Em meio à campanha do Dezembro Laranja, promovido pela Sociedade Brasileira de Dermatologia que destaca a prevenção e o diagnóstico precoce do câncer de pele, um dado alarmante ganha destaque na Bahia: o melanoma acral.
Esta é uma forma agressiva da doença que afeta as extremidades do corpo – como palmas das mãos, plantas dos pés e unhas –, apresenta uma das maiores taxas de mortalidade do mundo em regiões como o Recôncavo Baiano, onde a população negra é maioria. Vale destacar que a doença tem cura, principalmente, se for descoberta precocemente.
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O melanoma, pode surgir em qualquer parte do corpo, incluindo o couro cabeludo, a pele em geral, os olhos, a mucosa e até mesmo dentro da boca. Quando o melanoma aparece em áreas como a palma das mãos, planta dos pés ou na região da unha (aparelho ungueal), é denominado melanoma acral. Esse subtipo é particularmente preocupante porque não faz distinção de tom de pele, afetando igualmente pessoas de diferentes etnias, a grande questão para a população negra é o diagnóstico tardio e falta de saúde básica para se atentar a pequenas lesões no corpo.
Embora a incidência seja igual em pessoas de todos os tons de pele, no geral, negros não associam manchas escuras nessas áreas a um possível câncer, levando a diagnósticos tardios. Essa realidade motivou a realização de eventos para chamar atenção para a gravidade dessa doença, que muitas vezes não é suspeitada pela população negra como, explicou o dermatologista Lucas Fernandes, membro do Grupo Brasileiro de Melanoma.
“Isso que circula no senso comum de que o negro tende a não ter câncer de pele é verdade para a grande maioria dos subtipos, apesar de que sempre o negro também pode ter. Só que esse específico, do qual a gente quer chamar atenção, que é o melanoma acral, não tem distinção de corpo. E aí que é o problema. O negro tem isso na cabeça, ele pensa que aquilo é a micose, fica usando um creme antifúngico por tempo e quando descobre, às vezes, já tem uma metástase em órgãos internos, até no cérebro, por exemplo”, explicou o dermatologista.
Diagnóstico tardio e subnotificação
Para rastrear essas informações, o grupo utilizou-se de pesquisas de mortalidade para o melanoma acral, informações de obituários, de hospitais, levando em consideração que os casos são subnotificados porque a maioria das vezes a metástase da doença vai para pulmão ou cérebro e muitos pacientes morrem com sintoma de AVC. Os dados são referentes há 10 anos, que inclusive, revelaram o aumento da doença de ano a ano.
Dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA) indicam que o Brasil registra mais de 220 mil novos casos de câncer a cada ano. Destes, cerca de 4% são melanomas, que embora representem uma pequena fração, são responsáveis por 85% das mortes por câncer de pele.
Fatores de risco e sintomas
O grande fator de risco para a população negra é o diagnóstico tardio. No Brasil, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE 2021) indicam que cerca de 30% da população não tinha acesso regular a serviços de atenção primária à saúde, segundo o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS).
A ausência desses serviços básicos resulta no agravamento de doenças como o melanoma acral que acaba por atingir ainda mais as populações pobres periféricas, ribeirinhas, indígenas e quilombolas sem acesso aos serviços do Sistema único de Saúde (SUS).
Caso Bob Marley
O caso de Bob Marley, ícone mundial do reggae, é um exemplo de conscientização sobre o câncer de pele. O cantor jamaicano faleceu em 1981, aos 36 anos, devido a complicações de um melanoma acral lentiginoso.
A doença começou como uma lesão sob a unha de seu dedo do pé, inicialmente interpretada como um ferimento causado por uma partida de futebol. Marley recusou a amputação do dedo, recomendada pelos médicos, por questões religiosas, sendo adepto do rastafarianismo. O melanoma se espalhou para outras partes do corpo, incluindo pulmões e cérebro, levando a um estágio avançado e fatal da doença.
Histórico Familiar e câncer de pâncreas
Ao Acorda Cidade, o médico Fernandes ainda pontuou que o histórico familiar de pacientes que tiveram câncer de pâncreas é outro agravante. Pacientes devem estar atentos para o surgimento de qualquer pintas no corpo.
