Crime Organizado

Nem vem que não tem

Já para os diplomatas, cujo estatuto está na Convenção de Viena de 1961, a imunidade à jurisdição territorial e os privilégios são mais abrangentes.

Por Vladimir Aras

 

Sempre digo aos meus alunos de processo penal para darem atenção ao direito internacional público (DIP). Muitos não me levam a sério.
 
”Estudar DIP?! tenho previdenciário e trabalho para me entediar”, uns respondem.
 
Mas vejam essa sobre a prisão do traficante e homicida Antônio Francisco Bonfim Lopes, o famigerado “Nem”. Eis um bandido juridicamente bem informado.
 
Tentou armar para a Polícia várias vezes. Primeiro, quis fazer-se passar por morto. Conseguiria uma certidão de óbito falsa, o que resultaria na extinção da punibilidade de seus crimes anteriores, na forma da lei (art. 107, do CP). Depois reencarnaria, nasceria de novo, voltaria à vida — do crime — com outro nome.
 
Agora, o barão da zona sul lançou mão do direito internacional. Vendo-se acossado pelo cerco da Polícia do Rio de Janeiro à favela da Rocinha, nas vésperas da instalação da UPP naquela comunidade, o bandido maroto, violento e esperto tentou fugir do abraço da sucuri escondido na mala de um carro.
 
Para seu azar, o veículo foi parado por policiais militares de verdade. Eis os nomes de dois dos homens que honraram suas fardas: Ten PM Ronald Cadar e SD PM Heitor.
 
A primeira tentativa de livrar a cara do Nem da prisão iminente foi alegar que o veículo era uma viatura diplomática e que ali estava o cônsul honorário da República Democrática do Congo (antigo Zaire, capital Kinshasa). Nenhuma autoridade consular congolesa se envolveu nesse episódio. Era uma lorota dos bandidos para impedir que o carro fosse revistado. É que, segundo a Convenção de Viena sobre Relações Consulares, de 1963, os cônsules de carreira têm imunidade relativa à jurisdição local e certos privilégios limitados aos atos oficiais na função consular. As imunidades dos cônsules honorários são ainda mais restritas.
 
para os diplomatas, cujo estatuto está na Convenção de Viena de 1961, a imunidade à jurisdição territorial e os privilégios são mais abrangentes.
 
Mas a historinha globalizada não colou.
 
veio o usual. Dois dos três ocupantes do carro que conduzia Nem ofereceram propina aos policiais. Supostamente, eram advogados. Primeiro 20 mil reais. Depois a oferta subiu para um milhão de reais, quantia tentadora para uma Polícia mal remunerada. Mas uma ofensa gravíssima para um policial de verdade.
 
Pela simples oferta de suborno, estava caracterizado o crime de corrupção ativa (art. 333 do CP), que é punido com pena de reclusão de 2 a 12 anos, e multa.
 
Com a chegada da Polícia Federal, a alegação de que o carro não podia ser revistado porque era do governo do Congo foi para o espaço. A mentira não convenceu os policiais. Nem o cifrão. Abriu-se o porta-malas, e de saiu meio atordoado e incrédulo o rei da Rocinha, que nem tentou reagir. Com ele, a Polícia apreendeu 180 mil reais em moeda nacional e em euros.
 
Não adiantou alegar imunidade diplomática. Nem lhe serviu recorrer à imunidade “pecuniária”. O tradicional “guaraná”, a proverbial “cervejinha”, o pourboire, não funcionou. Diante da oferta que fizeram aos homens da lei (“tem jogo?”, devem ter perguntado), os traficantes ouviram da Polícia: Nem vem que não tem. Nem mortos. “Nem” preso basta.
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