Por Vladimir Aras
Aqui na Bahia quando alguém vai beber muito, diz que vai “comer água“. Não me pergunte a origem dessa expressão do baianês, pois não sei explicar.
O que também não sei é por que insistem em dizer que um motorista bêbado não pode ser obrigado a submeter-se ao teste do bafômetro. Isto não me cheira bem.
Juristas respeitados e junto a eles os tradicionais pseudogarantistas brasileiros interpretam o direito ao silêncio de forma enviesada (art. 5°, LXIII, CF). Escrevi sobre este tema neste post (Nazaré aqui, Miranda lá), mas vale voltar ao assunto.
A Comissão de Constituição e Justiça do Senado acaba de aprovar um projeto de lei draconiano. Na tentativa de contornar um problema de interpretação do direito fundamental à não auto-incriminação numa perspectiva verdadeiramente garantista e para afastar o dilema entre os processos de homicídio culposo no trânsito (art. 302 do CTB) e homicídio com dolo eventual na direção de veículo (art. 121 do CP), a Câmara Alta do Congresso Nacional tenta passar uma lei com contornos surreais. Assim, invadiu o sinal vermelho.
Refiro-me ao PLS 48/2011, que altera o art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97). Este artigo tipifica o crime de embriaguez ao volante. Se aprovado o projeto, o artigo 306 passará por mais um cirurgia de reconstrução e terá a seguinte redação:
“Art. 306. Conduzir veículo automotor sob influência de álcool ou substância psicoativa que determine dependência:
Pena – detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
§ 1º Se da conduta resultar lesão corporal:
Pena – detenção, de um a quatro anos, multa e suspensão ou proibição de se obter permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
§ 2º Se da conduta resultar lesão corporal de natureza grave:
Pena – reclusão, de três a oito anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
§ 3º Se da conduta resultar lesão corporal de natureza gravíssima:
Pena – reclusão, de seis a doze anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
§ 4º Se da conduta resultar morte:
Pena – reclusão de oito a dezesseis anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo
automotor.
§ 5º Aumenta-se a pena de um terço a metade se a condução se dá:
I – sem possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação ou, ainda, se suspenso ou cassado o direito de dirigir;
II – com Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação de categoria diferente da do veículo que esteja conduzindo;
III – nas proximidades de escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque de passageiros, ou onde haja grande movimentação ou concentração de pessoas;
IV – transportando menor, idoso, gestante ou pessoa que tenha seu discernimento reduzido;
V – no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros ou cargas;
VI – em veículos que exijam Carteira de Habilitação na categoria C, D ou E;
VII – em rodovias;
VIII – gerando perigo de dano.
§ 6º A caracterização do crime tipificado neste artigo poderá ser obtida:
I – mediante testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outros meios que, técnica ou cientificamente, permitam certificar o estado do condutor;
II – mediante prova testemunhal, imagens, vídeos ou a produção de quaisquer outras provas em direito admitidas”
Segundo o projeto, quem dirigir veículo automotor terrestre com qualquer concentração de álcool no sangue ficará sujeito a penas que variam de 6 meses a 24 anos (!), isto a depender do resultado: lesão corporal leve, lesão grave, lesão gravíssima ou morte. Um exagero que atropela o bom senso.
As penas do tipo básico do futuro art. 306 do CTB e da forma preterdolosa do seu §1° parecem adequadas à reprovabilidade social de tais condutas (de 6 meses a 3 anos de detenção; e, de 1 a 4 anos de detenção, respectivamente), e permitem a saída consensual da suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/95). Porém, as penas das demais modalidades do crime, previstas nos §§2°, 3° e 4°, são criticáveis. Em caso de morte da vítima do acidente, o condutor estará sujeito a pena de reclusão de 8 a 16 anos. Se o motorista não tiver licença para dirigir, ou se o crime ocorrer em rodovia, ou nas proximidades de hospitais, essa pena pode ser aumentada de um terço até a metade. Com isto, o indivíduo poderá ser condenado a 24 anos de prisão, se dirigir após haver bebido um copinho de pinga e, num acidente numa rodovia federal, matar alguém.
