Sempre digo aos meus alunos de processo penal para darem atenção ao direito internacional público (DIP). Muitos não me levam a sério.
—”Estudar DIP?! Já tenho previdenciário e trabalho para me entediar”, uns respondem.
Mas vejam só essa sobre a prisão do traficante e homicida Antônio Francisco Bonfim Lopes, o famigerado “Nem”. Eis aí um bandido juridicamente bem informado.
Tentou armar para a Polícia várias vezes. Primeiro, quis fazer-se passar por morto. Conseguiria uma certidão de óbito falsa, o que resultaria na extinção da punibilidade de seus crimes anteriores, na forma da lei (art. 107, do CP). Depois reencarnaria, nasceria de novo, voltaria à vida — do crime — com outro nome.
Agora, o barão da zona sul lançou mão do direito internacional. Vendo-se acossado pelo cerco da Polícia do Rio de Janeiro à favela da Rocinha, nas vésperas da instalação da UPP naquela comunidade, o bandido maroto, violento e esperto tentou fugir do abraço da sucuri escondido na mala de um carro.
Para seu azar, o veículo foi parado por policiais militares de verdade. Eis os nomes de dois dos homens que honraram suas fardas: Ten PM Ronald Cadar e SD PM Heitor.
A primeira tentativa de livrar a cara do Nem da prisão iminente foi alegar que o veículo era uma viatura diplomática e que ali estava o cônsul honorário da República Democrática do Congo (antigo Zaire, capital Kinshasa). Nenhuma autoridade consular congolesa se envolveu nesse episódio. Era só uma lorota dos bandidos para impedir que o carro fosse revistado. É que, segundo a Convenção de Viena sobre Relações Consulares, de 1963, os cônsules de carreira têm imunidade relativa à jurisdição local e certos privilégios limitados aos atos oficiais na função consular. As imunidades dos cônsules honorários são ainda mais restritas.
Já para os diplomatas, cujo estatuto está na Convenção de Viena de 1961, a imunidade à jurisdição territorial e os privilégios são mais abrangentes.
Mas a historinha globalizada não colou.
Aí veio o usual. Dois dos três ocupantes do carro que conduzia Nem ofereceram propina aos policiais. Supostamente, eram advogados. Primeiro 20 mil reais. Depois a oferta subiu para um milhão de reais, quantia tentadora para uma Polícia mal remunerada. Mas uma ofensa gravíssima para um policial de verdade.
Pela simples oferta de suborno, já estava caracterizado o crime de corrupção ativa (art. 333 do CP), que é punido com pena de reclusão de 2 a 12 anos, e multa.
Com a chegada da Polícia Federal, a alegação de que o carro não podia ser revistado porque era do governo do Congo foi para o espaço. A mentira não convenceu os policiais. Nem o cifrão. Abriu-se o porta-malas, e de lá saiu meio atordoado e incrédulo o rei da Rocinha, que nem tentou reagir. Com ele, a Polícia apreendeu 180 mil reais em moeda nacional e em euros.
Não adiantou alegar imunidade diplomática. Nem lhe serviu recorrer à imunidade “pecuniária”. O tradicional “guaraná”, a proverbial “cervejinha”, o pourboire, não funcionou. Diante da oferta que fizeram aos homens da lei (“tem jogo?”, devem ter perguntado), os traficantes ouviram da Polícia: Nem vem que não tem. Nem mortos. “Nem” preso basta.