Meteoro

O bendegó de Tcheliabinski

Nascido na Freguesia de Nossa Senhora de Massacará, então pertencente a Monte Santo, o poeta José Aras recolheu a história oral da região e narrou em cordel a trabalhosa remoção da pedra do céu desde o sítio do impacto até a antiga capital federal.

Por Valdimir Aras

O blog é de Direito Criminal, e não de Astronomia, mas este post será sobre o bólido que explodiu nos Monteis Urais neste mês de fevereiro de 2013. A repercussão do evento se equipara à renúncia do papa e à queda de outro bólido nas estepes da Rússia czarista, em Tunguska, no ano de 1908.
 
Mas, afinal, o que um meteoro tem que ver com o Código Penal? Aparentemente nada. Embora algumas teses do processo penal brasileiro sejam quase extraterrestres de tão exóticas, não é este o ponto. Por outro lado, tal como o meteoro russo, nossa justiça criminal quase sempre anda fora de órbita. ruço, diriam! Mas também não é este o mote para esta crônica.
 
É que o incidente de Tcheliabinski teve “efeitos penais”.
 
Não, calma, não quero processar ninguém por este evento astronômico! A queda do siderito não violou norma alguma. Ao contrário, obedeceu às leis da Física. Gosto quando as coisas funcionam dentro da “legalidade”, ainda que essas leis rejam a mecânica celeste.
 
A pedra que veio do céu
 
No Brasil, o maior ocorrência deste porte deu-se aqui na Bahia em data incerta. Um meteoro de 5,36 toneladas cruzou os céus do sertão baiano, atingiu o solo e se tornou o meteorito Bendegó, a “pedra do céu” ou a coisa “vinda do céu”, na língua dos índios Kiriri. O Bendegó é o maior meteorito brasileiro (o maior achado no mundo é o Hoba, da Namíbia). O nosso pesa 5,36 toneladas e foi achado por um menino chamado Domingos da Motta Botelho. Em 1820, quando foi examinado pelos exploradores alemães Von Martius e Spix, viu-se que era feito de níquel e ferro, e não de ouro e prata como imaginava o sertanejo.
 
Retirado de seu leito na Bahia em novembro de 1887, o Bendegó foi transportado em carretão puxado por índios e juntas de bois, depois levado de trem ao litoral e em navio para o Rio de Janeiro, chegando em 15 de junho de 1888, onde está até hoje em exposição no Museu Nacional. A viagem foi demorada, afinal o meteorito é baiano de “nascimento”. Na verdade, seu peso dificultou enormemente a tarefa de movê-lo por entre as grotas e morros do sertão
 
Segundo o escritor José Aras (1893-1979), a pedra foi achada em 1784 ou 1785 num riacho perto do rio Vaza Barris, na comarca de Itapicuru, a 48 km do atual municipal de Monte Santo. Considerada o altar sagrado do sertão, por sua vocação para romarias, é desta cidade no semi-árido que sai O pagador de promessas (1962). Este filme, baseado na obra de Dias Gomes, é o único brasileiro a ganhar a Palma de Ouro no festival de Cannes. A obra-prima de Glauber Rocha, Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), também foi gravada em Monte Santo. Este lugar é, portanto, palco de eventos cósmicos e cinematográficos, palco de estrelas da Terra e de uma que caiu do céu.
 
Lembro maravilhado das histórias que meu pai J. R. contava sobre essa “estrela cadente“, que também nome a um povoado no entroncamento da Transnordestina. O lugarejo, fundado por meu avô José Aras, foi por ele batizado de Bendegó. Fica a pouca distância da antiga Canudos de Antônio Conselheiro e do lugar onde o governo barrou o rio Vaza Barris, criou um lago de 2.395 hectares e fez o “sertão virar mar”. O extenso e piscoso açude de Cocorobó é o mar de Canudos.
 
Nascido na Freguesia de Nossa Senhora de Massacará, então pertencente a Monte Santo, o poeta José Aras recolheu a história oral da região e narrou em cordel a trabalhosa remoção da pedra do céu desde o sítio do impacto até a antiga capital federal.
 
A primeira tentativa remonta ao século XVIII, mas o transporte se consumou cerca de um século depois. No trecho que abaixo reproduzo, José Aras conta o acidente que quase pôs a perder a empreitada encomendada pelo imperador D. Pedro II:
 
 
No ano de oitenta e cinco
 
Do século setecentos
 
O capitão Chico Marques
 
Deu origem ao abastecimento
 
Conduziu o Bendegó
 
E construiu um monumento
 
Que havia de ser feito
 
Hoje na praça Cairu
 
Em memória de Sardinha,
 
Cabral e Caramuru.
 
