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Crimes patrimoniais explosivos: mais um espasmo penal

Ainda há quem acredite que aumentar penas de certos delitos é medida útil na luta contra a criminalidade. Em geral não adianta nada.

Publicada em 24 de abril, a Lei 13.654/2018 alterou o Código Penal com a finalidade de tornar mais grave a resposta penal para os crimes de furto (art. 155) e roubo (art.157) de explosivos ou cometidos com uso de artefatos ou substâncias desta natureza.

A intenção do legislador brasileiro é reprimir mais gravemente a explosão de caixas eletrônicos, um problema global, que, em abril/2018, por exemplo, foi alvo de operação da Europol, conduzida por uma equipe conjunta de investigação, formada por policiais alemães e holandeses.

Ainda há quem acredite que aumentar penas de certos delitos é medida útil na luta contra a criminalidade. Em geral não adianta nada. Já vimos essa história outrora, com um sem número de incrementos penais que não resultaram em mais segurança ou em menos impunidade.

Faço profissão de fé nas soluções processuais, no aprimoramento da execução penal, no aperfeiçoamento da investigação criminal e na prevenção dos delitos, por meio de intervenções nas várias dimensões do fenômeno criminal.

Enquanto esse conjunto integrado de medidas não vem, examinemos o resultado do trabalho do legislador penal com a Lei 13.654/2018.

Crime de furto de explosivos ou com o uso de explosivos

Previsto no art. 155 do Código Penal, o crime de furto passou a ter duas novas qualificadoras, uma relacionada ao objeto material da conduta (§7º) e outra referente ao modo de execução do crime (§4º-A).

Conforme o §4-A do art. 155 do CP, a pena do autor do furto será de 4 a 10 anos de reclusão e multa, se houver o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.

§ 4º-A A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se houver emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.

A pena também será de 4 a 10 anos de reclusão e multa, se a coisa alheia móvel subtraída pelo agente for substância explosiva ou acessório que, conjunta ou isoladamente, possibilite a fabricação, montagem ou emprego de explosivos.

§ 7º A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.

Tais formas qualificadas de furto têm penas mais altas do que as demais do mesmo crime, que são de 2 a 5 anos (abigeato), de 2 a 8 anos (no roubo circunstanciado em geral) e de 3 a 8 anos (subtração de veículo automotor para comércio interestadual ou internacional).

Crime de roubo de explosivos ou com o uso de explosivos

O crime de roubo foi alterado pela Lei 13.654/2018.

No §2º do art. 157 do CP, a causa especial de aumento de pena é de 1/3 até a metade, se, entre outras circunstâncias, a subtração for de substância explosiva ou de acessório que, conjunta ou isoladamente, possibilite sua fabricação, montagem ou emprego. Esta regra está no novo inciso VI do §2º.

No novo §2º-A, o aumento de pena é de 2/3, se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo; ou se se há destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.

Também foi alterado o § 3º do art. 157 do CP. O roubo qualificado pelo resultado morte (latrocínio) agora está previsto no novo inciso II desse parágrafo. Não houve incremento da sanção penal, que continua sendo de reclusão de 20 a 30 anos, e multa.

Se da violência resultar lesão corporal grave, a pena a partir de agora será de reclusão de 7 a 18 anos, e multa, conforme o inciso I do §3º do art. 157 do CP. Antes a pena era de 7 a 15 anos de reclusão.

A definição do que vem a ser “lesão corporal grave” é dada pelos §§1º e 2º do art. 129 do CP.

Novatio legis in mellius e as consequências da exclusão da majorante com emprego de arma

O art. 4º da Lei 13.654/2018 revogou a majorante do emprego de arma (inciso I, §2º) no crime de roubo (art. 157 do CP).

Uma nova majorante, com aumento de 2/3 (dois terços), foi inserida no novo §2º-A do art. 157 do CP, para as situações em que a violência ou a ameaça for exercida com emprego de arma de fogo.

Para roubos cometidos com outros tipos de armas, passa a valer a pena do roubo simples (art. 157, caput). Caberá ao juiz avaliar o uso de arma (que não as de fogo) como circunstância judicial negativa, no procedimento dosimétrico.

Como lei penal mais benéfica (lex mitior), neste ponto, há retroatividade. Segundo o art. 5º, inciso XL da CF, “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Assim, pessoas processadas ou condenadas pelo crime do art. 157, com a causa de aumento do §1º, inciso I, do CP, revogado pela Lei 13.654/2018, poderão obter o desconto da majorante.

A novatio legis in mellius gerará muitas demandas recursais para correção de condenações ainda não definitivas e incidentes de execução penal para decotar o aumento agora extinto.

Conforme a Súmula 611 do Supremo Tribnal Federal e o art. 66, inciso I da Lei 7.210/1984 (Execução Penal), a competência para aplicar a lei penal mais benéfica é da Vara das Execuções Penais.

Súmula 611. Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna.

Note, porém, que há controvérsia sobre a constitucionalidade formal do art. 4º da Lei 13.654/2018, tema que discuto adiante.

