Entrevista concedida ao jornalista Frederico Vasconcelos, da Folha de São Paulo] [aqui]
“Procurador da República Vladimir Aras diz que o Caso Banestado, no Paraná, foi laboratório de práticas adotadas na investigação sobre corrupção na Petrobras.
O Procurador da República Vladimir Aras conhece bem a investigação que serviu de laboratório para a Operação Lava Jato, pois atuou na Força Tarefa do Banestado, cujas sentenças foram proferidas pelo juiz federal Sergio Fernando Moro, de Curitiba (PR).
Agora, como coordenador da Secretaria de Cooperação Internacional (SCI ) –criada na gestão do Procurador-geral da República, Rodrigo Janot–, ele participa dos entendimentos com órgãos estrangeiros para obtenção de provas e repatriamento de dinheiro depositado ilegalmente no exterior.
“Meus colegas da força tarefa estão cavando fundo. Essa escavação tende a expor e abalar as fundações dos esquemas de corrupção que sempre corroeram as rendas da Nação”, afirma Aras.
Em entrevista concedida por e-mail, ele avalia a atuação dos vários órgãos nas investigações sobre corrupção na Petrobras. Trata-se de uma operação que, segundo ele, “impressiona pela extensão das ilegalidades em apuração e pela desfaçatez dos suspeitos”.
Blog – Quando a Justiça Federal, o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e a Receita Federal atuam afinadas, as grandes investigações costumam ter começo, meio e fim. É o caso da Operação Lava Jato?
Vladimir Aras – A coordenação entre o Ministério Público Federal (MPF), a Polícia e a Receita Federal (RFB) tem sido intensa desde o início dessa investigação. Como noutras apurações de corrupção ou de crimes de colarinho branco, o MPF tem constantemente buscado o apoio de diversos órgãos federais, como o Tribunal de Contas da União (TCU), o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) e a Controladoria Geral da União (CGU). Como titular da ação penal (artigo 129, inciso I, da CF), cabe ao MPF coordenar todo esforço apuratório do Estado a fim de habilitar-se em juízo a elucidar inteiramente a responsabilidade civil e criminal dos autores e coautores dos graves esquemas ilícitos ainda não inteiramente conhecidos pela sociedade brasileira.
Quanto à Justiça Federal e aos juízes em geral, não há nem pode haver atuação afinada ou coordenada com os órgãos antes citados. Nas democracias de modelo acusatório, há separação entre as figuras do acusador e do julgador. O Ministério Público dirige a investigação criminal e promove a acusação em juízo. O Judiciário deve manter-se inerte, reagindo apenas quando processualmente provocado pelo Ministério Público, mediante pedidos fundamentados apresentados pelo órgão de acusação. O que se espera do Ministério Público e da Polícia é que se articulem para colher provas que não permitam dúvidas quanto à responsabilidade criminal dos suspeitos. O que se espera do Judiciário é que aja com imparcialidade, para aplicação das leis votadas e aprovadas pelo Congresso. Isto sim tem ocorrido no caso Petrobras.
Blog – Em quais outras operações essa receita funcionou?
Aras – Esta mesma receita foi empregada em muitas situações pelo Brasil, inclusive em investigações não criminais caracterizadas pela parceria entre o MPF e a Controladoria Geral da União (CGU), para a repressão a atos de improbidade administrativa relacionados ao desvio de verbas públicas federais repassadas e municípios, ou entre o MPF e o Ibama, para repressão a delitos ambientais.
Contudo, o exemplo mais marcante é o caso Banestado do Paraná. Entre 2003 e 2006, uma força tarefa semelhante à atual funcionou em Curitiba, com a participação ou apoio de policiais federais, auditores da Receita Federal, técnicos do Bacen, sob a liderança de procuradores da República, o que resultou nas Operações “Farol da Colina”, coordenada pelo DPF Paulo Roberto Falcão, e “Zero Absoluto”, de inciativa do MPF. Em função desta última, o Brasil alcançou a repatriação de US$ 3,6 milhões. Em função daquela, o mercado de dólar clandestino sofreu um significativo abalo, com a exposição e a condenação de alguns dos maiores doleiros do País.
Merece também menção a Força Tarefa da Operação Ararath, que a PGR constituiu no Mato Grosso neste ano e que serve também como exemplo da concentração de esforços do MPF na luta anticorrupção.
