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O Procurador-Geral 'ad hoc' da Colômbia para o caso Odebrecht

Conta o jornal El Tiempo, de Bogotá, que a Colômbia terá um procurador-geral ad hoc para conduzir as investigações do caso Odebrecht. Leia-se Lava Jato.

Por Vladimir Aras 

Com essa designação, a Fiscalía colombiana fica enfraquecida. O atual Fiscal General de la Nación, cargo que equivale ao de PGR no Brasil, foi afastado da condução dessas investigações por seu envolvimento anterior com o caso.

Uma breve explicação é necessária. Diferentemente de outros países latinoamericanos, na Colômbia, a Fiscalía não é o mesmo órgão que o Ministério Público. São instituições separadas. A Fiscalía faz parte do Poder Judiciário, tem atribuições criminais e é dirigida pelo Fiscal General de la Nación, ao passo que o Ministério Público colombiano, previsto no art. 118 da Constituição, tem à frente o Procurador General de la Nación, com atribuições cíveis, administrativas e funções de custos legis e de Defensoría del Pueblo, como uma mescla de AGU, CGU e ombudsman. Ao lado da Controladoria Geral da Nação, o MP colombiano é listado pelo art. 117 da carta política local como um órgão de controle.

Gravações divulgadas recentemente indicam que em 2015 o Fiscal General Néstor Humberto Martínez teria mantido diálogos suspeitos com o auditor Jorge Enrique Pizano, uma das principais testemunhas do caso Lava Jato na Colômbia, que apareceu morto em nov/2018. Segundo a imprensa colombiana, o atual PGR Martínez, que na época era advogado do conglomerado financeiro Grupo Aval, teria tido conhecimento das irregularidades cometidas pela Odebrecht na construção de um trecho da Rota do Sol, uma importante rodovia de mais de mil quilômetros que liga a região metropolitana de Bogotá ao litoral caribenho ao norte.

Espinosa, o novo PGR “ad hoc” é professor, não integra a carreira da instituição fiscal e não é penalista. A atenção da América Latina estará voltada para seu trabalho na Lava Jato, dada a dimensão transnacional que o caso Odebrecht, alcançou a partir de dezembro de 2016, com a divulgação do acordo multilateral entre a companhia e autoridades do Brasil (MPF), Estados Unidos (DOJ) e Suíça (MPC), numa resolução global que expôs o esquema de corrupção e de financiamento ilícito de campanhas eleitorais em pelo menos outros dez países das Américas e da África.

A designação de promotores e procuradores ad hoc é uma solução polêmica. O ideal é que existam mecanismos internos de substituição que permitam assegurar a integridade e a autonomia das instituições do tipo Ministério Publico e Fiscalías. Havendo hipótese de impedimento e de suspeição de seus membros, outros integrantes da carreira, que guardem a prerrogativa de independência funcional, devem assumir os casos.

Promotores ad hoc podem funcionar em democracias estáveis, desde que haja rigorosos controles internos e externos que garantam sua operabilidade e independência. Como garantir investigações profundas e eficientes sem estrutura, recursos humanos e materiais e prerrogativas? Em modelagens institucionais mais adequadas, as garantias de atuação são sólidas, especialmente as de inamovibilidade, vitaliciedade e independência funcional. Não há elementos estranhos à carreira, e o lado positivo do corporativismo é realçado. Corporações respeitam valores, e esses valores são portados e defendidos pelos seus membros.

Tal como a Colômbia, os Estados Unidos também conhecem a figura dos promotores ad hoc, lá chamados de special counsel ou independent counsel ou special prosecutor. Na história política recente norte-americana três deles ganharam destaque. Durante o escândalo Watergate, que levou à renúncia de Richard Nixon, ao longo do ano de 1973, o advogado Archibald Cox atuou como promotor ad hoc. Kenneth Starr ficou conhecido pela investigação que entre 1994 e 1998 conduziu contra o presidente Bill Clinton, no caso Whitewater e no affair Monica Lewinsky. Mais recentemente, Robert Mueller III ganhou notoriedade em 2017 ao ser indicado para investigar a suposta intromissão russa na eleição presidencial de 2016, pleito no qual se deu a ascensão de Donal Trump à Casa Branca.

O arranjo institucional do Parquet brasileiro é diferente. Segundo o art. 129, § 2º, da Constituição, “as funções do Ministério Público só podem ser exercidas por integrantes da carreira” Assim, a designação de um promotor ou procurador ad hoc no Brasil seria inconstitucional.

Casos de impedimento ou suspeição são resolvidos por mecanismos institucionais e processuais bem estabelecidos na Lei Complementar 75/1993, na Lei 8.625/1993, nas leis orgânicas estaduais, no CPP e no CPC, conforme o caso.

Quando a causa de suspeição ou impedimento recai sobre o cabeça da instituição, outro membro, normalmente o Vice-Procurador-Geral, ou, na sua impossibilidade, um dos mais antigos membros da carreira, com as mesmas prerrogativas, deveres e garantias, deve assumir suas funções específicas.

Conforme o art. 53, inciso X, da Lei Complementar 75, compete ao Conselho Superior do MPF “designar o Subprocurador-Geral da República para conhecer de inquérito, peças de informação ou representação sobre crime comum atribuível ao Procurador-Geral da República e, sendo o caso, promover a ação penal“.

Resta saber se na Colômbia a simples designação de um promotor ad hoc para um caso tão importante será suficiente para recuperar a credibilidade da Fiscalía General e levar à elucidação do grande esquema de corrupção que estendeu seus longos braços e ávidas mãos sobre o erário de vários países de nossa região.

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