Inquérito policial

A tramitação direta dos inquéritos policiais

O vetusto Código, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1942, já alcançou os 70 anos de vigência. Merecia aposentadoria compulsória. Porém, ainda ficará conosco por mais alguns anos até que o Congresso Nacional aprove o novo CPP, que já passou no Senado (PLS 156/2009).

Por Vladimir Aras

 

Às vezes as leis caducam e deixam de valer mesmo sem sua revogação expressa ou implícita. É o que aconteceu com os dispositivos do Código de Processo Penal (Decreto-lei 3.689/1941) que regulam a tramitação do inquérito policial. Segundo o art. 10, §§1º e 3º, do CPP, o inquérito concluído (§1º) ou ainda inconcluso (§3º) está sujeito às seguintes regras:
§1º. A autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará autos ao juiz competente.
§3º. Quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a autoridade poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências, que serão realizadas no prazo marcado pelo juiz.
O vetusto Código, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1942, alcançou os 70 anos de vigência. Merecia aposentadoria compulsória. Porém, ainda ficará conosco por mais alguns anos até que o Congresso Nacional aprove o novo CPP, que passou no Senado (PLS 156/2009).
Dessa sua senectudedecorrem alguns desacordos entre o texto legal e o texto constitucional que entrou em vigor em 5 de outubro de 1988. A Constituição consagrou o sistema acusatório no Brasil, e conferiu ao Ministério Público três atribuições expressas relacionadas à atividade persecutória do Estado (art. 129, CF):
a) a de promover privativamente a ação penal pública;
b) a de exercer o controle externo da atividade policial; e
c) a de requisitar a instauração de inquéritos policias e a realização de diligências para instrui-los.
Com isto, a atividade de controle da tramitação dos inquéritos policiais passou do Judiciário ao Ministério Público, uma vez que os juízes não devem envolver-se na coleta probatória pré-processual, para que se mantenham isentos e possam garantir de forma equânime os direitos fundamentais do cidadão suspeito e autorizar as medidas investigatórias de interesse do Estado que dependam de autorização judicial.
Portanto, como não é mais função dos juízes pastorear inquéritos policiais, os tribunais transferiram paulatinamente esta atividade, que lhes era anômala, ao Ministério Público. Foi assim que surgiram as centrais de inquérito, ainda nos anos 1980, a primeira delas no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Tais centrais são órgãos do Parquet com atribuição para receber inquéritos diretamente da Polícia e despachá-los ao seu destino, seja com requisição de novas diligências, seja com o oferecimento de denúncia ou com a apresentação de promoção de arquivamento.
Hoje as centrais de inquéritos existem em vários Estados brasileiros. Bahia e Paraná são dois deles. Neste último Estado, o tema foi objeto do Provimento 119/2007, que, embora atacado mediante o PCA 599/2007, foi considerado corretopelo Conselho Nacional de Justiça.
No campo federal, porém, a regulamentação da tramitação direta dos inquéritos policiais foi mais lenta. A Resolução 63, de 26 de junho de 2009, do Conselho da Justiça Federal, regulamentou em todas as cinco regiões federais a tramitação direta dos inquéritos entre a Polícia e o Ministério Público Federal e vice-versa.
Outros tribunais seguiram o exemplo, tanto que neste ano de 2012, o Tribunal Regional Eleitoral da Bahia baixou a Resolução Administrativa 5, de 3 de maio de 2012, que determina a tramitação direta dos inquéritos policiais entre o Ministério Público Eleitoral e as Polícias Federal e Civil.
As vantagens desse procedimento são várias, mas a principal delas é o ganho temporal. Reduz-se o tempo de tramitação dos inquéritos, uma vez que o diálogo entre a Polícia e o Ministério Público dispensa a intermediação judicial.
Esta é necessária naqueles temas para os quais a Constituição ou o legislador exigiu expressamente prévia intervenção judicial, como são os casos de decretação de prisões cautelares, expedição de mandados de busca e apreensão ou de quebra de sigilos bancário e fiscal, ou ainda a realização de escutas telefônicas ou telemáticas.
Assim, na prática, os inquéritos policiais nos casos em que não medida sujeita a reserva de jurisdição vão e vêm (às vezes ficam nisto durante meses sem fim) entre a Polícia e o Ministério Público, cabendo a esta instituição conceder as dilações prazais, para conclusão da investigação, e requisitar as diligências que reputar imprescindíveis à formação da sua convicção (opinio delicti), para acusar (art. 129, I, CF) ou arquivar (art. 28 do CPP) o inquérito.
Em suma, diante da não recepção dos §§1º e 3º do art. 10 do CPP pelo art. 129 da Constituição de 1988, hoje a tramitação dos inquéritos policiais rege-se por atos infralegais baixados pelo CJF e por várias cortes brasileiras, com o aval do CNJ.
Acabou? Não, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) propôs ação direta de inconstitucionalidade no STF contra a Resolução 63/2009 do CJF. É a ADI 4305, cujo relator é o ministro Ricardo Lewandowski. A pretensão é manter a regra do septuagenário CPP.
Junto com a PEC 37 – PEC da Impunidade (a que pretende assegurar o monopólio da investigação criminal aos delegados de Polícia), está é mais uma iniciativa de associações de classe contra a atividade do Ministério Público. Os bandidos agradecem…
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