Por Vladimir Aras
Dois casos muito interessantes serão julgados pela Grand Chamber (tribunal pleno) da Corte Europeia de Direitos Humanos. Refiro-me a:
H.F. e M.F. vs. França
J.D. e A.D. vs. França
No primeiro, uma cidadã francesa e seu companheiro partiram para a Síria em 2014 para juntar-se ao Estado Islâmico (ISIL ou Daesh). Essa mulher francesa teve dois filhos na Síria em 2014 e em 2016. Atualmente ela está detida com sua prole no campo de refugiados Al-Hol, no nordeste sírio, região controlada por forças curdas.
O segundo caso diz respeito a outra cidadã francesa que em 2015 também foi para a Síria com seu companheiro. Lá, em 2019, ela teve um filho. Desde aquele ano, mãe e filho estão no campo de refugiados de Al-Hol, sem poder retornar à França.
Em momentos distintos, os pais dessas duas mulheres pediram ao governo francês que providenciasse a repatriação de ambas. Não houve êxito. Ações judiciais no tribunal administrativo de Paris também foram apresentadas, mas com decisão judicial negativa.
Os dois casos serão agora julgados em conjunto em Estrasburgo, pelo colegiado maior. Vários países (Reino Unido, Noruega, Dinamarca, Bélgica e Holanda), organizações públicas (o Défenseur des Droits e dois relatores especias da ONU) e organizações não governamentais (Reprieve etc) foram admitidos como amici curiae.
Alega-se violação ao art. 3º da Convenção Europeia de Direitos Humanos (proibição de tratamento desumano ou degradante) e ao art. 3º, §2º do Protocolo 4 (direito de ingressar livremente no território do Estado de sua nacionalidade).
O pano de fundo desses casos é a expansão do Daesh (ISIL) na década passada mediante o recrutamento de combatentes estrangeiros na Europa.
Os ISIL foreign fighters são objeto de preocupação da União Europeia e também do Conselho da Europa desde o início da expansão territorial do Estado Islâmico.
A repatriação de cidadãos europeus capturados ou mantidos em campos de refugiados no Iraque e na Síria é um tema central, que coloca em debate a radicalização de jovens europeus, com adesão ao extremismo jihadista, e os riscos que seu retorno à Europa pode representar para seus países de origem, no contexto do terrorismo.
Medidas de decretação da perda de nacionalidade originária de cidadãos europeus têm sido adotadas para recusar repatriações.
Leis que preveem a perda da nacionalidade (Citizenship stripping laws) têm sido ampliadas em países como o Reino Unido, o Canadá e a Austrália nos últimos anos, como resposta ao fenômeno dos combatentes estrangeiros do ISIL.
Eis mais um tema que põe em confronto, de um lado, a segurança nacional e a proteção das sociedades contra atentados terroristas e, de outro, os direitos humanos de nacionais expatriados.