Aliás, é bom lembrar que o caso Banestado foi o laboratório de muitas das boas práticas hoje empregadas no caso Petrobras, especialmente os acordos penais de cunho reparatório e a técnica de colaboração premiada. A praxe da negociação de acordos de colaboração foi adotada pela primeira vez no Brasil em 2003, por iniciativa do MPF. Posteriormente, a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Ativos (Enccla), do Ministério da Justiça, e o Congresso Nacional abraçaram o modelo de “réu colaborador” ali desenvolvido, e agora temos a Lei 12.850/2013 (nova Lei do Crime Organizado) que o disciplina inteiramente. Sem as chamadas “técnicas especiais de investigação”, modernos meios de obtenção de prova recomendados em diversos tratados internacionais, não é possível desvendar crimes graves, que em geral são cometidos por organizações criminosas ou por entes de tipo mafioso, que empregam a lei do silêncio (omertà), a calúnia e a intimidação para manterem-se impunes.
O uso responsável dessas ferramentas de investigação por profissionais qualificados e devidamente coordenados pelo Ministério Público faz toda a diferença na luta contra a criminalidade. E por isto mesmo gera tanta gritaria.
Blog – Em que medida a Operação Lava Jato reflete a prioridade de Rodrigo Janot no combate à corrupção?
Aras – Não há dúvidas de que a luta anticorrupção é uma das marcas da gestão do PGR Rodrigo Janot. A improbidade administrativa e o desvio de recursos públicos são uma chaga nacional há séculos. Para sinalizar a importância que dá ao tema da transparência e da integridade, Janot resolveu especializar um órgão do MPF, a 5ª Câmara de Coordenação e Revisão, dando-lhe competência para o enfrentamento de crimes contra a Administração Pública e os atos de improbidade administrativa. Este modelo na PGR se reflete em primeiro grau, onde há tempos procuradores ocupam os chamados núcleos de combate à corrupção (NCC) existentes em várias capitais, onde detêm atribuições cíveis e criminais para a aplicação das leis penais e da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992).
No campo eleitoral, o PGR fortaleceu as procuradorias regionais eleitorais (PREs) para a aplicação da Lei da Ficha Limpa, a partir de projeto piloto desenvolvido pelo MPF em São Paulo, e estruturou um novo órgão, o Grupo Executivo Nacional da Função Eleitoral (GENAFE) para apoiar as PREs nos Estados e a PGE em Brasília.
No plano internacional, a gestão de Janot também tem seguido esse enfoque, buscando intensificar as atividades do MPF para o rastreamento, recuperação e repatriação de ativos, em conjunto com o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça, ou mediante articulação regional no âmbito da Associação Iberoamericana de Ministérios Públicos (AIAMP), e participação em redes de rastreamento, como a Rede de Recuperação de Ativos do Gafilat (RRAG) e a StAr/Interpol, e o apoio a projetos como o Bienes Incautados y Decomisados em América Latina (BIDAL), uma iniciativa da OEA em articulação com o MJ. Nesta mesma linha a PGR, deu o primeiro passo para a formalização de um convênio com o Banco Mundial destinado a promover a transparência e a “accountability” nos projetos financiados por essa instituição no Brasil.
No que diz respeito ao escândalo da Petrobras, é relevante lembrar que o Procurador Geral Rodrigo Janot organizou a FT Lava Jato tão logo tomou conhecimento dos primeiros informes que lhe chegaram do Paraná, no começo do ano. Sem o apoio dado pela PGR aos procuradores do MPF em Curitiba, com a designação de membros de outras localidades e a disponibilização de recursos materiais, as investigações não teriam chegado aonde chegaram.
Em sua sabatina no Senado no ano passado, Janot disse que deve haver igualdade de todos perante a lei. Este mote tem sido repetido em entrevistas suas à imprensa de modo a ampliar a consciência da sociedade sobre as consequências desta isonomia em todos os campos da vida pública. A isonomia em direitos e deveres é a base da República. Este tem sido o trabalho do MPF em vários episódios graves da vida nacional. Não se pode tolerar a corrupção, pois esta mata pessoas que não têm acesso a serviços de saúde, e também destrói o futuro de muitos cidadãos privados de educação básica e de qualidade por conta de desvios de verbas públicas.
