por Vladimir Aras
Parece um episódio de série policial. A reviravolta do caso DSK é intrigante e revela a eficiência do sistema judicial norte-americano. A Polícia de Nova Iorque foi rápida para prender o suspeito, que aparentemente fugiria para a França, de onde não poderia ser extraditado. E a investigação seguinte, conduzida pela Promotoria de Manhattan, revelou várias mentiras que a vítima (suposta vítima?) contara a autoridades dos Estados Unidos.
Num caso tão rumoroso e sensível, a credibilidade da vítima é muito importante. O acusado é Dominique Strauss-Kahn, ex-diretor do FMI e ex-futuro candidato à presidência da França. No processo penal brasileiro, em situações de crimes sexuais, os juízes costumam dar um valor especial ao depoimento da vítima de estupro, exatamente porque tais casos em geral ocorrem longe das vistas de testemunhas. Agora, o tablóide New York Post já diz que a camareira seria uma prostituta. Maid is a hooker, foi a manchete do sábado, 2/jul. A publicação causou furor na França, onde estou agora. Embora profissionais do sexo também possam ser vítimas de estupro, esta informação, se confirmada, pode influenciar o ânimo dos 12 jurados americanos, que são cidadãos comuns, com seus próprios preconceitos.
As novas provas reveladas à defesa pela própria Promotoria de Nova Iorque (leia aqui a carta de disclosure, em inglês) mostram que a moça teria mentido para conseguir imigrar para os Estados Unidos e para conseguir benefícios legais e que teria arrumado outro quarto do hotel Sofitel de Manhattan após o suposto estupro e, portanto, antes de avisar seu supervisor e à Polícia sobre o ocorrido. “Se mentiu antes, por que falaria a verdade agora?”, perguntará a defesa.
A primeira lição para nós é a de que o Ministério Público americano pode investigar e isto pode ser bom para a defesa também. Aqui ainda se repete a bobagem de que promotores e procuradores não podem apurar crimes.
Pior do que as mentiras da vítima foi o que se descobriu depois. Após a repercussão do caso, a camareira guineense teria ligado para um amigo, detido numa prisão do Arizona – onde todas as ligações são gravadas -, e dito o seguinte, no idioma fulani, falado na Guiné e noutros países da África ocidental:
“Don’t worry, this guy has a lot of money. I know what I’m doing” (Não se preocupe, este cara tem muito dinheiro. Sei o que estou fazendo).
Isto pode ser interpretado como uma disposição para a extorsão. O fato demonstra como é importante a monitoração de diálogos de presos para evitar novos crimes. Aqui no Brasil não querem permitir gravação nenhuma, nunca. E isto nos serve como segunda lição.
Tudo isto permitiu a soltura de DSK, que estava em prisão domiciliar, e a restituição da fiança de 6 milhões de dólares. Agora o réu está em liberdade provisória vinculada por termo de comparecimento, o que os norte-americanos chamam de R.O.R., ou released on his own recognizance. O passaporte permanece retido. O juiz americano não repetiu o erro da Justiça brasileira, que devolveu os passaportes dos pilotos Joseph Lepore e Jan Paladino, aqueles que derrubaram o avião da Gol. Ambos pegaram seus documentos e nunca mais voltaram. Esta é a terceira lição para nós.
Estes novos elementos no caso DSK não encerram o caso. Tampouco quer dizer que a ação penal será julgada improcedente. A Promotoria americana pode retirar as acusações (aqui o Ministério Público não pode desistir da ação penal, o que é outro problema do nosso modelo processual), ou insistir que o processo continue. O júri sempre pode surpreender, para condenar ou para absolver. Mas ficou bem difícil arrumar a bagunça do suposto estupro da suíte 2806.