Depois de uns dias de descanso nas filas da Disney no hemisfério norte, e já que o mundo não acabou, voltemos à labuta.
Duas imagens marcaram a percepção dos cidadãos sobre a Justiça brasileira no início de 2013: a posse de José Genoíno como deputado federal em Brasília e a lua de mel de Carlinhos Cachoeira em Maraú, na Bahia.
A primeira imagem, a posse de José Genoíno como parlamentar, expõe um evento juridicamente admissível, mas eticamente reprovável. Revela a incoerência do nosso sistema político, inclusive no cotejo com a Lei da Ficha Limpa. Um homem que acaba de ser condenado pela Suprema Corte do país a 6 anos e 11 meses de reclusão por corrupção ativa e formação de quadrilha dias depois torna-se representante popular no Parlamento da República. Um genuíno absurdo, algo incompreensível para o cidadão comum.
Noutras plagas, políticos condenados abdicam da vida pública. Uns chegam à loucura de abdicar da própria vida, no chamado seppuku. Aqui, porém, seguem como se nada houvesse acontecido. A Justiça é cega, eles se fazem de surdos e o povo fica mudo.
Como disse noutro post (“Mensalão em pílulas“), a execução das penas aplicadas na AP 470/DF deve demorar. O STF publicará o acórdão daqui a alguns meses, e a defesa poderá opor embargos de declaração para aclará-lo. Quando nova sessão do STF julgar tais embargos, teremos de aguardar o segundo acórdão e então outro recurso igualzinho poderá ser interposto, até as calendas gregas, ou até que o réu se canse de recorrer. É assim o sistema recursal brasileiro. Provavelmente, Genoíno completerá seu mandato que termina em 2014. Basta ver o que ocorreu no caso Pimenta Neves (“O abominável caso do sr. Neves“) e o que agora se repete com o deputado federal Natan Donadon condenado em 2010 pelo STF a 13 anos e 4 meses de reclusão, julgamento confirmado em 2012 nos embargos e ainda solto (aqui). Certos réus continuam inocentes mesmo após prova cabal em contrário.
Este é o quadro da impunidade dos políticos poderosos.
A segunda imagem, como bem a definiu um colega, é o retrato do escracho. Condenado pela Justiça Federal em Goiás a mais de 39 anos de reclusão por uma série de crimes investigados na Operação Monte Carlo, o empresário Carlinhos Cachoeira veio para a Bahia comemorar sua lua de mel, a dolce vita. Fosse um zé ninguém flagrado em furto, roubo ou estupro, estaria preso. Mas para este réu diferenciado, o TRF-1 não impôs sequer uma singela medida cautelar de restrição espacial. Choveram habeas corpus em seu favor para que ele visse o Sol brilhar na Bahia.
Este é o quadro da impunidade dos empresários poderosos.
(Foto: Rodrigo Nunes/Futura Press)
O que esses dois eventos nos dizem? Sociologicamente, expõem a seletividade do sistema penal, que é rigoroso com uns e leniente com outros, quando deveria ser igualmente firme em relação a todos. Endurecer sem perder as garantias jamais. Aqui nos acostumamos a tolerar a tortura e o descaso contra réus pobres e gostamos de inventar teses processuais mirabolantes (o “cafuné processual“) para afagar as cabeças coroadas dos potentados. As fotografias sugerem que o crime compensa. Casa grande e senzala no foro criminal.
Entretanto, juridicamente, as tomadas mostram que tudo está dentro da normalidade processual penal. É mesmo assim, segundo a Constituição e a leitura que dela faz a Suprema Corte. Enquanto o acórdão do STF e a sentença de Goiás não transitarem em julgado, esses dois são homens livres e inocentes. Pelo menos para estes, não houve regras excepcionais nem violações ao devido processo legal. O primeiro poderá continuar a fazer leis. O segundo, quem sabe, continuará a ter amigos que fazem leis. São as leis que você e eu deveremos cumprir.
Enfim, nestas imagens se vê nitidamente como a Justiça é abundante no Brasil. O que falta aqui é outra coisa.