Por Vladimir Aras
Depois de uma longa guerra civil, Muamar Kadafi não é mais o ditador da Líbia. Conhecido pelo seu gosto por grandes barracas árabes, que levava aonde fosse – em 2009 esteve em Nova Iorque com esta aqui -, o ex-líder foi expulso de seu bunker em Trípoli. Agora é um governante sem governados, um “joão-sem-terra” norte-africano.
Kadafi já era! Um governo de atrocidades contra os direitos humanos cessa. Não há mais lugar para seu terrorismo de Estado. Veja aqui uma de suas supostas obras, o atentado de Lockerbie.
Seu histórico criminoso não Líbia não ficará por isto mesmo. Agora é saber qual será o destino do ditador. Poderá encontrar asilo num país africano, poderá ser morto num ataque qualquer, poderá ser capturado pelos revolucionários líbios e ser sumariamente executado.
Melhor que se respeite o devido processo legal. Que Kadafi seja capturado e julgado por um tribunal líbio, não naquele arremedo de julgamento a que foi submetido outro homem de sua sanguinária estirpe, o infausto Saddam Hussein, morto na forca em situação degradante em 2006.
Se a Líbia não tiver condições de organizar o julgamento de Kadafi – o que é bem provável, devido ao esgarçamento das instituições e à existência de profundas divisões tribais -, um tribunal internacional poderá ser chamado a decidir.
O Conselho de Segurança das Nações Unidas já se manifestou sobre as peripécias de Kadafi, seus filhos e sua entourage. Mediante as Resoluções CS 1970 (2011) e 1973 (2011), a ONU mandou bloquear em todo o mundo os ativos financeiros em seus nomes, para que o crime não compense (asset freeze). Além do isolamento econômico, o Conselho de Segurança ordenou embargo de viagens (travel ban), o que impõe a negativa de vistos em um infinidade de países e estabeleceu uma zona de exclusão aérea (no-fly zone) no espaço líbio.
Aqui vale um excurso. O cumprimento de tais resoluções também é exigível no Brasil, como membro da ONU. Mas surge uma dúvida. Tais resoluções são imediatamente aplicáveis pelas autoridades brasileiras, após a integração ao direito interno, por meio de decretos? O Banco Central pode determinar o bloqueio de valores pertencentes às pessoas nominadas pela ONU, mediante simples decisão administrativa, ou é necessário obter autorização judicial para implementação do congelamento dos ativos?
Como quer que seja, Kadafi passará em breve a ser tratado como criminoso de guerra. Conforme o Estatuto de Roma de 1998, sua condição de ex-chefe de Estado não lhe garante qualquer imunidade. Há alguns meses, a Promotoria Internacional, que atua junto ao Tribunal Penal Internacional (TPI), obteve um mandado global de captura contra Kadafi. Se for preso fora do território líbio, o ditador poderá ser entregue ao TPI para ver-se julgado por crimes contra a humanidade.
Esgotou-se a era do beduíno Muammar Mohammed Abu Minyar Qadhafi (é assim que a ONU a ele se refere), auto-intitulado Líder da Revolução e Supremo Comandante das Forças Armadas da República Árabe da Líbia.
Enfim, Kaddafi não manda mais em nada. A tenda caiu.