Furto ou roubo de explosivos e posterior uso de explosivos para furto

Pode haver concurso de delitos entre o furto qualificado de explosivos (§7º do art. 155 do CP) e o crime de furto qualificado pelo emprego de explosivos (§4º-A do art. 155 do CP). É a posição sustentada por Rogério Sanches Cunha (aqui), com a qual concordo. São condutas distintas.

O agente pode subtrair explosivos de uma vítima (uma empresa de mineração, por exemplo) e utilizar esses mesmos explosivos para destruir um ATM (caixa eletrônico) e dele subtrair dinheiro. O direito de propriedade de vítimas distintas terá sido violado.

Também poderá haver o concurso de delitos entre o roubo circunstanciado do art. 157, §2º, inciso VI (roubo de explosivos) e a forma especialmente majorada do roubo com emprego de explosivos (§2º-A, inciso II).

Simetricamente, poderá ocorrer furto de explosivos seguido de roubo com emprego de explosivos, ou roubo de explosivos seguido de furto com emprego de explosivos, figuras previstas pela Lei 13.654/2018. Nessas hipóteses, teremos concurso de delitos.

Subtração de explosivos e terrorismo

Desde 2016, o terrorismo é considerado crime no Brasil. O art. 2º, §1º, inciso I, da Lei 13.260/2016 considera atos de terrorismo usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa.

Aquela lei também pune os atos preparatórios. Na forma do art. 5º da Lei Antiterror, é crime realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito.

No contexto dos atentados a bomba, a aquisição, a manipulação, a receptação ou a preparação de explosivos para a prática de ataques podem configurar o delito do art. 5º da Lei 13.260/2016.

Tais condutas terroristas são reprimidas, por exemplo, pela Convenção sobre a Marcação de Explosivos Plásticos para Fins de Detecção, concluída em Montreal em 1991 e promulgada pelo Decreto 4.021/2001 e pela Convenção Internacional sobre a Supressão de Atentados Terroristas com Bombas, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 15 de dezembro de 1997, em Nova York e promulgada pelo Decreto 4.394/2002.

Diante do roubo ou furto de explosivos com a finalidade de praticar atentado terrorista, poderíamos ter concurso material de crimes do art. 155, §7º, ou do art. 157, §2º, inciso VI, do CP, com o crime do art. 2º da Lei 13.260/2016, ou concurso formal daqueles crimes patrimoniais com o delito do art. 5º da Lei 13.260/2016.

Concurso das novas formas majoradas de furto e roubo com o crime de explosão

Segundo o art. 251 do CP, é crime punido com reclusão de 3 a 6 anos e multa expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, mediante explosão, arremesso ou simples colocação de engenho de dinamite ou de substância de efeitos análogos.

Antes da Lei 13.654/2018, era possível o concurso (formal) do crime de furto mediante rompimento ou destruição de obstáculo à subtração da coisa (art. 155, §4º, inciso I do CP) com o crime de explosão, previsto no art. 251, §2º do CP. Em sendo material o concurso, as penas de 2 a 8 anos de reclusão, pelo furto qualificado, podiam ser somadas às penas do crime de explosão, de 3 a 6 anos de reclusão, com a causa de aumento do §2º, o que leva a pena mínima a 4 anos.

Agora, diante da redação do novo §7º do art. 155 do CP (forma qualificada), não é mais possível o concurso do furto qualificado pelo rompimento de obstáculo (art. 155, §4º, inciso I) com a forma majorada do crime do art. 251, §2º, do CP (intenção de obter vantagem pecuniária), nos casos de explosões de caixas fortes, cofres, carros fortes, caixas eletrônicos e coisas semelhantes, quando há tão-somente animus furandi.

Vale assim, o art. 2º do CP: “A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”, o que, neste aspecto, faz com que a Lei 13.654/2018 retroaja em parte para beneficiar réus condenados por concurso formal entre explosão e furto qualificado.

Concurso do furto ou roubo de explosivos com o crime do art. 16, único, III, da Lei 10.826/2003

Segundo o art. 16, parágrafo único, inciso III, do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003), é crime punido com reclusão de 3 a 6 anos e multa, “possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”.

É possível o concurso de crimes entre essa conduta e as formas majoradas dos crimes de furto e roubo de explosivos, introduzidas pela Lei 13.654/2018. Não há consunção. Os bens jurídicos tutelados são diversos.

Roubo qualificado pelo resultado morte e crime hediondo

Segundo o art. 1º, inciso II, da Lei 8.072/1990, é hediondo o crime de “latrocínio (art. 157, § 3o, in fine)”. A expressão “in fine” referia-se à parte derradeira da antiga redação do §3º do art. 157, que tipifica o crime de roubo qualificado pelo resultado morte.

Com a Lei 13.654/2018, o latrocínio passou a ser previsto no inciso II do mesmo §3º. Essa pequena alteração topográfica não é capaz de abalar a natureza hedionda do crime de latrocínio, sob a alegação de que se tornou inaplicável a regra do art. 1º, inciso II, da Lei 8.072/1990. Embora conste agora do inciso II do §3º do art. 157 do CP, o latrocínio continua previsto na parte final de tal dispositivo.

