Confissão

O bom ladrão

O larápio não teve dúvidas. Foi à Polícia para entregar-se e denunciar o pedófilo que acabara de furtar

Por  Vladimir Aras

A Bíblia tem muitas belas histórias. Uma delas é a que relata Lucas 23, 39-43

“Um dos malfeitores crucificados blasfemava contra ele, dizendo: Não és tu o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós também. Respondendo-lhe, porém, o outro repreendeu-o dizendo: Nem ao menos temes a Deus, estando sob igual sentença? Nós na verdade com justiça, porque recebemos o castigo que os nossos atos merecem; mas este nenhum mal fez. E acrescentou: Jesus, lembra-te de mim quando vieres no teu reino. Jesus lhes respondeu: Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso“.
Pois bem. Em tempo de tantas vilezas, apareceu na Austrália um bom ladrão. Foi na cidade de Ballarat a 100 km de Melbourne.

Ele, a quem chamarei de John Doe, furtou dois celulares de um homem de 46 anos. Ao acessá-los, encontrou fotos de pornografia infantil. O larápio não teve dúvidas. Foi à Polícia para entregar-se e denunciar o pedófilo que acabara de furtar.

Processado por um police prosecutor do Estado de Vitória, no sudeste da Austrália, Mr. Doe foi condenado. Porém, a juíza Michelle Hogdson, do Juizado Criminal de Ballarat (Magistrates’ Court), reconheceu seus bons préstimos à sociedade:

“O senhor fez o correto. Esse tipo de delito é muito grave. É preciso elogiar sua conduta porque arriscou sua própria liberdade. Não desejamos desencorajar outras pessoas conscientes a agir da forma como o senhor agiu”.
Por causa da boa ação que praticou, a pena do Sr. Doe ficou em módicos 30 dias de prisão e multa de 400 dólares australianos, mesmo tendo confessado a prática de 7 furtos. O policial-promotor Steve Kent não recorreu.

Aqui no Brasil um juiz poderia agir de forma semelhante? Sim. Diante de uma acusação de furto de dois celulares, o juiz poderia acolher a ação do Ministério Público, condenar o réu e atenuar sua pena por dois motivos, primeiro pela indubitável confissão espontânea (art. 65, inciso III, letra ‘d’, do CP) e depois em virtude de atenuante inespecífica, prevista no art. 66 do CP.

Art. 66 – A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei.
O juiz poderia reduzir ainda mais a sanção criminal ao aplicar do artigo 16 do CP, que cuida do arrependimento posterior:

Art. 16 – Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.
Assim, um ladrão brasileiro, cuja pena original seria de 1 a 4 anos de reclusão e multa, poderia pegar a pena mínima de 1 ano reduzida de 2/3 (dois terços), o que daria 4 meses de reclusão, com direito a substituição da prisão por medida alternativa. Ou seja, no jail time, nem um dia em cana.

Enfimfica a lição. Salvou-se o bom ladrão. Quanto ao pedófilo, sei não.

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