Por Vladimir Aras
Há trinta anos, exatamente no dia 3/mar/ 1982, o procurador da República Pedro Jorge de Melo e Silva foi assassinado a tiros em Olinda/PE.
O Ministério Público ainda não havia alcançado as feições e atribuições que só lhe foram conferidas pela Constituição de 1988, mas a instituição já era composta por membros vocacionados à defesa do interesse publico e ao combate à corrupção.
Pedro Jorge foi morto em razão da rigorosa investigação que conduziu a respeito do famigerado “Escândalo da Mandioca“, de desvio de Cr$1,5 bilhão em verbas públicas federais, algo equivalente a R$20 milhões. Veja aqui a notícia publicada em O Diário de Pernambuco sobre o homicídio. Aqui matéria da Folha de São Paulo, de 4 de março de 1982, e aqui a repercussão em O Globo e na revista Veja.
Grandes fazendeiros de Floresta/PE tomavam empréstimos na agência local do Banco do Brasil, simulavam a “perda da safra”, não pagavam as dívidas contraídas e desviavam o dinheiro público. Alguns usavam “laranjas”. Havia servidores públicos envolvidos. Leia aqui a primeira denúncia e a segunda denúncia apresentadas por Pedro Jorge à Justiça Federal no Recife, em nov/1981 e jan/1982.
Em edição de março de 1982, o Globo Repórter tratou desse esquema de corrupção de dimensão nacional e que acabou vitimando o procurador Pedro Jorge.
A reportagem feita pelo jornalista Tonico Ferreira para o Globo Repórter rendeu-lhe o prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos em 1982.
O mandante do crime, o ex-major da PM José Ferreira dos Anjos, e o pistoleiro Elias Nunes Nogueira, que receberia Cr$200 mil para fazer os disparos, foram condenados a mais de 30 anos de reclusão. Pedro Jorge tinha 35 anos quando morreu. A delação feita pelo atirador foi fundamental para descobrir os mandantes. Veja aqui.
Um fato intrigou a todos. Poucos dias antes do crime, o então Procurador-Geral da República, Inocêncio Mártires Coelho, afastara Pedro Jorge da condução do caso. Na época, membros do Ministério Público não eram, como hoje, inamovíveis. A perplexidade com a notícia foi tamanha que o senador Humberto Lucena chegou a discutir a possibilidade de abertura de um processo de impeachment, por crime de responsabilidade, contra o então PGR. Também por isto, a OAB, seccional de Pernambuco, realizou uma sessão de desagravo público ao procurador Pedro Jorge.
Na luta contra o crime, as vítimas mais comuns são os policiais, que estão na linha de frente do embates. Muitos morrem no estrito cumprimento de seus deveres. Vez por outra, membros do Ministério Público e juízes entram no rol dos marcados para morrer.
Há 10 anos, em 25 de janeiro de 2002, o promotor de Justiça Francisco José Lins do Rego, do Ministério Público de Minas Gerais, foi assassinado em Belo Horizonte a mando do dono de um posto de combustíveis envolvido no esquema dos cartéis.
Ano passado, a juíza de Direito Patrícia Acioli, do Rio de Janeiro, ingressou no tenebroso rol de autoridades da Justiça mortas em serviço.
Outros países passaram por algo semelhante. Há 20 anos, em maio de 1992, os procuradores da República Giovanni Falcone e Paolo Borsellino foram mortos pela máfia siciliana em assombrosos atentados, a mando de Salvatore “Totò” Riina, um dos chefões mais conhecidos da Itália.
Na Colômbia, em 1985, onze juízes da Suprema Corte foram assassinados, dentro do Palácio da Justiça, em Bogotá, após uma incursão do grupo guerrilheiro M-19 (Movimento 19 de Abril). Outros tantos magistrados – juízes e promotores – morreram ao longo dos anos a mando dos cartéis de drogas naquele país e também no México.
Pedro Jorge é o ícone do Ministério Público Federal brasileiro, símbolo da longa e doída luta que o Brasil sustenta contra a corrupção. Promovido post mortem, e por merecimento, a Subprocurador-Geral da República, último grau da carreira, com base na Lei Federal 9.694/98, Pedro Jorge de Melo e Silva dá nome ao prédio sede da Procuradoria Regional da República no Recife e a uma Fundação, instituída pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), sediada em Brasília. Seu exemplo está profundamente enraizado na consciência de seus colegas de profissão, que hoje (2/março) lhe renderam uma singela homenagem: um minuto de silêncio em todos os prédios do MPF no País.
Trinta anos se passaram desde aquele triste dia na bela Olinda. Hoje temos a Lei de Improbidade, temos a Lei de Lavagem de Dinheiro, temos a Convenção da ONU contra a Corrupção, temos a Lei da Ficha Limpa. Temos também melhores ferramentas de investigação, mas ainda não temos os governos probos e a justiça que Pedro Jorge um dia sonhou.
Os criminosos do escândalo por ele desvendado não plantaram nada. Ele sim!