“Essa doença pode afetar qualquer pessoa, ela tem uma certa aleatoriedade, então qualquer um de nós estamos sujeitos a ela, infelizmente, mas eu chamo a atenção que existe uma correlação também genética com outros tipos de câncer, como, por exemplo, o tumor de pâncreas. Então, existe um tipo de gene que está associado ao tumor de pâncreas e de melanoma”.
O diagnóstico tardio também está relacionado à falta de sintomas iniciais.
“A gente praticamente não tem sintoma nenhum. Não coça, não arde, não dói, não tem sensibilidade. O que a gente deve prestar atenção são nos sinais, que é um crescimento ou alteração do padrão de alguma pinta. Então, falando do melanoma acral, você tem que monitorar a palma da sua mão e a planta do pé. Se surgir uma pinta, principalmente em adultos, uma pinta que não existia ali e ela está se modificando, crescendo, mudando de cor, é necessário ser avaliado com o dermatologista. A gente tem tecnologias hoje para dar um diagnóstico precoce sem ser invasivo, que é a dermatoscopia, para chegar no diagnóstico”.
Segundo o dermatologista, o principal fator de risco isolado para todos os tipos de câncer de pele, exceto o melanoma acral, é a exposição ao sol. Além disso, pessoas de pele muito clara, com histórico familiar de câncer, fumantes e pessoas expostas a substâncias tóxicas têm maior risco de desenvolver certos tipos de câncer de pele.
Avanços no tratamento
Quando diagnosticado precocemente, o melanoma acral pode ser tratado de forma curativa por meio de cirurgia. Para os casos avançados, a imunoterapia tem mostrado avanços significativos, embora seja um tratamento caro e com efeitos colaterais consideráveis.
“Muitos pacientes que não tem plano de saúde acabam não tendo acesso a esse tratamento para melanoma metastático, pois eles também não estão disponíveis ainda no SUS. Então, é um avanço esse tratamento novo. É um tratamento tão revolucionário que os médicos que descobriram ganharam o prêmio Nobel de Medicina. É uma dupla, um americano e um japonês”, alertou Fernandes.
Durante a pesquisa, se descobriu que o tumor melanoma produz uma proteína que engana o seu sistema imunológico e acaba por ajudar no tratamento.
“O seu sistema imunológico vai lá, faz uma varredura, encontra o tumor. Ao acoplar essa proteína, ele pensa assim, esse aqui é dos nossos. Esse aqui não é um invasor e vai embora. O trabalho descobriu essas proteínas e o tratamento bloqueia essa proteína. Portanto, o sistema imunológico do paciente reconhece a doença e ataca a doença. Então, os efeitos colaterais estão associados ao efeito do próprio sistema imunológico, que às vezes parece uma alergia, alergia na pele, alguns sintomas que a gente vai acontecer. Então, por isso que esse tratamento é revolucionário, porque ele é seletivo do próprio sistema imunológico”.
Prevenção é conscientização
Embora o melanoma acral não esteja relacionado à exposição solar, a prevenção continua sendo essencial. Para outros tipos de câncer de pele, medidas como uso de protetor solar, roupas com proteção UV e evitar exposição prolongada ao sol são fundamentais.
Para a doença específica, principalmente pacientes com histórico de câncer de pâncreas na família como já foi mencionado anteriormente, é preciso ficar atento ao surgimento de pintas ou manchas suspeitas.
Além disso, Lucas Fernandes reforçou a importância de campanhas públicas porque o câncer de melanoma acral tem cura, para isso, as pessoas precisam se atentar para os cuidados com a pele e ter mais acesso à saúde básica, a consultadas regulares com o dermatologista.
“O câncer de pele é um câncer que faz muito sentido às campanhas, porque a pele é um órgão que a gente vê e a gente consegue descobrir cedo. As pessoas podem aprender a reconhecer isso”.
Para reforçar o Dezembro Laranja, será lançada a campanha “Todos Contra o Câncer de Pele”, que incluirá mutirões de diagnóstico gratuito e capacitação para profissionais e o público em geral, ensinando como reconhecer os sinais da doença.
Com informações do repórter Ed Santos do Acorda Cidade
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