Abuso de direito

Dois é bom, três é demais

Em nenhum sistema jurídico, o acesso à Suprema Corte constitui direito subjetivo da parte, disse em entrevista à revista Consultor Jurídico.

por Vladimir Aras

A PEC dos Recursos (PEC 15/2011) continua incomodando quem acha que a Justiça é só um joguinho processual, cujas regras são estabelecidas para dar a vitória a quem domina a técnica dos recursos-centopeias.

Muita gente bradou contra a ideia do ministro Cezar Peluso de transformar o recurso extraordinário e o recurso especial em ações rescisórias. Mas o constitucionalista Luís Roberto Barroso entende que a iniciativa é positiva. “Os princípios constitucionais do acesso à Justiça e do devido processo legal se realizam nas instâncias ordinárias, em dois graus de jurisdição. Em nenhum sistema jurídico, o acesso à Suprema Corte constitui direito subjetivo da parte“, disse em entrevista à revista Consultor Jurídico. E completou: ”Considero um esforço válido para dar racionalidade e celeridade ao sistema judicial.” Estou com ele.

Camuflada sob objetivos nobres, existe uma indústria que lucra muito com os recursos sem-fim, os bichos jurídicos de mil perninhas de que falei noutro post. Quanto mais se consegue embolar o jogo, mais caro fica o serviço.

Enquanto esta importante reforma constitucional não vem, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já vem fazendo sua parte. Em acórdão relatado pelo ministro Gilson Dipp, aquela corte identificou o excessivo uso de embargos de declaração para impedir o trânsito em julgado de decisões judiciais. Num caso do Rio Grande do Norte, o réu apresentou cinco embargos sucessivos num agravo regimental num recurso especial. Leia:

EDCL PROTELATÓRIOS. ABUSO. EXECUÇÃO IMEDIATA.

A Turma rejeitou os quintos embargos de declaração por entender estar caracterizado seu intuito protelatório, razão pela qual aplicou a multa disposta no art. 538, parágrafo único, do CPC. Segundo o Min. Relator, a sucessiva oposição do recurso integrativo, quando ausente ou falsamente motivada sua função declaratória, constitui abuso do direito de recorrer e não interrompe prazos, o que autoriza, nos termos da orientação adotada pelo STF, o retorno dos autos à origem para a execução imediata do julgado proferido no recurso especial. Precedentes citados do STF: AgRg no AI 222.179-DF, DJe 8/4/2010; AI 735.904-RS, DJe 19/11/2009; AO 1.407-MT, DJe 13/8/2009, e AI 567.171-SE, DJe 5/2/2009. EDcl nos EDcl nos EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 731.024-RN, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 26/10/2010.

Em 7/jun, a 2ª Turma do STF deu mostras de que também cansou do parnasianismo processual e que está disposta a acabar com a fábrica de insegurança jurídica, de morosidade e de impunidade em que se transformou o sistema recursal do País. Veja:

“A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu adotar um critério para evitar a apresentação de embargos declaratórios com caráter nitidamente protelatório: será determinada a baixa dos autos à execução, independentemente da publicação de acórdão, a partir da rejeição dos segundos embargos. Houve consenso entre os integrantes do colegiado de que a interposição de inúmeros embargos protelatórios caracteriza abuso no direito de recorrer.
A decisão foi tomada na última sessão (7/6), quando o ministro Celso de Mello levou a julgamento os quartos embargos declaratórios no Agravo de Instrumento (AI) 587285, apresentados contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Em razão da nítida intenção de protelar a causa, o ministro relator ordenou a devolução imediata dos autos, independentemente da publicação do acórdão daquele julgamento.
Por sugestão do presidente da Turma, ministro Gilmar Mendes, será adotada esta solução como referência após a rejeição dos segundos embargos. Citando o caso Pimenta Neves, Mendes observou que a simples interposição do agravo, com o necessário processamento, consome de dois a três meses. “É preciso que tenhamos uma reação de caráter procedimental, porque a interposição de repetidos embargos passou a ser uma técnica para procrastinar”, asseverou.
Apoiando a decisão, a ministra Ellen Gracie afirmou que a praxe de devolver os autos à execução após a rejeição dos segundos embargos será salutar. “É preciso tirar o atrativo desses recursos procrastinatórios. Não havendo mais o atrativo, que é a delonga no processo, cessarão esses embargos procrastinatórios”, acredita. Para o ministro Ayres Britto, o manejo de quatro embargos caracteriza um “cinismo processual”.

Ao presidente Cezar Peluso, o pai da PEC dos Recursos, junta-se agora a 2ª Turma do STF, que também se move contra a festança da mora e da impunidade. Os embargos de declaração encadeados, prática tão comum quanto reprovável, receberam um atestado de óbito.

Finalmente a Corte Suprema enxergou esse abuso do direito de recorrer. Com isso, os ministros do STF agiram como bons “desembargadores” da justiça. De agora em diante, em matéria de embargos de declaração, dois é bom; três é demais

 

 

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