Cárcere privado

Enjauladas: as casas-prisões

Em ago/2006, o mundo se chocou com a revelação de que Natalia Kampusch passara 8 anos de sua vida em cárcere privado numa casa nas proximidades de Viena, sob o jugo de um sujeito vil, Wolfgang Proklopil.

Por Vladimir Aras

O que Amstetten e Viena, na Áustria, têm em comum com Sorocaba/SP, Pinheiro/MA e Nicanor Molinas na Argentina? Áustria, Argentina e Brasil. Um tipo bárbaro de crime “igualou” quatro cidades de três países. Bem por baixo.

Em ago/2006, o mundo se chocou com a revelação de que Natalia Kampusch passara 8 anos de sua vida em cárcere privado numa casa nas proximidades de Viena, sob o jugo de um sujeito vil, Wolfgang Proklopil.

Tempos depois, em abr/2008, foi descoberto em Amstetten, também na Áustria, o caso de Elisabeth Fritzl, encarcerada por 24 anos pelo próprio pai, Josef Fritzl, que teve com ela sete filhos-netos. Seu carrasco a atraiu para o porão em 1984, drogou-a e a algemou para aprisioná-la e estuprá-la ao longo de mais de duas décadas.

A Argentina teve uma revelação semelhante em nov/2010. Um homem da cidade de Nicanor Molinas, na Província de Santa Fé, foi preso porque mantivera sua filha em cárcere privado por cerca de 30 anos. Nessas três décadas, Armando Gómez, apelidado de o “Chacal de Reconquista”, teve com ela 10 filhos-netos.

Antes, em jun/2010, deu-se notícia de um caso em Pinheiro, no Maranhão. José Agostinho Bispo Pereira teria mantido sua filha presa por 16 anos e tido com ela sete filhos. Caso muito parecido com o do carcereiro de Amstetten.

A lista de histórias tenebrosas infelizmente é grande e o neologismo “filho-neto” é incapaz de retratar o terror sofrido pelas filhas-esposas.

Dramas de aprisionamento bem parecidos têm idosas ou portadoras de doenças mentais como personagens. Em jan/2011, a Polícia descobriu que João Batista Groppo aparentemente mantivera sua ex-mulher, Sebastiana Aparecida Groppo, em cativeiro por 7 anos, num cubículo infecto no subsolo de sua residência, na cidade de Sorocaba/SP.

Em fev/2011, em Mariluz/PR, outra histórica trágica se revelou com a libertação de Clarice Laura de Oliveira. Esta mulher teria sido mantida por quase 10 anos em cárcere privado por seu companheiro, Francisco Ribeiro.

Esses casos estão se tornando tão comuns que me assusto só de imaginar quantas vítimas mais haverá enterradas em vida ou enjauladas por aí, como mortas-vivas, em porões, sótãos, quintais, subsolos e cubículos de bairros humildes ou luxuosos, aqui, ali, ou em regiões ermas deste planeta.

Filhas, ex-mulheres, idosas, pessoas com deficiência ou crianças sequestradas. Essas são as vítimas preferenciais desses abusadores ou carcereiros. Não quero rotulá-los nem gosto de usar a palavra “monstro” para defini-los. São criminosos cruéis e insensíveis, que, devido às imprescindíveis garantias do processo penal (devido processo legal), serão tratados pelo Estado com mais dignidade e respeito do que trataram suas vítimas. O troco para eles não será no “olho por olho, dente por dente”.

Mas a Áustria chegou perto. Em 2009, a Justiça de Sankt Pölten condenou Josef Frizl a prisão perpétua, por estupro, cárcere privado e outros delitos. Nos casos brasileiros, os suspeitos, se condenados, enfrentarão penas bem menores, havendo a possibilidade de ficarem presos por menos tempo do que suas próprias vítimas estiveram enjauladas. Embora não seja favorável à pena de morte nem a prisão perpétua, isto dá o que pensar sobre a falta de proporcionalidade da sanção penal em casos assim. Sem falar que esses algozes, se culpados, ainda terão direito a progressão de regime, livramento condicional, indulto e visitas íntimas, benefícios (legais, diga-se) que as pessoas por eles subjugadas nunca tiveram.

A julgar pela repetição de tais eventos macabros, podemos imaginar que outras tantas mulheres estão agora em cativeiro, passando por sofrimentos atrozes e privações indizíveis. Só há duas coisas a fazer diante desses casos horrendos: não se omitir. Não lave suas mãos; use-as. Nas urnas, de quatro em quatro anos, é suficiente digitar o número de deputados e senadores que se comprometam a reformular nossa “generosa” legislação penal, sempre pronta a dar uma mãozinha ao réu, por mais violento que seja, e incapaz de proteger as vítimas e a sociedade desses mesmos predadores. E, no dia-a-dia, não precisa chamar “talião” nem o “capitão Lynch”; basta pressionar três teclas num telefone qualquer: um, nove, zero. Sempre haverá uma vaga no cárcere público para quem mantiver uma pessoa inocente e indefesa em cárcere privado.

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