Cola eletrônica

Agora não cola mais!

Mesmo assim, o Ministério Público podia adotar outras estratégias processuais contra esses esquemas fraudulentos, como esta semana fez o MPF em Goiás, numa série de 18 ações penais que propôs contra 101 pessoas que fraudaram o exame da OAB em 2006 e 2007.

Por Vladimir Aras

Enfim, acabou o “direito de colar”. Muita gente que fraudava concursos públicos, seleções públicas, exames vestibulares e o exame nacional do ensino médio ficava impune porque os tribunais superiores consideravam atípica a conduta de “pescar” em tais provas, ainda que mediante equipamentos eletrônicos. Não admitiam o artigo 171 do CP (estelionato), tampouco permitiam o uso do art. 299 do CP (falsidade ideológica). Veja os motivos aqui (Cola eletrônica: pesque-pague imoral).

Mesmo assim, o Ministério Público podia adotar outras estratégias processuais contra esses esquemas fraudulentos, como esta semana fez o MPF em Goiás, numa série de 18 ações penais que propôs contra 101 pessoas que fraudaram o exame da OAB em 2006 e 2007. Tais denúncias, de autoria do procurador Hélio Telho, resultaram da chamada “Operação Passando a Limpo“.


Com a entrada em vigor da Lei 12.550/2011 no dia 16 de dezembro de 2011, data de sua publicação no Diário Oficial da União, temos um novo crime contra a pública. O legislador ali inclui o novo art. 311-A do CP, que tipifica o crime de fraudes em certames de interesse público.


Será punido com reclusão de 1 a 4 anos, e multa, quem utilizar ou divulgar, indevidamente, com o fim de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a credibilidade do certame, conteúdo sigiloso de:
I – concurso público;
II – avaliação ou exame públicos;
III – processo seletivo para ingresso no ensino superior; ou
IV – exame ou processo seletivo previstos em lei:

Aquele que permitir ou facilitar, por qualquer meio, o acesso de pessoas não autorizadas a essas informações sigilosas incorrerá na mesma pena, que foi estipulada numa escala adequada e proporcional.

Porém, uma forma qualificada desse delito, que ocorrerá sempre que, da ação ou omissão, resultar dano à administração pública. Por exemplo, na hipótese em que a fraude provoca a anulação do certame, tornando necessária a repetição do exame. Neste caso, a pena será de reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

A lei cria também uma causa especial de aumento de pena, de um terço, aplicável quando o agente for funcionário público, nos termos do art. 327 do CP.

Além disso, entre as penas de interdição temporária de direitos do artigo 47 do CP, um novo inciso V permitirá ao juiz criminal proibir o réu de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos, o que é um reprimenda adequada a quem se envolver num esquema desses.

O procedimento para a apuração judicial desses crimes é o comum ordinário, e a ação penal é pública incondicionada. Na forma simples, não cabe prisão preventiva em regra, e será possível a propositura de suspensão condicional do processo pelo Ministério Público. Em caso de condenação, é possível, acertadamente, a substituição da pena privativa de liberdade, por restritiva de direitos.

Quem “pescar”, leva zero na prova, e o número 311-A no boletim (de ocorrência). Os alvos da lei são os esquemas de cola eletrônica, montados por quadrilhas especializadas em devassar o sigilo das provas, para fraudar vestibulares e concursos, mediante remuneração. Protege-se o sigilo e a lisura dos exames, a igualdade de condições entre os candidatos, e preserva-se o mérito individual no acesso cargo ou vaga. Ao fim, protege-se a própria Administração, pois nela deve ser admitido quem tiver real aproveitamento no concurso público.

Contudo, é lamentável que o legislador não tenha incluído expressamente esse novo delito como crime antecedente para fins de lavagem de dinheiro, que a Lei 9.613/98, em vigor, conta com um rol (mais ou menos) fechado. O proveito obtido pelas quadrilhas especializadas em cola eletrônica é estratosférico. A depender do certame, cada vaga é vendida aos candidatos por até 15 mil reais. Todos esses ativos ilícitos estão sujeitos a ocultação ou dissimulação (“lavagem”). A falta desse novo crime na lista de lavagem de dinheiro impede resposta penal completa, salvo se admitirmos a hipótese de incorporação dessa e de outras condutas, por meio do inciso VII do art. da Lei 9.613/98 (crime “praticado por organização criminosa”), tese que é objeto do HC 96.007/SP, no STF, sob a relatoria do ministro Marco Aurélio.

Curiosamente, o crime de fraude em concursos públicos (art. 311-A do CP) foi tipificado no diploma que criou a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (!). Mais um caso de contrabando legislativo. Mesmo assim, a lei vale, e a tese da atipicidade dessa conduta foi para a UTI. Os habeas corpus que a invocam vão cessar, mas, em função da irretroatividade da lei penal mais grave, ainda beneficiarão os pacientes anteriores à sua vigência. Porém, daqui em diante, não cola mais

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