por Vladimir Aras
Muitas vezes ouvimos que a legislação penal é excessiva e se mete onde não é chamada. Em alguns casos é mesmo.
Todo mundo sabe que os serviços públicos no Brasil são sofríveis. Além da má prestação, há a falta de educação e até a ameaça. Em várias repartições públicas Brasil afora lêem-se aqueles simpáticos avisos: “Descatar funcionário público é crime punido com detenção de 6 meses a 2 anos (art. 331 do Código Penal)“.
Cuiriosamente, essas delicadas advertências estão postas justamente nas paredes dos órgãos públicos que têm o pior atendimento, com as maiores filas e com servidores que, sem serem cegos nem surdos, não enxergam e não escutam.
Esses cartazes são um absurdo, porque, sendo uma infração penal de menor potencial ofensivo, não pode haver prisão em flagrante por desacato, nas condições do art. 69, parágrafo único, da Lei 9.099/95. Na verdade quem deve ser punido é o funcionário relapso, resmungão e mal-educado. Não dá vontade de prendê-los por desacato ao cidadão?
Aliás, acho que o desacato nem devia ser crime. A descrição desta figura na lei penal é muito ampla e costuma ensejar abusos. Certos policiais e autoridades têm verdadeira fixação por esse delito. Basta alguém questionar sua ação aqui ou ali e já se pode esperar a voz de prisão por desacato.
Falando nisto, me vem à mente outro crime que devia ser riscado do Código Penal. É o delito de bigamia, que está previsto no art. 235 do CP. Não defendo a poligamia, mas uma conduta como esta não precisa de pena. O réu bígamo tem duas sogras. É punição suficiente. O resto se resolve pelo dano moral e pelo divórcio ou anulação do casamento, com pensão dobrada, é claro.
O legislador devia fazer com a bigamia o mesmo que fez com o delito de adultério. A pena era de 15 dias a 6 meses e, com a revogação do art. 240 em 2005, a conduta deixou de ser crime para a felicidade geral da Nação. Os traídos também ficaram contentes. O único efeito desta infração penal era confirmar a traição mediante o devido processo legal. A feliz vítima podia emoldurar a sentença e afixá-la na cena do crime, com o tão aguardado pronunciamento judicial que confirmou a traição por decisão transitada em julgado.
Em suma: o Direito Penal tem mais o que fazer.