Vigência da Lei 13.654/2018

Contrariando a boa técnica, as alterações promovidas pela Lei 13.654/2018 têm vigência imediata. O ideal, em matéria penal, é que haja uma vacatio legis de pelo menos um mês, para conhecimento da nova lei penal pelos seus aplicadores.

A Lei entrou em vigor no dia 24 de abril de 2018.

Competência

Os crimes patrimoniais de que trata a Lei 13.654/2018 são em regra de competência da Justiça dos Estados.

A competência federal segue as hipóteses do art. 109 da Constituição. Assim, se o crime de furto ou roubo mediante emprego de explosivos tiver como alvo o banco postal ou uma agência bancária da Caixa Econômica Federal (empresa pública) ou um ATM dessa bandeira, a competência será da Justiça Federal (art. 109, IV, CF). Contudo, o crime cometido contra caixa do Banco do Brasil (sociedade de economia mista) ou de um banco privado será de competência estadual.

Igualmente, se o explosivo subtraído ou se a coisa alheia móvel subtraída mediante uso de explosivo estiver a bordo de um navio, ou mesmo numa aeronave (obviamente em solo), a competência também será federal (inciso IX, art. 109, CF).

Se um dos crimes patrimoniais relativos a explosivos for conexo com o delito de terrorismo, a competência, para ambos, será da Justiça Federal, por força da Súmula 122 do STJ.

Atribuição da Polícia Federal

Conforme o art. 1º, inciso IV, da Lei 10.446/2002, a Polícia Federal tem atribuição para investigar furtos, roubos e receptação de “bens e valores, transportadas em operação interestadual ou internacional, quando houver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação”.

A atuação do DPF também se justifica na hipótese do inciso VI do mesmo artigo, para apuração de “furto, roubo ou dano contra instituições financeiras, incluindo agências bancárias ou caixas eletrônicos, quando houver indícios da atuação de associação criminosa em mais de um Estado da Federação”.

A atribuição da Polícia Federal, contudo, só se apresenta quando houver repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme e se faz sem prejuízo das atividades investigativas da Polícia Civil e da Polícia Militar dos Estados.

Por fim, vale lembrar que, conforme o entendimento atual, a atuação da Polícia Federal na fase investigativa não determina a competência da Justiça Federal. Contudo, se o legislador atribui tais tarefas apuratórias à polícia judiciária da União, é de se ter presente o interesse federal, para os fins do inciso IV do art. 109 da Constituição.

Inconstitucionalidade formal da Lei 13.654/2018

Em maio/2018, o Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo recomendou que promotores e procuradores do Ministério Público paulista suscitem, em controle difuso, a inconstitucionalidade formal do art. 4º da Lei 13.654/2018, que revogou a majorante do emprego de arma imprópria no crime de roubo (inciso I, do §2º do art. 157, CP).

Segundo a recomendação, a supressão da antiga majorante para o emprego de armas em geral (próprias e impróprias) teria sido realizada diretamente pela Coordenação de Redação Legislativa (CORELE) do Senado, sem a necessária votação no plenário.

A CORELE tem competência para:

“analisar as proposições legislativas prontas para deliberação pelos Plenários do Senado Federal e do Congresso Nacional, no tocante à técnica legislativa; supervisionar a elaboração das minutas de redação final, de redação para o segundo turno e de redação do vencido das proposições aprovadas pelos Plenários a serem submetidas às Mesas, nos termos do Regimento Interno do Senado Federal e do Regimento Comum do Congresso Nacional; supervisionar a revisão dos textos finais das proposições aprovadas terminativamente pelas Comissões, procedendo às adequações necessárias em observância aos preceitos de técnica legislativa previstos na Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998; supervisionar a elaboração dos quadros comparativos das proposições em tramitação no Senado Federal e no Congresso Nacional, em cotejo com os textos da legislação vigente, das emendas apresentadas, da redação final aprovada e dos vetos presidenciais; disponibilizar na internet, para acesso público, os textos finais revisados das proposições aprovadas terminativamente pelas Comissões e os quadros comparativos das proposições em tramitação no Senado Federal e no Congresso Nacional; e executar atividades correlatas”.

O procedimento adotado unilateralmente pela CORELE fere o processo legislativo e torna formalmente inconstitucional a revogação do inciso I do §2º do art. 157 do CP, realizada pelo PLS 149/2015, convertido na Lei 13.654/2018.

Uma vez reconhecida a inconstitucionalidade da lei neste ponto, os juízes e tribunais devem indeferir pedidos de retroatividade benéfica do art. 4º da Lei 13.654/2018 que pretendam a exclusão da majorante do uso de arma branca em ações penais em curso ou em execução penais em andamento.

Conclusão

Como sempre, a pressa do legislador no debate legislativo promoveu mais uma vez equívocos. Esses espasmos quase sempre são sintomas de uma má política criminal. Com a Lei 13.654/2018 não foi diferente. 

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