Numa decisão importante em tempos de intensas relações jurídicas internacionais, o STJ passou a interpretar corretamente o art. 109, incisos III, IV e X, da Constituição de 1988, quase trinta anos depois de sua vigência.
É da Justiça Federal a competência para julgar crime praticado por brasileiro inteiramente no exterior (crime extraterritorial). Esta hipótese não se confunde com a do inciso V do art. 109 da CF, que diz respeito aos crimes a distância (transnacionais), quando previstos em tratados.
O julgamento no Brasil de um crime cometido fora do País ocorre quando a persecução penal é transferida pelo Estado estrangeiro a nossa jurisdição, mediante pedido de cooperação internacional passiva, especialmente quando se trata de brasileiro inextraditável. A este tipo de pedido se dá o nome de transferência de procedimento criminal ou transferência de jurisdição.
A razão de ser da assunção de jurisdição sobre fato praticado no estrangeiro está na extraterritorialidade da lei penal brasileira nesta e noutras hipóteses previstas no art. 7º do Código Penal e em tratados de que o Brasil é parte.
Venho defendendo doutrinariamente e em casos concretos, desde 2013, que em tais situações a competência é federal.
A mais recente de minhas manifestações se vê aqui, em post de fevereiro de 2018, sobre o caso Manoelzinho, brasileiro acusado de dois homicídios em território francês.
A ideia agora acolhida em votação unânime pela 3ª Seção do STJ num caso de Portugal, sob a relatoria do Min. Ribeiro Dantas, pode ser sintetizada assim:
CRIME PRATICADO NO EXTERIOR – COOPERAÇÃO INTERNACIONAL – INTERESSE DA UNIÃO – COMPETÊNCIA FEDERAL.
No conflito negativo de competência julgado em abril de 2018, divergiam o juiz federal de Governador Valadares (suscitado) e o juiz de Direito de Belo Horizonte (suscitante).
Firmou-se a competência do primeiro juízo, o suscitado. A decisão transitou em julgado:
“4. Compete à Justiça Federal o processamento e o julgamento da ação penal que versa sobre crime praticado no exterior, o qual tenha sido transferida para a jurisdição brasileira, por negativa de extradição, aplicável o art. 109, IV, da CF.”
(STJ, 3ª Seção, CC 154656 / MG, rel. min. Ribeiro Dantas, j. 25/04/2018)
Até o julgamento do CC 154.656/MG, vinha prevalecendo no STJ a tese da competência da Justiça Estadual.
Trata-se, portanto, de uma virada jurisprudencial, que deve observar o art. 88 do CPP, que tem regra de competência puramente territorial.
Em suma, em relação a crimes cometidos no todo ou em parte no exterior, ainda que tentados:
1. Crimes extraterritoriais (no exterior): competência federal;
2. Crimes transnacionais (a distância):
a) previsto em tratado do qual o Brasil é parte: competência federal;
b) não previsto em tratado: competência estadual;
c) previsto em tratado do qual o Brasil não é parte: competência estadual.