Por Vladimir Aras
Em 25 de março de 2021 a Corte Europeia de Direitos Humanos (TEDH) divulgou sua sentença no caso Di Martino e Molinari vs. Itália (n. 15931/15 e 16459/15).
Os requerentes, cidadãos italianos, foram condenados em segunda instância após haverem sido absolvidos em primeiro grau por um tribunal de seu país. A decisão condenatória, que reverteu a absolvição, foi mantida pela Corte de Cassação peninsular.
Perante a Corte de Estrasburgo os dois cidadão italianos alegaram que o tribunal de apelação local teria violado seu direito de defesa por não tomar o depoimento de testemunhas de acusação antes de reformar a sentença absolutória.
Questionava-se a não observância do art. 603 do CPP local, que se aplica na fase da apelação:
Art. 603.
Rinnovazione dell’istruzione dibattimentale.
Di Martino e Ana Molinari, sua esposa, foram julgados conforme o procedimento sumário dos artigos 438 a 443 do CPP italiano.
Estes dispositivos dizem respeito ao Giudizio abbreviato, que é iniciado a pedido do acusado, com julgamento no estado do autos, conforme as provas até então apresentadas pelo Ministério Público. Em casos como Kwiatkowska vs. Italia, o TEDH já havia reconhecido a convencionalidade do procedimento e suas “inegáveis” vantagens para o acusado, em face da possibilidade de aplicação de pena menor e da restrição de apelação pelo MP em algumas hipóteses. A renúncia a certas garantias pelo réu não ofende por si só o direito ao devido processo, segundo a Corte (vide o §33 da sentença).
Vejamos os antecedentes do caso ora examinado. Em 2012, a sra. Molinari foi absolvida de todas as acusações apresentadas pelo MP e seu marido foi condenado apenas pela imputação de cultivo de maconha. No ano seguinte, em recurso do MP, todas as acusações foram aceitas pelo tribunal de apelação.
Os requerentes alegam que o Tribunal de Apelação deveria ter ouvido outras testemunhas, antes de proferir o veredicto condenatório. no entanto, o TEDH entendeu que não houve ofensa a seus direitos:
40. En conclusion, compte tenu de ce qui précède, les requérants ne sauraient se plaindre d’une entrave à leur droit à un procès équitable dérivant de la non-audition par la cour d’appel des témoins E., P. G. et S.
Quanto à única testemunha de acusação ouvida (por ordem de ofício do G.U.P.), ainda na primeira instância, o TEDH também entendeu que a falta de sua reinquirição pela Corte de Apelação também não ofendeu os direitos processuais dos réus:
45. Eu égard à ce qui précède, et notamment à la valeur probante du témoignage en question, et rappelant qu’il revient en principe aux juridictions nationales d’apprécier les éléments rassemblés par elles (Vidal c. Belgique, 22 avril 1992, § 33, série A n° 235‑B), la Cour estime que l’on ne saurait considérer qu’en ne procédant pas à une nouvelle audition de B.S. la cour d’appel a restreint les droits de la défense des requérants.
Em vista disso, a Corte Europeia decidiu que não houve violação ao art. 6, § 1°, (devido processo e julgamento justo) da Convenção Europeia de 1950.
Importante notar que nessa decisão, o TEDH invocou a Recomendação (87) 18 do Conselho de Ministros do COE sobre a adoção de procedimentos abreviados na justiça criminal europeia e reafirmou sua jurisprudência sobre a compatibilidade dessas soluções simplificadas com a Convenção. O Tribunal também ressaltou seu precedente de 2014 em matéria de acordos penais, que admire a renúncia a direitos processuais, se presentes a defesa técnica, o consentimento informado e um interesse público relevante.