Blog – O sr. conhece a atuação do juiz Sergio Fernando Moro, com o qual trabalhou em casos relevantes. Quais os cuidados tomados na Lava Jato para evitar alegações de nulidades mais adiante?
Aras – Moro é um juiz sério, técnico, estudioso e consciente do papel do Poder Judiciário numa sociedade democrática, o que implica absolver inocentes e condenar culpados, não importando quem sejam. Seus colegas o admiram. Moro conhece profundamente o ordenamento jurídico brasileiro e o direito comparado. No STF, este caso está em mãos de outro juiz excepcional, o ministro Teori Zavascki, que exerceu com dignidade e ciência sua judicatura no STJ e vem mantendo a mesma firmeza e competência no STF.
Procuradores e juízes experientes sabem evitar as nulidades reais, aquelas sedimentadas nas leis e na jurisprudência. O problema está nas nulidades inventadas por doutrinadores e advogados “criativos”. Este “parnasianismo processual” é um dos maiores males do processo penal brasileiro. Refiro-me ao excesso de formalismos e não aos ritos que garantem o devido processo legal.
O mais importante agora nesta operação é garantir a atuação orgânica do MPF em todas as etapas da investigação e dos processos já em curso, que passarão pelo TRF-4, pelo STJ e pelo STF. Somente o MPF acompanha um caso desde o seu nascedouro, na fase de investigação, até sua conclusão nas instâncias finais do Judiciário em Brasília. Quando o trabalho da Policia cessa, o nosso está apenas começando. Cabe ao PGR coordenar a atuação institucional dos procuradores da República em todos esses níveis, especialmente nos tribunais superiores.Todos os passos do MPF têm sido dados com base na orientação jurisprudencial, a fim de evitar nulidades. Os juízes julgarão as causas com base nas provas colhidas pelo MPF, cabendo aos procuradores do Paraná e ao PGR rebater as teses das defesas e sustentar os pedidos de prisões e de condenações nas diversas instâncias do Poder Judiciário.
Blog – Numa operação dessa envergadura, o cumprimento de ordens de prisão e buscas e apreensões requer uma rígida disciplina da Polícia Federal. Esse grau de profissionalismo foi demonstrado na Lava Jato?
Aras – Todos os procuradores, delegados e agentes do caso Petrobrás vêm atuando de forma integrada, sem vaidades ou viés de qualquer espécie, sob a coordenação final do MPF, como é adequado num sistema acusatório, no qual a opinião final sobre uma acusação criminal é sempre do promotor ou procurador. Tal modo de agir profissional é que tem permitido o aprofundamento da investigação, em busca da corroboração documental das declarações dos réus colaboradores, como exige a lei. O sigilo nesta etapa é fundamental para o êxito de casos desta importância, respeitada a Súmula Vinculante 14 do STF, os direitos dos suspeitos e réus e as prerrogativas dos advogados.
Embora algumas denúncias criminais já tenham sido oferecidas pelo MPF em primeiro grau contra os réus colaboradores, a Força Tarefa Lavajato ainda está na fase inicial das apurações. Quando o MPF apresentar ao Poder Judiciário as denúncias decorrentes das delações e das buscas e apreensões e as ações de improbidade administrativa, será possível verificar a real extensão das ilegalidades de que agora se suspeita. O que se pede é paciência para aguardar o tempo do processo. O MPF está agindo e continuará a agir para cumprir sua missão constitucional, de acordo com suas prerrogativas de autonomia e independência funcional.
Blog – A Polícia Federal esteve na berlinda, nos últimos dias, no debate sobre a MP 657, inclusive com fortes críticas do MPF. Como fica a imagem da corporação policial depois das diligências da Lava Jato?
Aras – As críticas a essa medida provisória vieram sobretudo da 7ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, responsável pelo controle externo da atividade policial. Creio particularmente que o Congresso Nacional deve debruçar-se urgentemente sobre o projeto de novo CPP, já aprovado no Senado (PLS 156/2009), e enfrentar de forma científica a questão do sistema acusatório no Brasil. Estamos em dívida com a Constituição de 1988. Estamos também muito atrasados no cenário internacional. Vários países da America Latina, como Chile, Colômbia e México, já reformaram seus processos penais. Aqui, todavia, tem prevalecido uma pauta corporativa que provoca um cisma na Polícia, em detrimento de sua evolução.