Só para comparar, o crime de homicídio doloso (intencional) é punido com pena de reclusão de 6 a 20 anos (art. 121, do CP). Se for cometido mediante meio cruel, ou por emboscada, ou ainda por vingança ou por motivo fútil, teremos a forma qualificada desse mesmo crime, e a pena sobe, podendo ir de 12 a 30 anos. Muitos membros do Ministério Público lançam mão do art. 121 do CP para acusar motoristas que matam no trânsito, imputand0-lhes o delito de homicídio com dolo eventual. Isto é, o motorista não quis o resultado morte, mas, por dirigir como dirigiu, assumiu o risco de produzir tal evento fatal. E o fazem porque a pena atual do homicídio no trânsito é muito branda. Segundo o art. 302 do CTB, vai de 2 a 4 anos de detenção, e admite substituição por pena alternativa, o que policiais e promotores consideram uma resposta legal muito branda.
Este problema de imputação se agravou quando a 1ª Turma do STF no HC 107.801/SP (rel. para o acórdão min. Luiz Fux, j. set/2011) decidiu afastar denúncia por crime de homicídio doloso no trânsito (que vai a júri), fazendo prevalecer a acusação de homicídio culposo, que é julgada pelo juiz singular e tem pena menor. Eis a ementa:
PENAL. HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. PRONÚNCIA POR HOMICÍDIO QUALIFICADO A TÍTULO DE DOLO EVENTUAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. EMBRIAGUEZ ALCOÓLICA. ACTIO LIBERA IN CAUSA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO VOLITIVO. REVALORAÇÃO DOS FATOS QUE NÃO SE CONFUNDE COM REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. ORDEM CONCEDIDA. 1. A classificação do delito como doloso, implicando pena sobremodo onerosa e influindo na liberdade de ir e vir, mercê de alterar o procedimento da persecução penal em lesão à cláusula do due process of law, é reformável pela via do habeas corpus. 2. O homicídio na forma culposa na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB) prevalece se a capitulação atribuída ao fato como homicídio doloso decorre de mera presunção ante a embriaguez alcoólica eventual. 3. A embriaguez alcoólica que conduz à responsabilização a título doloso é apenas a preordenada, comprovando-se que o agente se embebedou para praticar o ilícito ou assumir o risco de produzi-lo. 4. In casu, do exame da descrição dos fatos empregada nas razões de decidir da sentença e do acórdão do TJ/SP, não restou demonstrado que o paciente tenha ingerido bebidas alcoólicas no afã de produzir o resultado morte. 5. A doutrina clássica revela a virtude da sua justeza ao asseverar que “O anteprojeto Hungria e os modelos em que se inspirava resolviam muito melhor o assunto. O art. 31 e §§ 1º e 2º estabeleciam: ‘A embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos, ainda quando completa, não exclui a responsabilidade, salvo quando fortuita ou involuntária. § 1º. Se a embriaguez foi intencionalmente procurada para a prática do crime, o agente é punível a título de dolo; § 2º. Se, embora não preordenada, a embriaguez é voluntária e completa e o agente previu e podia prever que, em tal estado, poderia vir a cometer crime, a pena é aplicável a título de culpa, se a este título é punível o fato”. (Guilherme Souza Nucci, Código Penal Comentado, 5. ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: RT, 2005, p. 243) 6. A revaloração jurídica dos fatos postos nas instâncias inferiores não se confunde com o revolvimento do conjunto fático-probatório. Precedentes: HC 96.820/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 28/6/2011; RE 99.590, Rel. Min. Alfredo Buzaid, DJ de 6/4/1984; RE 122.011, relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 17/8/1990. 7. A Lei nº 11.275/06 não se aplica ao caso em exame, porquanto não se revela lex mitior, mas, ao revés, previu causa de aumento de pena para o crime sub judice e em tese praticado, configurado como homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB). 8. Concessão da ordem para desclassificar a conduta imputada ao paciente para homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB), determinando a remessa dos autos à Vara Criminal da Comarca de Guariba/SP.
