Por Vladimir Aras
Na última década do século 19, o segundo presidente brasileiro, o marechal Floriano Peixoto nomeou o grupo de 21 técnicos e exploradores responsáveis por dar continuidade ao plano do patriarca José Bonifácio de edificar uma nova capital no interior do Brasil.
O art. 3º da Constituição de 1891 estabeleceu uma área de 14,4 mil km², no Planalto Central da República, que seria “oportunamente demarcada para nela estabelecer-se a futura Capital federal“.
Louis Ferdinand Cruls, um géogrado e astrônomo belga, nascido em 1848 em Diest, na região de Flandres, foi incumbido dessa missão, muito importante para a história do Brasil e sobretudo para a história de Brasília.
Em 21 de janeiro de 2018, completam-se 170 anos do nascimento de Luís Cruls, nome pelo qual ficou conhecido no Brasil o homem que chefiou a Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil, constituída pelo governo para demarcar a área a ser ocupada pela futura capital brasileira no meio de Goiás.
O resultado dessa missão às entranhas do cerrado brasileiro entre 1892 e 1893 ficou conhecido como Relatório Cruls, e a área demarcada ganhou o nome de “Quadrilátero Cruls”. Foi nesse pedaço de terra que Juscelino Kubitscheck mandou construir a cidade, que agora é patrimônio cultural da Humanidade.
Faço esse registro de um dos eventos históricos que unem Brasil e Bélgica, no momento em que outros marcos são fixados por belgas e brasileiros, não em terra, mas na cooperação jurídica entre os dois países.
Desde o final do ano passado, está em vigor o Acordo entre Brasil e Bélgica de Transferência de Pessoas Condenadas (Decreto 9.239/2017, de 15 de dezembro), que facilita o cumprimento de penas no Estado de nacionalidade do sentenciado. O pedido de transferência da pessoa sentenciada pode ser feito em seu favor tanto pelo Estado da condenação quanto pelo Estado da execução. Este instituto está agora previsto no direito interno brasileiro, nos arts. 103 a 105 da Lei 13.445/2017 (Lei Migratória). A competência para a execução no Brasil é da Justiça Federal.
O art. 8º do novo tratado, firmado em 2009, também regula a transferência de execução penal em caso de fuga do condenado (“pessoas evadidas do Estado de condenação”). Tal medida de cooperação de enforcement of foreign judgements encontra disciplina no arts. 100 a 102 da Lei de Migração. A competência é da Justiça Federal, após homologação pelo STJ, nos termos do art. 105 da Constituição. Não há necessidade de consentimento do condenado.
Também em 2017 houve a promulgação de outro acordo, também concluído em 2009, o Tratado de Auxílio Jurídico Mútuo em Matéria Penal (Decreto 9.130/2017, de 17 de agosto), que regula as diligências transnacionais para comunicação de atos processuais, coleta probatória, tomada de depoimentos, inclusive por videoconferência, transferências temporárias de depoentes, buscas e apreensões, congelamento e repatriação de ativos etc.
Há mais de 60 anos, Brasil e Bélgica mantêm acordo bilateral extradicional. O Decreto 41.909/1957, de 29 de julho, promulgou o Tratado de Extradição firmado no Rio de Janeiro em 1953. Seguramente, o presente avanço, um salto duplo, deve-se ao esforço dos diplomatas e adidos da Embaixada da Bélgica em Brasília de intensificar e facilitar a cooperação entre os dois países, também no plano jurídico.
Para os três tratados, a autoridade central é o Ministério da Justiça, sendo também permitida a via diplomática, notadamente nas relações extradicionais.