Divergências entre órgãos ou instituições estatais são absolutamente normais e devem ser tratadas pelos canais competentes nos foros adequados, com ampla discussão pela sociedade. Numa investigação desse porte, é preciso ter em mira o interesse público e os objetivos que unem os órgãos de persecução, e não os fatores que pontualmente os desagregam. Ao final, policiais e os magistrados judiciais e do Ministério Público somos todos servidores públicos.
Blog – Rodrigo Janot atribuiu a advogados os eventuais vazamentos que houve na Operação Lava Jato. Qual a importância do sigilo durante as várias fases da investigação?
Aras – Vazamentos não interessam ao Ministério Público. Existem várias regras legais que impõem sua preservação, tanto nos códigos penal e processual penal, quanto na Lei de Acesso à Informação. O sigilo só tem sentido quando legalmente imposto, na fase da investigação criminal. Durante o processo penal, quando o Ministério Público já apresentou seu caso em juízo, o sigilo é exceção e o julgamento deve ser público, em proveito das partes e do escrutínio público da sociedade. Assim, em geral, a confidencialidade somente existirá no interesse da investigação ou da presunção de inocência, para evitar que pessoas sejam indevidamente expostas, como no caso das colaborações premiadas não corroboradas. Investigações sigilosas podem existir. Processos penais secretos não.
Blog – A área internacional que o sr. coordena na PGR tem sido mobilizada nessa operação?
Aras – Sim, não poderia ser diferente. A FT Lavajato tem uma articulação importante com a Secretaria de Cooperação Internacional (SCI) da PGR. A SCI, criada pelo PGR Rodrigo Janot em setembro de 2013, tem invocado diversos tratados bilaterais de assistência penal e, especialmente, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Merida) para veicular os pedidos de cooperação de interesse do MPF neste e noutros casos, como a extradição de Henrique Pizzolato (condenado por peculato, corrupção e lavagem de dinheiro e foragido na Itália) ou a persecução criminal contra Paulo Salim Maluf no STF, que será julgado em março de 2015 na França.
Como a Petrobras tem operações no exterior, é fundamental a cooperação penal com órgãos estrangeiros, notadamente ministérios públicos, mas também com instituições como a Securities Exchange Commission (SEC). Além disso, a praxe indica que em casos de corrupção de grande vulto, os suspeitos sempre realizam etapas de ocultação patrimonial (lavagem de dinheiro) no estrangeiro. Devido a acordos feitos pelo MPF, será possível repatriar ativos em soma muito relevante, conforme o Procurador Geral da República anunciará em breve.
Também estão em curso pedidos a diversos países para obtenção de provas no exterior, sempre com o apoio do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça. Todos eles estão sob sigilo legal por força de tratados de cooperação internacional e das leis locais dos Estados requeridos. Os documentos obtidos serão traduzidos e incorporados pelo MPF aos processos penais no Brasil.
Em virtude da nova Lei Anticorrupção Empresarial (Lei 22.846/2013), que entrou em vigor em janeiro de 2014, a Controladoria Geral da União (CGU) também tem um papel a desempenhar nas apurações de corrupção transnacional. No campo cível, a recuperação de ativos no exterior também é uma das missões da Advocacia Geral da União (AGU), o que revela a existência de outro campo no qual a coordenação interna de diferentes instituições brasileiras com o MPF é fundamental para os êxitos na luta contra a corrupção.
Blog – Tempos atrás, diante do desfecho frustrante de operações como a Castelo de Areia, o juiz Moro chegou a acenar com a possibilidade de não atuar mais em casos de crimes financeiros e lavagem de dinheiro. A Lava Jato representa o retorno desse juiz especializado. O que mudou objetivamente para viabilizar a atuação desse magistrado à frente da maior investigação contra a corrupção?
Aras – A operação Castelo de Areia, deflagrada há alguns anos em São Paulo, foi inviabilizada por uma decisão questionável, que acabou enterrando não só este caso mas também impedindo, de forma sistêmica, a apuração de outros esquemas ilícitos cuja suspeita recaia sobre empreiteiras encarregadas, por exemplo, da construção do Metrô de Salvador (caso Metrosal). Não admira que algumas dessas construtoras estejam também envolvidas no caso Petrobras, uma vez que sempre se beneficiaram do jeitinho (processual) brasileiro para gozarem da impunidade e do País.
