Brasil

Análise de propostas que criminalizam 'gordofobia' está parada na Câmara; caso na CPI chamou atenção para o tema

Textos foram apresentados em 2022 e estabelecem penas para discriminação e preconceito em razão do peso corporal. Por todo país, 950 processos mencionaram 'gordofobia' entre 2014 e agosto de 2023.

Câmara dos Deputados
Foto: Arquivo Pessoal

A discriminação contra pessoas gordas ainda não é punida pela legislação brasileira. Na Câmara dos Deputados, porém, ao menos duas propostas que criminalizam o preconceito em razão do peso corporal estão paralisadas.

Embora não seja prevista como crime, a chamada “gordofobia” tem concentrado interesse em plataformas de busca, como o Google.

Segundo informações da plataforma, as buscas pelo termo têm crescido desde 2018. Na última quinta-feira (3), esse tipo de discriminação voltou a repercutir nas redes sociais e no buscador por conta de declarações ocorridas na Câmara.

Durante audiência da CPI do MST, o presidente do colegiado, Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS), ironizou a também deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), questionando se ela queria “um hambúrguer” ou “um remédio” para se acalmar.

Sâmia e o PSOL classificaram a fala como “machista” e “gordofóbica”, e levaram o caso ao Conselho de Ética da Casa. Um grupo técnico do Ministério Público Federal também pediu a abertura de investigação contra Zucco na Procuradoria-Geral da República (PGR). Em nota à imprensa, o parlamentar disse já ter se retratado.

De acordo com levantamento do Data Lawyer, um instituto de dados jurídicos, entre 2014 e a primeira semana de agosto, pelo menos 950 processos não sigilosos mencionaram o termo “gordofobia”.

Os dados apontam que, em causas ganhas, o valor médio recebido é de R$ 233 mil. Minas Gerais tem o maior número de processos (222), seguido por São Paulo (193), Rio Grande do Sul (52) e Rio de Janeiro (51).

A ativista Rayane Souza, fundadora do Gordas na Lei, avalia que a discriminação pelo peso corporal sempre existiu, mas agora o termo tem se popularizado. Segundo ela, o Judiciário tem registrado precedentes para punir esse tipo de preconceito, apesar da ausência de legislação.

“O que a gente tem hoje é precedente. Alguns casos as pessoas ganham, são indenizadas, mas ainda tem a insegurança [jurídica], incerteza. Tem juiz que vai legitimar, e outro que não. Então, quando tivermos uma lei federal, tipificando esse preconceito real, que existe, a gente vai ver um movimento do Judiciário, que não terá para onde fugir. Será lei, não terá como contrariar. Vai empoderar, fortalecer as pessoas para, principalmente, não aceitarem as ofensas”, afirma.

Propostas na Câmara

Em junho de 2022, o deputado federal José Guimarães (PT-CE) — hoje líder do governo na Câmara — apresentou um projeto para criminalizar a discriminação.

Segundo o texto, discriminação ou preconceito em razão do peso corporal de alguém devem ser punidos com o mesmo rigor dado aos crimes contra raça, cor, etnia e religião.

“A discriminação por excesso de peso pode ser vivenciada de maneiras diferentes, desde ofensas e ridicularização, falta de acessibilidade e atitudes preconceituosas […] Proteção legal é importante e necessária para que ocorram mudanças sociais significativas”, justifica.

Ainda no ano passado, o deputado Nereu Crispim (PSD-RS) também protocolou projeto com o mesmo objetivo. Crispim propõe criminalizar atos de “gordofobia” e estabelecer pena de 2 a 5 anos de reclusão. Há ainda aumento de pena quando cometidos contra crianças e adolescentes.

O texto também prevê que a pena pode chegar a 10 anos e multa se o crime for cometido para prejudicar o exercício de seus direitos civis ou políticos.

As duas propostas foram anexadas a outros projetos que ampliam o rol de atos de discriminação e preconceito punidos pela Lei do Racismo. Todas as propostas estão travadas no Congresso Nacional.

Para a fundadora do Gordas na Lei, a demora para aprovação de uma legislação federal prejudica o enfretamento de um problema social e de uma questão de saúde pública.

Em 2020, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada pelo Ministério da Saúde, apontou que 60,3% dos brasileiros têm excesso de peso, o que compreende o sobrepeso e a obesidade.

“Quando se fala de direitos, esses direitos não podem ser associados à aparência, condicionado à aparência física e estética. Direito é direito”, diz Rayane Souza.

“Esses preconceitos cegam tantas pessoas, que questionam se um corpo gordo pode exercer direitos básicos. Elas descredibilizam cidadãos que precisam trabalhar, ter oportunidade de emprego. Todos os corpos são dignos de direitos”, completa.

Enquanto não há uma lei a nível federal, alguns estados já se movimentam para criminalizar o preconceito contra pessoas gordas.

O Piauí, por exemplo, criou, em junho, o Estatuto da Pessoa com Obesidade. Entre as ações previstas está a punição contra práticas discriminatórias.

Fonte: g1

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