Ação penal originária

Do começo para o fim

Antes da minirreforma processual de 2008, o interrogatório do acusado era o primeiro ato da instrução criminal. Oferecida a denúncia e citado o réu, fazia-se seu interrogatório e abria-se prazo para a defesa prévia. Logo depois, eram ouvidas a vítima e as testemunhas da acusação e defesa.

Por Vladimir Aras

Ri melhor quem ri por último? Sei lá… Nunca me convenci do acerto deste dito popular. A pessoa pode ter demorado para entender a piada… E isto nunca é bom.  

Mas, nos procedimentos criminais, defende-se melhor quem se defende por último.

Antes da minirreforma processual de 2008, o interrogatório do acusado era o primeiro ato da instrução criminal. Oferecida a denúncia e citado o réu, fazia-se seu interrogatório e abria-se prazo para a defesa prévia. Logo depois, eram ouvidas a vítima e as testemunhas da acusação e defesa.

Com a entrada em vigor da Lei 11.719/2008, o interrogatório do acusado passou a ser o último ato da instrução. Só ocorre depois de tomados os depoimentos de vítimas e testemunhas, colhidos os esclarecimentos de peritos e feitas as acareações e os reconhecimentos, é que se ouve o réu.

Esta alteração assegura nos procedimentos criminais de primeiro grau (ritos ordinário e sumário) a ampla defesa e o contraditório. O réu só falará após a coleta de toda a prova, especialmente a acusatória. E só falará se quiser, devido à garantia contra a auto-incriminação (nemo tenetur se detegere).

A ordem de inquirição já era esta no procedimento sumariíssimo, inaugurado pela Lei 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Criminais, com competência para julgar as infrações penais de menor potencial ofensivo. Está no art. 81 daquela lei:

Art. 81. Aberta a audiência, será dada a palavra ao defensor para responder à acusação, após o que o Juiz receberá, ou não, a denúncia ou queixa; havendo recebimento, serão ouvidas a vítima e as testemunhas de acusação e defesa, interrogando-se a seguir o acusado, se presente, passando-se imediatamente aos debates orais e à prolação da sentença.

Pois bem. Faltava equalizar o problema nas ações penais originárias, aquelas propostas contra autoridades protegidas pelo foro especial por prerrogativa de função (“foro privilegiado“). As ações penais ajuizadas contra governadores, conselheiros de tribunais de contas, prefeitos, deputados, senadores, juízes, membros do Ministério Público, ministros, etc, são propostas originariamente perante os Tribunais de Justiça, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais Eleitorais, o Superior Tribunal Militar, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal.

Em tais ações penais originárias, o artigo 7º da Lei 8.038/90, determina que o interrogatório do réu é o primeiro ato da instrução criminal, tão logo recebida a denúncia:

Art. 7º – Recebida a denúncia ou a queixa, o relator designará dia e hora para o interrogatório, mandando citar o acusado ou querelado e intimar o órgão do Ministério Público, bem como o querelante ou o assistente, se for o caso.

Contudo, em março de 2011, o Supremo Tribunal Federal firmou precedente em sentido diverso, ao julgar agravo regimental na ação penal originária 528 (AP 528 AgR). Na ocasião, aquele Tribunal, a despeito da regra do artigo 7º da Lei 8.038/90, determinou que o interrogatório do réu na ação penal de rito especial decorrente do foro privilegiado deve ser o último ato da instrução criminal (STF, Pleno, AP 528, rel. Min. Ricardo Lewandowski, d. em mar/2011).

PROCESSUAL PENAL. INTERROGATÓRIO NAS AÇÕES PENAIS ORIGINÁRIAS DO STF. ATO QUE DEVE PASSAR A SER REALIZADO AO FINAL DO PROCESSO. NOVA REDAÇÃO DO ART. 400 DO CPP. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – O art. 400 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/2008, fixou o interrogatório do réu como ato derradeiro da instrução penal. II – Sendo tal prática benéfica à defesa, deve prevalecer nas ações penais originárias perante o Supremo Tribunal Federal, em detrimento do previsto no art. 7º da Lei 8.038/90 nesse aspecto. Exceção apenas quanto às ações nas quais o interrogatório já se ultimou. III – Interpretação sistemática e teleológica do direito. IV – Agravo regimental a que se nega provimento. (AP 528 AgR, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 24/03/2011).

A decisão do STF tem por base o artigo 5º da Constituição Federal e o artigo 9º da Lei 8.038/90, que manda aplicar subsidiariamente ao rito especial as regras processuais penais do procedimento comum. Tal procedimento hoje resulta, basicamente, do artigo 400 do CPP, com a redação dada pela Lei 11.719/2008:

Art. 400.  Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.  (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

Em função deste precedente do STF, que adequou a Lei 8.038/90 à minirreforma do CPP e aos postulados da ampla defesa e do contraditório, a Procuradoria Regional Eleitoral da Bahia, órgão do Ministério Público Federal, propôs ao Tribunal Regional Eleitoral emenda regimental para incorporação da orientação do STF ao regimento daquela Corte Regional, inclusive para evitar nulidades posteriormente declaráveis, em prejuízo da efetividade da persecução criminal.

A sugestão de emenda apresentada pela PRE/BA foi acolhida pela Corte por meio da Resolução Administrativa n. 5, de 10 de agosto de 2011, e o artigo 118 do Regimento Interno do TRE da Bahia, passou a contar com parágrafo único, de seguinte teor:

“Parágrafo único. O interrogatório do acusado será realizado ao final da instrução criminal, nos termos do artigo 400 do Código de Processo Penal”.

O que era no começo agora é no fim. The end
 

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