No esforço do Ministério Público e de outras autoridades públicas contra os crimes de colarinho branco sempre há momentos de tensão e outros de frustração. É uma luta difícil contra um sistema processual muitas vezes tolerante com os ilícitos dos estamentos superiores do poder político e econômico. Basta ver o histórico de grandes operações do passado, muitas das quais não chegaram a bom termo, para verificar como certas tecnicalidades estéreis foram alçadas à condição de garantias fundamentais à dignidade da pessoa humana, com o propósito de fazer ruir casos sólidos como concreto e aço. Mas creio que estamos numa nova quadra. A experiência adquirida pelo MPF e pelo Poder Judiciário na ação penal 470 e na ação penal 396 (caso Natan Donadon), para citar dois casos recentes, serve de norte para uma persecução mais eficiente, tendo em mira o enfraquecimento de esquemas de corrupção enraizados no País e que são tão disseminados quanto as saúvas.
O diferencial agora é que temos melhores leis e maior consciência pública. E mais: como titular da ação penal, o MPF decidiu liderar uma investigação quanto aos corruptores. Meus colegas da força tarefa estão cavando fundo. Essa escavação tende a expor e abalar as fundações dos esquemas de corrupção que sempre corroeram as rendas da Nação.
Blog – A Polícia Federal é subordinada ao Ministério da Justiça. Em que medida, em operações como essa, que atingem o centro do poder Executivo, a corporação é obrigada a informar previamente o ministro da Justiça sobre diligências do porte das realizadas nesta sexta-feira?
Aras – Sempre há articulação institucional para a realização de grandes operações, devido à necessidade de mobilizar numerosos contingentes de policiais, auditores e veículos de transporte. Em certas ocasiões, especialmente em cidades menores, não há como esconder os preparativos para uma operação de certa envergadura. Mesmo em órgãos não hierarquizados como o Ministério Público, há comunicação prévia à Procuradoria Geral sobre o que acontecerá na hora H do dia D, para permitir a disponibilização interna de recursos materiais e humanos e facilitar a prontidão de membros para reação às investidas recursais das defesas nos tribunais regionais e superiores. Obviamente, em todas essas etapas, a cadeia de confidencialidade tem de ser mantida e, quando possível, deve-se observar a compartimentação da informação mais sensível, a fim de não prejudicar as atividades do Ministério Público, e, ao fim e ao cabo, as competências do Poder Judiciário.
Esses riscos, que podem ser evitados ou minorados mas sempre existem, revelam a importância de manter e regular o poder de investigação criminal do Ministério Público, que se viu ameaçado em 2013 pela iminência de aprovação da PEC 37. A independência do Ministério Público é uma garantia da sociedade.
Blog – Outras considerações que julgar importantes.
Aras – Casos como o da Petrobras nos impressionam pela extensão das ilegalidades em apuração e pela desfaçatez dos suspeitos, mas nos estimulam, procuradores e policiais, a prosseguir.
Há muito por fazer no Brasil no campo da prevenção de ilícitos, com a implantação de programas eficientes de compliance, com o estabelecimento de regulamentos para proteção de informantes (whistleblowers) e com a harmonização de nossa legislação penal e processual aos tratados internacionais que ratificamos no âmbito da ONU e da OEA e às 40 Recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI). Há muitas tarefas a cumprir também no campo da persecução penal em sentido estrito, no qual é urgente o aperfeiçoamento do modelo de investigação criminal, ultrapassado e cartorial, assim como é imprescindível a reforma radical do nosso sistema recursal, na linha preconizada pelo ex-ministro Cézar Peluso, consoante a redação original da PEC 15/2011 (Pec dos Recursos), e de acordo com as recentes reflexões do ministro Luís Roberto Barroso, no que tange ao direito ao duplo grau de jurisdição.
Enfim, é preciso insistir no ideal republicano. Como sempre tem dito o Procurador-Geral Rodrigo Janot, “entre os valores mais relevantes de um Estado de Direito está a igualdade. Assim como a luta pela democracia foi a tarefa de nossos pais, a conquista de uma verdadeira República é uma luta desta geração”. Este é a missão fundamental do MPF. Somos procuradores da República. Ainda vamos ajudar nossos concidadãos a “encontrá-la”. Mas o papel fundamental é do Congresso Nacional.”
(Entrevista publicada originalmente no Blog Interesse Público, de Frederico Vasconcelos, na Folha de São Paulo, em 16 de novembro de 2014).