(HC 107801, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Relator(a) p/ Acórdão: Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 06/09/2011).
Neste cenário está a gênese do PLS 48/2011. Para contornar o dilema entre o crime do art. 302 do CTB e o delito do art. 121 do CP, e para para afastar o falso problema da garantia contra a autoincriminação (que está relacionada ao direito ao silêncio), o PLS 48/2011, de um lado, criou figuras preterdolosas e aumentou as penas do tipo e, de outro, não impôs ao condutor a realização dos testes químicos (ar alveolar, sangue ou urina). Preferiu fazer um zigue-zague na pista e arrematou dizendo o óbvio no §6º. Na falta de tais exames físico-químicos, a Polícia, o Ministério Público e o Judiciário poderão valer-se de todas as provas admitidas em Direito e listou alguma delas: perícia de local, exames clínicos, prova testemunhal, fotografias e vídeos.
Com isto, quase demos marcha-à-ré no tempo e voltamos à época das provas tarifadas. Faltou pouco. Hoje o direito processual penal não estabelece uma lista de provas para demonstrar isto ou aquilo. O legislador não precisava elencá-las num determinado artigo da lei penal.
Mesmo assim, desde 2006, o art. 277 do CTB já prevê algo semelhante: “Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado“. Conforme o § 2o de tal artigo, introduzido em 2008, a infração “poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor“.
Além da escala penal desproporcional e do desnecessário rol probatório, este projeto padece de outros defeitos. É surreal prever um crime de embriaguez ao volante sem estabelecer um valor mínimo para a determinação desse estado, aferido a partir de testes de química forense. Atualmente, em virtude da Lei Seca (Lei 11.705/2008), o art. 306 do CTB estabelece que esse patamar é de 0,6 g/l. O crime de trânsito não se consuma pelo só fato de o motorista ter bebido. É necessário que o condutor do veículo esteja sob influência do álcool. Dizendo melhor: para caracterizar a infração é preciso que a capacidade sensorial ou motora do condutor tenha sido prejudicada ou piorada. Nem toda ingestão de álcool é capaz de provocar esse abalo perceptivo-motor ou de comprometer sua capacidade cognitiva (impairment). Não basta o hálido alcoólico. O agente deve estar trôpego, ou, no mínimo, sob excitação ou torpor, e isto varia de pessoa para pessoa. Portanto, o limite de álcool no sangue é só um parâmetro de aferição, que deve ser confirmado por outros elementos concretos na cena do crime.
A evolução legislativa deste tipo penal é uma prova de que o Congresso Nacional está sem direção nesse assunto e precisa de um GPS. A redação primitiva é semelhante à agora proposta: “Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem“. A diferença estava na parte final, que exigia a criação de uma situação de perigo. Em 2008, este artigo foi modificado pela Lei 11.705 e passou a ser assim: “Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência“. Como se vê, foi quando se passou a exigir a comprovação da concentração de álcool superior a 0,6g por litro de sangue.
Mas aí havia uma pedra no caminho, ou um buraco na rodovia. Ninguém combinou com os hipergarantistas, que logo conseguiram convencer o STJ de que o motorista não estaria obrigado a soprar o etilômetro ou a fazer o exame de sangue, “para não produzir prova contra si mesmo”. O assunto desgovernou-se e, na sequência, o art. 306 do CTB virou letra morta (STJ, 6ª Turma, HC 166.377/SP, rel. Og Fernandes, jun/2010), como as milhares de vítimas fatais das ruas e rodovias brasileiras. Sem o exame laboratorial ou o bafômetro, não há como provar a concentração, que é um elemento do tipo. Isto ficou ainda mais claro no HC 109.269/MG (2ª Turma, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. nov/2011), no qual o STF, embora reconhecendo a constitucionalidade desse artigo, decidiu que “no tipo penal sob análise, basta que se comprove que o acusado conduzia veículo automotor, na via pública, apresentando concentração de álcool no sangue igual ou superior a 6 decigramas por litro para que esteja caracterizado o perigo ao bem jurídico tutelado e, portanto, configurado o crime“. Como fazê-lo sem o bafômetro ou o exame sanguíneo obrigatórios? Virtualmente impossível… Portanto, o motorista bêbado que não fez o teste acaba absolvido por falta de provas.
