mercosul e a facilidade de trânsito de pessoas nos países do bloco tornam necessário pôr em funcionamento o instrumento criado em 2010 pelo CMC.
Para facilitar a comunicação e a difusão da existência de mandados de prisão preventiva expedidos por autoridades competentes dos países da comunidade, o Acordo de Foz do Iguaçu determina a utilização do Sistema de Intercâmbio de Informações de Segurança do MERCOSUL (SISME) e do sistema de difusōes vermelhas da Organização Internacional de Polícia Criminal (INTERPOL).
A intensificação da cooperação jurídica em matéria penal contribuirá para aprofundar os interesses comuns das Partes no processo de integração regional e na luta contra o crime organizado. A globalização vem acompanhada de um crescimento proporcional de atividades criminosas, que representam severa ameaça nacional e transnacional em distintas modalidades criminosas. Diante disso, ganha relevância o propósito de promover a integração regional e edificar um espaço jurídico de justiça, liberdade e segurança no MERCOSUL, tal como já se dá na União Europeia há mais de uma década.
Naturalmente, instrumentos baseados no postulado do reconhecimento mútuo só são viáveis num ambiente de respeito aos direitos fundamentais do acusado e de afirmação do devido processo legal, considerados principalmente os artigos 7º e 8º da Convenção Americana de Direitos Humanos e o artigo 14 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. Não se pode cooperar com ditaduras, notadamente em tema de liberdade individual. Os 28 países que pertencem à União Europeia são democracias estáveis. Todos os membros do MERCOSUL estão vinculados pela cláusula democrática prevista no Protocolo de Ushuaia de 1998, o que exige que seus tribunais garantam o respeito ao devido processo legal em suas jurisdições. No entanto, ainda há sensível instabilidade política em alguns países do continente americano, o que pode retardar a implantação de mecanismos semelhantes aos europeus.
É inegável, porém, a necessidade de implantar o princípio do reconhecimento mútuo na América do Sul, para aperfeiçoar e impulsionar a cooperação jurídica internacional em matéria penal na região.
As experiências bem sucedidas de adoção de mandados regionais de detenção e entrega em outros pontos do globo devem ser levadas em conta, nomeadamente o Mandado Europeu de Captura (European Arrest Warrant), o Mandado Nórdico de Captura (Nordisk arestordre) e o Mandado de Captura da CARICOM (CARICOM Arrest Warrant).
A Decisão MERCOSUL/CMC/DEC 58/2010, pela qual os Estados Partes do Mercosul aprovaram a criação do MANDADO MERCOSUL DE CAPTURA (ORDEN MERCOSUR DE DETENCION), não pode cair no vazio, sendo essencial que os órgãos de soberania dos países do bloco ratifiquem o Acordo de Foz do Iguaçu de 2010 ou negociem instrumento mais moderno e mais adequado à realidade da América do Sul.