Na década de sessenta fez sucesso um filme de Glaubert Rocha: Deus e o Diabo na Terra do Sol. O roteiro é marcado pela seca e pelo latifúndio, onde a morte parece ser a solução para todos os casos. A fé também se faz presente neste mundo desumano. Como pano de fundo a velha luta entre Deus e o diabo, o bem e o mal.
NA IMAGINAÇÃO popular, o demônio é muito poderoso, revelando-se um rival à altura de Deus. É tão poderoso que muitos se recusam até pronunciar seu nome. Uma catequista deu a um aluno, impossibilitado de participar no encontro semanal, uma tarefa para fazer em casa. Entregou-lhe uma folha com a recomendação: num dos lados deveria escrever sobre Deus e no outro lado sobre o diabo.
O MENINO começou falando de Deus. Deus é bom, é misericordioso, é alegria e salvação. Depois escreveu sobre o poder de Deus. A harmonia dos espaços celestes, com as estrelas, o mundo maravilhoso das flores, a diversidade do mundo animal, o sol, a chuva, o incrível poder da semente. Depois falou do homem e da mulher, capazes de descobertas maravilhosas. Quando ele parou de escrever, deu-se conta que havia só um cantinho na segunda folha. Tratou de justificar-se, explicando: “não há lugar para o diabo”.
EM NOSSA fé, o diabo não tem lugar. É uma figura muito apagada. É um eterno perdedor. Pode até incomodar, mas não é um rival para Deus. A história humana não pode ser entendida como uma colossal disputa entre Deus e o diabo. Pode ser entendida como uma luta entre o bem e o mal. É o relato do Apocalipse. E a história humana já tem um final certo, um final feliz. Nossa fé é centrada em Jesus Cristo. Ontem, Hoje e Sempre, Princípio e Fim. Não há outro nome que possa salvar (At 4,12).
A VIDA CRISTÃ não ganha sua identidade em práticas religiosas, por melhores que sejam. Missa, novena, dízimos, devoções, tudo isso é importante, mas o essencial é o encontro com a adorável pessoa de Jesus Cristo. A própria moral só encontra legitimidade a partir de Jesus.
MAS É BOM lembrar que o pecado – mais que o diabo – é uma realidade em nossa vida. O próprio apóstolo Paulo admitia: vejo o bem que quero fazer e não faço, vejo o mal que não quero fazer e faço (Rm 7,19). É a ambiguidade humana. Mas Deus é maior que nossos pecados. A última palavra da história não será do mal, mas da vida, que se tornou sinônimo de Ressurreição.
+ Itamar Vian
Arcebispo Metropolitano
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