Mandado de segurança

Decisão judicial: cumpro quando quiser

Aqui no Brasil, para variar, as coisas são um pouquinho mais relaxadas. Descumprir decisão judicial normalmente não dá em nada no campo criminal. Vejam o vexame pelo qual está passando o STF

por Vladimir Aras

Quem gosta das séries policiais-judiciais norte-americanas como Law and Order ou The Good Wife já viu várias vezes pessoas serem presas por juízes norte-americanos pelo crime de contempt of court, ao mesmo tempo algo como o nosso desacato e a desobediência. Também comuns são as punições por obstruction of justice aplicadas quando alguém interfere no trabalho da Polícia ou do Ministério Público.

Aqui no Brasil, para variar, as coisas são um pouquinho mais relaxadas. Descumprir decisão judicial normalmente não dá em nada no campo criminal. Vejam o vexame pelo qual está passando o STF.

Num mandado de segurança impetrado pelo suplente de deputado Severino de Souza Silva (PSB-PE), o ministro Marco Aurélio concedeu liminar para determinar que a Câmara dos Deputados lhe desse posse imediata na vaga que se abriu em função do afastamento do deputado Danilo Cabral (PSB-PE).

A ordem proferida no MS 30.357 foi dirigida ao deputado Marcos Maia (PT-RS), atual presidente da Câmara dos Deputados. Conversa vai conversa vem, a decisão proferida em 12 de fevereiro de 2011 ainda não foi cumprida.

Justamente indignado, o ministro Marco Aurélio pediu providências ao presidente do STF, ministro Cezar Peluso, e ao Procurador-Geral da República:

“(…) em um Estado Democrático de Direito, os pronunciamentos judiciais devem ser imediatamente acatados, em especial quando relativos a Mandado de Segurança. Nada justifica o descumprimento quer pelo cidadão comum, quer por agente político, quer por segmento de um Poder como é a Câmara dos Deputados”

Um leigo pensaria: Ah! Agora vai…

Qual nada! Muito pouco pode fazer o presidente do STF num caso como este. O STF não pode expedir mandado de prisão por tal motivo; não pode decretar um “teje preso” (sic), pois tal medida é proibida contra parlamentares, salvo em caso de crime inafiançável (art. 53, §2º, da Constituição). Quiçá o presidente Peluso inicie um diálogo institucional com a Câmara para convencer ou persuadir a Casa Legislativa a respeitar o STF. Mas só essa hipótese já seria absurda porque é a autoridade judicial da Corte Suprema do País que está em jogo.

Quanto ao Procurador-Geral da República (PGR), o pouco que pode fazer é mandar abrir um inquérito e, se provada a desobediência, dar início à persecução criminal perante o próprio STF contra o presidente da Câmara dos Deputados ou quem lhe faça as vezes na recalcitrância injustificada. A lei também não confere ao PGR poderes para exigir o cumprimento imediato da decisão do STF. O máximo que se pode fazer é aplicar o art. 461 do CPC.

Aliás, sequer a tramitação da ação penal seria certa. Se o PGR propusesse um processo penal contra esse deputado supostamente desobediente, o andamento deste feito poderia ser sustado por ato da própria Casa Legislativa, nos termos do art. 53, §3º, da Constituição.

Qual o crime teórico? Desobediência, previsto no art. 330 do CP e punido com 15 dias a 6 meses de detenção e multa. Nem vou entrar na discussão bizantina de se um servidor público pode praticar tal crime contra a Administração Pública, ou se cometeria prevaricação (art. 319 do CP), pois o resultado seria o mesmo. Fácil ver que são infrações penais de menor potencial ofensivo, que só por um milagre poderiam resultar em sanção penal concreta e, somente nas calendas gregas, levariam alguém à prisão.

Isto é virtualmente impossível, mesmo para quem não goza das imunidades materiais e processuais que protegem os congressistas, e o caminho seria longo.

Antes de chegar ao processo penal propriamente dito, haveria a possibilidade de acordo (transação penal) entre o Ministério Público e o deputado autor do fato (art. 76 da Lei 9.099/95). Esta pactuação penal redundaria na aplicação de uma sanção não privativa de liberdade. O cumprimento da decisão do STF poderia nem entrar em pauta. Bastaria o pagamento de uma multa, por exemplo.

Se superada essa fase sem êxito, haveria nova oportunidade de composição entre o Ministério Público e o réu, já denunciado, mediante a oferta de proposta de suspensão condicional do processo, mediante o cumprimento de algumas condições legais e judiciais (art. 89 da Lei 9.099/95). Mas tudo por acordo, com homologação judicial.

Se frustrado esse segundo benefício legal, também consensual, a causa penal seria instruída, ouvindo-se testemunhas e interrogando-se o réu. Se a ação não fosse suspensa pela própria Câmara e o parlamentar fosse condenado, o deputado-desobediente seria teria direito à substituição da pena privativa de liberdade por multa, nos termos dos arts. 44 e 60, §2º, do CP. Em outras palavras, sujeitar-se-ia a uma pena alternativa; pagaria uma “cesta básica” como vulgarmente se diz.

Caso não fosse viável a aplicação de pena alternativa, o réu, já então condenado, ainda teria direito ao sursis, isto é, seria possível a suspensão condicional da improvável pena. Nos termos do art. 77 do CP, a sentença seria sustada, ficaria em stand-by por um prazo xis, sob determinadas condições.

Depois de todo esse esforço o crime de desobediência teria grandes chances de já estar prescrito. Vale dizer, o Estado perderia o direito de puni-lo. Segundo o art. 109, inciso VI, do CP isto ocorreria em 3 anos a contar da data do fato, ou da data do recebimento da denúncia.

Estas regras aplicam-se a todas infrações penais de menor potencial ofensivo e aos crimes menos graves, e são boas; não as critico. Foram instituídas pela Câmara e pelo Senado para situações de escassa reprovabilidade, o que não é caso do delito de desobediência a decisões judiciais. Sou contrário a políticas de aumento de penas. Porém, este é uma das situações em que a lei criminal precisaria ser readequada.

A escala penal do crime de desobediência (art. 330 do CP) não protege a sociedade nem garante a autoridade das decisões dos juízes do País, e isto é ruim para a democracia e para os direitos fundamentais. Eis uma clara hipótese de proteção insuficiente, decorrente da falta de proporcionalidade da reprimenda.

A desmoralização da autoridade dos juízes do STF corroi a harmonia institucional entre os Poderes e ameaça os direitos fundamentais de todos. O art. 5º inciso XXXV, da Constituição prevê a inafastabilidade do controle judicial sobre ameaças ou lesões a direitos individuais não porque os juízes sejam mais sábios ou melhores que os parlamentares ou outros servidores públicos, mas porque aos primeiros a Constituição entregou a tarefa de dirimir os conflitos de interesses, para fazer respeitar direitos por ela mesmo assegurados.

Se as decisões dos tribunais não dispuserem de enforcement ou executoriedade ou imediata exigibilidade, o direito individual reconhecido pelo Judiciário terá sido mais uma vez violado. Algumas vezes o cumprimento da ordem poderá ser obtido pelas vias do direito civil ou processual civil. Nos casos mais graves, contudo, não se pode prescindir do direito penal.

Resumo da ópera

Lamentavelmente, este episódio é apenas um retrato 3×4 – pequeno, portanto – da impunidade no Brasil que beneficia gregos e troianos, tories e whigs, jacobinos e girondinos.

Infelizmente, a mensagem que vem da presidência da Câmara dos Deputados e que fica ao Povo brasileiro é a de que decisão judicial não se discute; descumpre-se quando convém

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