Um colega brincou que, diante desse dilema hermenêutico, teríamos de decidir a questão nos dados. Retruquei que, em sendo o álcool uma droga, os dados também não serviam, pois podem estar “viciados”. Outro me relatou uma história pitoresca. Contou-me que em Belo Horizonte, sua terra, um advogado criminalista orientou seu cliente a não fazer o teste do etilômetro passivo, aquele no qual o motorista não precisa soprar (veja aqui). O aparelho capta a concentração de álcool na atmosfera em torno da boca e nariz do suspeito. Para esse criativo advogado, o bafo do motorista só poderia ser colhido, mesmo a distância, com sua autorização expressa. Como esse meu colega conclui, assim “seria melhor o Estado delegar a fiscalização da embriaguez às esposas“. Blargh.
Como funciona isto em outros países?
Nos Estados Unidos e na maior parte da Europa, os casos de embriaguez ao volante, que eles denominam de drive under influence (DUI), são identificados basicamente de duas maneiras. A primeira depende dos Field Sobriety Tests (FST), aqueles realizados à margem da via para conferir se o condutor está sóbrio. Nos EUA, estes podem ser recusados pelo motorista. Ninguém é obrigado a fazer o teste de nistagmo horizontal, o teste do 4, ou o teste do toque no nariz com os olhos cerrados, etc. É assim na California e no Colorado, para ficar em dois exemplos.
Mas, em geral, o motorista não pode recusar-se a fazer os testes químicos, ou seja, a passar pelos exames do etilômetro (breathalyzer), de sangue ou de urina, para determinar sua concentração de álcoos no sangue ou BAC – blood alcohol concentration. O direito ao silêncio não se aplica em tais casos, pois neles a participação do suspeito é passiva.
Isto fica muito claro no precedente Schmerber v. California, 384 U.S. 757 (1966), julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos em 1966. Confira o acórdão neste link, do qual transcrevo uma passagem:
“We hold that the privilege protects an accused only from being compelled to testify against himself, or otherwise provide the State with evidence of a testimonial or communicative nature, and that the withdrawal of blood and use of the analysis in question in this case did not involve compulsion to these ends.” [Afirmamos que o privilégio só protege o acusado de ser compelido a testemunhar contra si mesmo, ou, de algum outro modo, a fornecer ao Estado provas de natureza testemunhal ou oral; e que a coleta de sangue e o uso do exame em questão neste caso não representam constrangimento para estes fins].
Outro trecho do mesmo julgado Schmerber v. California, em relação ao direito ao silêncio (privilege against self-incrimination):
“[…] both federal and state courts have usually held that it offers no protection against compulsion to submit to fingerprinting, photographing, or measurements, to write or speak for identification, to appear in court, to stand, to assume a stance, to walk, or to make a particular gesture. The distinction which has emerged, often expressed in different ways, is that the privilege is a bar against compelling “communications” or “testimony,” but that compulsion which makes a suspect or accused the source of “real or physical evidence” does not violate it”. […tribunais federais e estaduais costumam decidir que não se impede a coleta de impressões digitais, fotografias ou dados biométricos, ou a obtenção de padrões de fala e escrita para identificação, ou o comparecimento do réu ao tribunal para pôr-se pé, assumir uma postura, caminhar, ou realizar um determinado gesto. A distinção que surge, frequentemente descrita de diferentes formas, é que esse privilégio impede comunicações ou depoimentos forçados, mas obrigar o suspeito ou o acusado a ser a fonte de `prova física` não ofende tal direito].