O aerólito suspenso
 
Cercado de índios nus
 
Construíram carretão
 
De madeira resistente
 
Levaram a pedra acima
 
Mas foi improducente
 
Tombou e queimou o eixo
 
E matou os bois da frente.
 
A pedra caiu no rio
 
Logo veio o desengano
 
O rio ficou dando banho
 
Como se fosse humano
 
Assim esteve parado
 
Cerca de cento e três anos.
 
Esta é, portanto, a história da subtração de um pequeno, mas significativo, patrimônio natural da Bahia. O pesado aerólito deveria voltar ao Sertão de Canudos (alô, governantes!), pois foi a terra que “escolheu” para seu retiro após longa viagem sideral. Se o pré-sal é do Rio de Janeiro, o meteorito é nosso. A comparação não tem proporção, mas tem lugar e justiça. Cedemos a pedra em 1888 e não ganhamos royalties. José Aras pedira. Queremos o Bendegó de volta.
 
E na Rússia…
 
Tal como o nosso Bendegó, o monolito de Tcheliabinaki era uma gigantesca “estrela cadente”, um corisco que riscou o céu das estepes. Esses eventos siderais são assustadores. O choque de um destes pode provocar o fim do mundo. Pergunte aos dinossauros. Ao mesmo tempo, podem ser poéticos. Quem nunca fez um pedido de amor ou lançou um desejo de felicidade ao avistar uma estrela cadente alumiar a noite e desaparecer no firmamento?
 
Enquanto o mundo se maravilhava e se espantava com o inesperado visitante espacial de 40 toneladas, certos criminosos tiveram uma ideia luminosa. Uns sujeitos criativos enxergaram nisso uma forma de ganhar dinheiro. Estelionatários são “geniais” neste aspecto. “Tiram leite de pedra”, inclusive para comercializá-lo. É o tal “ouro de tolo”. Os famigerados 171 costumam aproveitar-se da ingenuidade ou da ganância de seus alvos para o sucesso de seus golpes. No crime do art. 171 do CP muitas vezes a vitima quer “se dar bem” e acaba “dando-se mal”.
 
Nos anos 1980, quando esfriava a corrida espacial, houve quem vendesse terrenos na Lua (aqui). Até nada demais… O incrível é que alguém tenha comprado e pago (!) um lotezinho em solo lunar, lugar agradabilíssimo, sem água nem ar puro, próprio para quem quer curtir o “verão” diurno (110ºC) e esbaldar-se no “inverno” noturno (155 ºC abaixo de zero). Todos os dias! Um empreendimento de Nevada, Estado americano onde vive Denis Hoe, o esperto grileiro espacial.
 
Um negócio desses é mais furado que a superfície lunar, cheia de crateras provocadas por meteoritos. Todo mundo sabe que os corpos celestes e o espaço sideral são propriedade da Humanidade. Não sei se os klingon e os romulanos foram avisados. Mas está na lei internacional: o Tratado de Espaço Exterior das Nações Unidas, de 1967, oficialmente denominado “Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, Inclusive a Lua e Demais Corpos Celestes” (Decreto 64.362/1969). É tudo nosso, senhores “etês”.
 
Depois do estelionato com os terrenos na Lua, agora a história se repete. Passados 33 segundos da explosão do meteoro sobre a Rússia, fraudadores finórios e audazes se adiantaram aos cientistas russos. Alegam que recuperaram fragmentos dos meteoritos de Tcheliabinski e os puseram a venda na Internet (aqui e aqui). Mentira, claro. É quase tudo falso, como uma nota de 3 rublos. Mesmo assim, gente disposta a pagar uma grana por umas “pedrinhas”. E essas não dão (nem saem) barato. Algumas são vendidas por 9 mil reais.
 
 
Dinheiro não cai do céu. Meteoritos, sim. Algumas pessoas vivem com a cabeça na Lua. Os russos nunca estiveram , mas bebem muita vodca, sei . Pura e on the rocks. E uns, acreditando que farão um negócio da China, acabam por tropeçar em fraudes toscas. Logo verão que havia uma pedra no caminho de suas fortunas. Como é próprio da região dos Urais nesta época do ano, quem comprar os bendegós anunciados na Internet, entrará numa fria. Um, sete, um, avisei.
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