Comento brevemente um acórdão do STJ que seguramente se tornará referência na interseção do direito processual penal com o direito internacional dos direitos humanos:
STJ, 6ª Turma, RMS 70.338/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, j. em 22/08/2023.
Neste caso, o STJ aplicou a jurisprudência da Corte IDH – especialmente as sentenças dos casos Favela Nova Brasília e Márcia Barbosa de Souza (veja este post) – para:
a) anular o arquivamento de um inquérito policial em que se apurava situação de violência contra a mulher; e
b) ordenar a revisão desse arquivamento pelo PGJ/SP, na forma do art. 28 do CPP, no que preservou o modelo acusatório de processo penal (art. 3º-A, CPP).
A 6ª Turma reconheceu o dever de devida diligência das autoridades de persecução criminal, que se coloca como uma obrigação processual positiva do Estado para a tutela penal de direitos humanos. No acórdão, a ação penal é corretamente destacada como um dos “remédios efetivos” ou “recursos efetivos”, a que alude o artigo 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos para a proteção judicial dos direitos nela reconhecidos.
Este julgado, a meu ver, é um excelente exemplo de diálogo de cortes e marca uma abertura cada vez maior do STJ para o direito internacional, um caminho necessário e promissor que, por exemplo, o ministro Rogerio Schietti já vinha trilhando desde 2016 quando de seu voto no caso Sétimo Garibaldi no RESP 1.351.177/PR.
Ali, o desarquivamento de investigações criminais já havia provocado uma tensão entre o artigo 18 do CPP e as obrigações convencionais do Brasil. De forma prospectiva, no caso Sales Pimenta (2022), entre as garantias de não repetição impostas ao Brasil, a Corte IDH determinou ao País implementar em um prazo de 3 anos um mecanismo de reabertura de investigações e processos judiciais encerrados (§ 179-180 da sentença). Neste ponto, o ônus de cumprimento cabe ao Congresso Nacional.
O mandado de segurança, concedido em parte pela Corte Superior, foi impetrado pela vítima. Por isso, o julgado marca também o reconhecimento pelo STJ do direito à participação vitimária no processo penal, inclusive na fase da investigação criminal, independentemente da constituição da vítima como assistente de acusação.
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