No caso South Dakota v. Neville, 459 U.S. 553 (1983) , a Suprema Cote dos EUA reafirmou sua posição e decidiu que o Estado pode obrigar um motorista suspeito de dirigir embriagado a se submeter a exames de alcoolemia. Este texto no site da Faculdade de Direito da Universidade de Cornell aprofunda a discussão sobre os limites do direito ao silêncio.
No Velho Continente, a Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH) manifestou-se sobre a garantia contra a auto-incriminação no mesmo sentido e decidiu, por exemplo, em Saunders v. United Kingdom (1996), que tal direito “does not extend to the use in criminal proceedings of material which may be obtained from the accused through the use of compulsory powers but which has an existence independent of the will of the suspect such as , inter alia, documents acquired pursuant to a warrant, breath, blood and urine samples and bodily tissue for the purpose of DNA testing.” Ou seja, o direito ao silêncio não impede o uso numa ação penal de material obtido compulsoriamente do acusado quando sua existência independa da vontade suspeito, como, por exemplo, documentos obtidos mediante mandado de busca e apreensão, amostras de ar, sangue e urina e tecidos corporais para exame de DNA. Duvida? Vá ao original (aqui) e não acredite mais nas lorotas que contam por aí…
Na Rússia, parte da solução virá da tecnologia. Segundo o Komsomolskaya Pravda, motoristas bêbados poderão ser identificados à distância, por um dispositivo laser, que detecta etanol na microatmosfera dentro do veículo, sem pará-lo. O aparelho denominado Bouton deve entrar em operação em 2013. Como você sabe, os russos amam vodka e não conhecem a substância que chamamos de água.
Em suma, a garantia nemo tenetur se detegere ou nemo tenetur se ipsum accusare impede que o acusado seja torturado, pressionado ou constrangido para confessar ou autoincriminar-se. O suspeito não precisa colaborar com depoimentos para o caso criminal, pois tem o direito de permanecer calado, conforme o art. 5º, LXIII, da Constituição brasileira de 1988; o art. 8º, n. 2, letra `g`, do Pacto de São José da Costa Rica, de 1969; e a V Emenda à Constituição norte-americana, de 1791. Mas o suspeito não se livra de fornecer fluidos corporais, de comparecer em juízo, ou de participar de reconhecimentos, ou de identificar-se. Este é a exata harmonização da garantia invidual de não se autoincriminar com o direito da sociedade à segurança pública e à repressão ao crime.
De todo modo, penso que, nas infrações de trânsito, a investida policial para a repressão da embriaguez ao volante não pode ser aleatória. É preciso haver suspeita razoável de que o motorista está a cometer uma infração de trânsito. Se dirige em em alta velocidade, ou de forma errática, ou se viola normas de trânsito, o condutor pode ser parado e submetido aos testes de embriaguez. Caso contrário, a ação policial é abusiva. Este ponto das buscas pessoais e revistas aleatórias é de ilegalidade tão clara quanto um farol alto, mas é pouco explorado pela doutrina.
Tudo isto vai ser discutido e rediscutido nas audiências públicas que o ministro Luiz Fux em boa hora convocou para instruir a ADIN 4103 proposta contra a atual Lei Seca (Lei 11.705/2008), da qual é relator no STF. Entre outros temas, o juiz Fux ouvirá especialistas sobre os “meios científicos, invasivos e não invasivos, para se apurar, com segurança, a embriaguez incapacitante para a condução de veículos” e procurará determinar “se a concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas gera, em qualquer pessoa, e independentemente de sua compleição física, um estado de embriaguez incapacitante para a condução de um veículo“.
Quanto a esta nova Lei Seca (PLS 48/2011), o Congresso Nacional chove no molhado e vai pela contramão. Sem exigir exames químicos, sem estabelecer nível mínimo de concentração alcoólica para determinação da embriaguez e prevendo penas de prisão tão elevadas, não acredito que a lei funcionará. Teremos ressaca.