Por Vladimir Aras
Ratazanas gostam de esgotos.
A vida do coronel Muamar Kadafi desfez-se como os grãos de areia de uma duna do deserto. Sua tenda caiu definitivamente. Se seu governo durou muitos anos, seu ocaso foi célere como uma gestação.
Veio a rebelião, vieram as batalhas, vieram os caças e os bombardeiros, e nesta semana de outubro seu comboio foi atingido em cheio. Fugia como um rato. Antes não lhe faltavam tendas beduínas nem palácios suntuosos. Não lhe faltavam guarda-costas nem seguranças. Tampouco lhe faltavam salamaleques. Depois, tudo se acabou. Como para outro ditador antes dele, Saddam Hussein, do Iraque, o último quinhão de Kadafi no mundo foi um buraco qualquer num país que um dia foi dele.
Kadafi entrou pelo cano.
Ratazanas gostam de buracos.
E gostam ainda mais de buracos de petróleo. Os canos do óleo abundante na Líbia ajudaram a levar embora o sangue de Kadafi.
Depois do cano do esgoto, no qual ele buscou abrigo, veio o cano do revólver que lhe matou. Agora dos poços no deserto jorrarão milhões barris de óleo negro que a OTAN cobiçava, e que dutos levarão para o Ocidente.
Ratazanas são devoradoras.
Saddam Hussein teve mais “sorte” que seu companheiro de ofício. Depois de capturado, foi submetido a um arremedo de julgamento. Aparentemente, pode defender-se, mas terminou sendo executado na forca, numa cena tétrica que rodou o mundo.
Kadafi foi capturado e sumariamente executado; foi justiçado, quase linchado. Imagens horrendas de sua morte também varreram o planeta. Era um fim provável, mas um fim lamentável, mesmo para um tirano.
Ratazanas gostam de carcaças e carniças.
O corpo do líder criminoso foi carregado e exibido como um troféu. Se era o fim de uma era e de uma guerra, a “nova” Líbia começa muito mal. Se muda o governo, é de se esperar que mudem os métodos.
Onde não há direitos para os “maus”, não pode haver justiça nem liberdade para os “bons”.
Por pior que Kadafi fosse (e era), cabia aos líderes rebeldes garantir sua rendição. Quiçá, o coronel pudesse ser julgado por um tribunal líbio. Ou talvez pudesse ser submetido a julgamento pelo Tribunal Penal Internacional, em Haia, onde poderia ser condenado a prisão perpétua, com respeito ao devido processo legal e ao contraditório.
Kadafi teve o destino que escolheu e foi vítima de sua soberba e prepotência. Até o fim, flertou com a morte. Esse homem não tem minha simpatia. Mas os que lhe assassinaram não parecem ser muito diferentes dele.
O poder não corrompe. O poder, em qualquer de suas formas, revela o homem.
Somos homens ou ratos?