Por Vladimir Aras
Embora muitos Estados da tradição civil law não extraditem seus próprios nacionais, outras tantas soberanias têm revisto o tema e passado a extraditar seus cidadãos (natos).
Esse foi o caso do México, que, em 1995, alterou a interpretação de sua legislação federal (Ley de Extradición Internacional, art. 14), e da Colômbia, que mudou sua constituição em 1997 (Acto Legislativo n. 1, art. 35) (aqui). Agora, colombianos e mexicanos, mesmo natos, podem ser extraditados.
Em 2012, foi a vez de Honduras mudar sua Constituição (art. 102) para admitir a extradição de nacionais hondurenhos (Decreto 269/2011) quando exista tratado, ou, na falta dele, por envolvimento em narcotráfico, terrorismo e criminalidade organizada.
Não é coincidência que, por ocasião de tais mudanças legislativas, essas três nações latino-americanas estivessem (e ainda estejam) conflagradas pelo avanço do narcotráfico, direcionado ao mercado consumidor dos Estados Unidos. Este é o mesmo “consenso” que levou o Brasil em 1988 a relativizar a regra da extradição de naturalizados, permitindo-a para aqueles com comprovado envolvimento com o tráfico de drogas.
Por outras razões, a Argentina também extradita seus nacionais. A regra permissiva está no artigo 12 da Ley de Cooperación Internacional en Materia Penal (Ley 24.767, de 13 de janeiro de 1997) (aqui). Se não houver tratado de extradição aplicável, o cidadão argentino pode optar por ser julgado em seu país. Porém, caso exista acordo internacional que obrigue a rendição de nacionais, a extradição do cidadão argentino por nascimento poderá ser autorizada.
Na lista acima incluem-se ainda os Estados Unidos (18 US Code §3196), o Reino Unido (art. 13 do tratado anglo-americano de 2003) e a Itália (art. 26 da Constituição), que também extraditam os seus nacionais.
Berço de nossa cultura jurídica, Portugal seguiu o mesmo caminho da flexibilização da referida exceção. Com sua quarta revisão constitucional, que resultou na Lei Constitucional n. 1, de 20 de setembro de 1997, o artigo 33 da Constituição da República Portuguesa, de 1976, passou a permitir a extradição de cidadãos portugueses, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional, nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada, e desde que a ordem jurídica do Estado requerente consagre as garantias do devido processo legal, sem prejuízo da aplicação das normas de cooperação jurídica em matéria penal em vigor na União Europeia.
Tal franquia constitucional foi regulamentada pelo artigo 32 do Decreto-lei n. 144/1999 (Lei de Cooperação Jurídica Internacional), segundo o qual é admissível a extradição de cidadãos portugueses desde que:
a) A extradição de nacionais esteja estabelecida em tratado, convenção ou acordo de que Portugal seja parte;
b) Os fatos configurem casos de terrorismo ou criminalidade internacional organizada; e
c) A ordem jurídica do Estado requerente consagre garantias de um processo justo e equitativo, previstas na Convenção Europeia de Direitos Humanos e noutros instrumentos internacionais relevantes ratificados por Portugal.
Contudo, a extradição apenas terá lugar para fins de procedimento penal e se o Estado requerente garantir a devolução da pessoa extraditada a Portugal, para o cumprimento da pena ou da medida que lhe for aplicada, salvo se essa pessoa se opuser à sua própria devolução por declaração expressa. É a chamada extradição temporária ou condicional.
Há, assim, uma inegável tendência global de afastar, quando possível, a reserva de nacionalidade.
A Convenção sobre Extradição entre os Estados Membros da União Europeia (Dublin, 1996) dispunha (art. 7.1) que a extradição não podia ser negada pelo fato de o procurado ser nacional do Estado requerido.
Mas a partir de 1º de janeiro de 2004, a Decisão-Quadro do Conselho de 13 de Junho de 2002, relativa ao mandado europeu de captura ou Mandado de Detenção Europeu (MDE) ou ainda European Arrest Warrant (EAW) e ao procedimento de entrega entre os Estados-Membros da União Europeia (2002/584/JAI), substituiu a Convenção de Dublin. Simplificou-se o procedimento de extradição na região, criando-se modelo direto, baseado no princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais, mantendo-se a possibilidade de entrega de nacionais dentro do bloco europeu.
Embora semelhantes em finalidade ao mandado europeu de captura – que incorpora uma modalidade de entrega -, o Tratado Centroamericano relativo a la Orden de Detención y Extradición Simplificada, aprovado em 2005, no âmbito do Sistema de Integración Centroamericana (SICA) (aqui), ressalva a extradição de nacionais; enquanto o Tratado sobre la Orden de Arresto de la CARICOM de 2008, ou Caricom Arrest Warrant (CAW) (aqui) permite tal espécie de extradição, mas admite reservas pelos Estados Partes.
Realmente, o tratado de 2008 da Comunidade do Caribe (CARICOM), formada por 15 países e 5 territórios associados, viabiliza a responsabilização criminal de cidadãos do bloco caribenho perante qualquer dos tribunais nacionais da zona. Assim, nenhum Estado-Parte pode negar a extradição do autor de um crime praticado em outro Estado membro, com o argumento de que se trata de um nacional do Estado requerido (art. 23 do tratado), mas pode condicionar a entrega a que o seu cidadão seja restituído após o julgamento, para cumprir pena no país de sua nacionalidade (extradição temporária).
Outra exceção está no Estatuto de Roma, de 1998, que instituiu o Tribunal Penal Internacional (TPI). Cidadãos procurados por crimes internacionais de competência do TPI podem ser entregues à Corte. Como a entrega difere da extradição (artigo 102 do Estatuto de Roma), mesmo brasileiros natos podem ser transferidos à Haia, onde tem sede a Corte, para processo e julgamento.
Como se vê, a regra da inextraditabilidade de nacionais não é absoluta. Países desenvolvidos e em desenvolvimento passaram a excepcioná-la, permitindo a entrega de seus nacionais quando exista um tratado, ou ainda em função da simplificação de esquemas regionais de extradição, mediante a adoção dos mandados supranacionais de captura, ou para rendição ao Tribunal Penal Internacional, nos termos do Estatuto de Roma de 1998.