MC Ferrou e MC Deu Mal são duas personagens do extinto humorístico Casseta & Planeta, da Rede Globo de Televisão. Lembrei dos dois quando li hoje (20/dez) a notícia de que seis MCs (pronuncia-se como em inglês) cariocas haviam sido presos pela Polícia Civil após a deflagração da “guerra do Rio”, por suas atividades no Complexo do Alemão e adjacências.
Estão na lista dos suspeitos os MCs Dido, Frank, Galo, Smith, Ticão e Max. Veja aqui. Em favor de todos eles, vale a presunção de inocência, uma vez que não foram condenados pelo Judiciário. MC Dido compôs a “poética” canção: “Ai, meu Deus do Céu, como é bom ser traficante“, cujo refrão diz: “Tu começa de vapor, depois vira gerente e fica de patrão“.
A questão teórica é simples. Funkeiros, autores e/ou cantores dos vários Proibidões – canções que exaltam traficantes e a violência e que fazem (muito) sucesso nas favelas do Rio de Janeiro – podem ser acusados de apologia de crime (art. 287 do CP) ou de associação para o narcotráfico (art. 35 da Lei 11.343/2006)?
Art. 287 – Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime:
Pena – detenção, de três a seis meses, ou multa.
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Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.
A resposta é sim e não. Tudo depende de prova e do devido processo legal. Não é incomum a vinculação desses artistas a traficantes. Tal como fazem no Rio o Comando Vermelho (CV) e a Amigos dos Amigos (ADA), no México, os carteis também financiam cantantes e bancam seus hits musicais, a fim de difundir suas mensagens aliciadoras e promover os feitos dos narcotraficantes. No final, tudo se resume a comunicação e marketing. É um negócio.
Valentin Elizalde, cantor conhecido como o “Galo Dourado”, foi a vítima mais conhecida desse perigoso mercado narcomusical. Cantava no estilo chamado “narcocorrido”, que surgiu no norte do México nos anos 1950. As narco-baladas de Elizalde acabaram levando-o à morte em nov/2006, logo após ter divulgado um sangrento videoclipe no qual promovia o cartel de Sinaloa, com isto irritando o cartel do Golfo.
Em julho/2010, foi a vez do intérprete Sergio Vega, ou “El Chaka”, que foi morto a tiros em Sinaloa. Em outubro/2010, o cantor Fabián Ortega, o “Falcão do Norte”, supostamente ligado ao mesmo cartel, foi assassinado numa emboscada. É de sua autoria a narco-balada “El Rey de la Sierra” dedicada a El Chapo Guzmán, um dos líderes daquela organização criminosa.
Há inúmeros outros casos de violência contra tais cantores, que existem às dezenas em todo o México e que também fazem sucesso na fronteira sul dos Estados Unidos. Uma simbiose muito semelhante entre crime e música acontece no próprio solo norte-americano com o estilo musical gangsta rap. Cito dois dos expoentes desta vertente, Tupac Shakur e Notorious B.I.G., ambos assassinados em meados dos anos 1990.
Aqui no Brasil, especialmente no Rio, surgiram condições ideais de temperatura e pressão para a “contaminação” dos estilos musicais mais apreciados nas comunidades carentes. A estratégia de apologia ao crime, tão importante para o recrutamento de novos “soldados do tráfico”, escolheu o funk e baseou suas composições e imagens (estão todas no You Tube) nos relatos sobre a vida “heróica” e violenta dos traficantes da favela.
Nesse perigoso baile entre a música, o tráfico e a violência, alguém sempre acaba dançando. Agora esses seis funkeiros foram presos sob suspeita de associação a narcotraficantes. Que se salvem os inocentes.