Andrea Trindade
Neste domingo, 18 de outubro, é comemorado no Brasil o Dia do Médico, e para homenagear essa categoria de grande relevância social, o Acorda Cidade ouviu alguns profissionais sobre os desafios e aprendizados em tempos de pandemia. A começar pela médica intensivista do Hospital Geral Clériston Andrade (HGCA), Jôze Paiva, uma das idealizadoras do ‘Projeto Nós’ criado no hospital durante a pandemia.A iniciativa une ciência e espiritualidade, através de atividades que incluem compartilhamento de textos, áudios e até momentos musicais que proporcionam descontração. (Saiba mais AQUI e AQUI)
Em seu relato, ela contou que atuar em tempos de pandemia é quase como olhar o vírus nos olhos. Leia na íntegra:
Em um dia somos médicos, no outro somos médicos numa pandemia, e uma coisa é certa: ninguém sai da universidade preparado para isso. A pandemia do novo coronavírus trouxe para 2020 algo inesperado a todos, especialmente a esses profissionais de saúde, porque esses, lidam com isso com uma distância tão próxima que é quase como olhar o vírus nos olhos. 2020 trouxe a sensação de fragilidade como jamais havia sido sentida por esta geração nos hospitais.
Por mais que, ao escolher atuar como profissional de saúde todos saibamos da exposição contínua e dos riscos envolvidos. Falo como médica que todos nos sentimos frágeis diante do sistema de saúde, diante da doença, diante da ausência de dados conclusivos iniciais, diante da dor das pessoas que muitas vezes tiveram e ainda tem suas vidas confiadas aos nossos cuidados. E foi no imenso oceano de fragilidade que percebemos mares de força para prosseguir, e aprendemos dia após dia, a levantar e a dar mais atenção para a coragem que ao medo, porque sabemos que, além de precisarem de si mesmas no sentido de se protegerem, as pessoas precisavam de nós ali de pé, firmes. E ao invés de fixar o olhar no vírus, procuramos enxergar as pessoas. Cada uma delas, também frágeis, carentes de atenção, de carinho, de cuidados.
Foto: Sesab
Houve muitas lágrimas em 2020, inclusive minhas, mas também existiram sorrisos. Eu vi a esperança amanhecendo junto com cada nascer do sol e com cada alta dada para alguém que seguia de volta pra casa e podia finalmente rever a família, após dias de reclusão. Foi e está sendo um ano difícil, eu sei, mas também está sendo um ano de muito amor. E isto nos fez chegar até aqui. Isto, o amor à profissão, às pessoas, e a fé, que também tem sido uma bonita companheira nesta jornada.
Perguntaram-me há pouco tempo se eu teria escolhido a medicina, se eu soubesse que teria que atuar em UTI durante uma pandemia viral, estando tão perto do risco de contágio, e de um desfecho que é incerto, a partir de uma possível contaminação. Sorri ao responder, sorri e disse o que penso todos os dias: que teria aceitado mais uma vez o convite da medicina lá atrás na infância, quando ela me escolheu. Sim, foi ela que me escolheu.
E eu decidir que ser médica era o que eu queria fazer todos os dias da minha vida, mesmo antes de saber que medicina era profissão. E não é profissão, afinal, é missão. Assim como todas as outras profissões da área de saúde. Uma missão linda, que nenhuma pandemia é capaz de apagar dos nossos corações a vontade de colocar em prática o que nascemos para fazer, que é cuidar.
Não sei o que o futuro nos aguarda, mas sei que enquanto houver presente estarei junto a tantos colegas exercendo a medicina, acima de tudo como ser humano e como alma que toca outras. Todos os dias, igual sonhei que faria um dia.
Medicina preventiva
O capitão da Polícia Militar e médico generalista do Hospital de Campanha de Feira de Santana, Gileno Júnior, relatou ao Acorda Cidade que aprendeu a valorizar ainda mais a medicina preventiva.
Sem dúvidas esta pandemia é um marco na história da humanidade. Trata-se de uma doença completamente nova e dinâmica. Estas características fazem com que o nosso aprendizado, enquanto ser humano e profissional, seja diário. Nos últimos meses, tenho me dedicado a trabalhar diretamente com pessoas infectadas pelo coronavírus. Assim, no âmbito profissional, aprendi a importância de focar na medicina preventiva, no biopsicossocial do paciente, de examiná-lo dentro de um contexto social, ainda que a formação médica, de modo geral seja baseada na medicina curativa, em tratar doenças cirúrgica e farmacologicamente.
A pandemia, nesse contexto, de maneira incisiva, reforçou essa ideia. Por exemplo, não adianta tratar o indivíduo e não orientar quanto a medidas simples de prevenção, como a lavagem das mãos, uso de máscara e da higienização do ambiente à sua volta. E que o envolvimento com o paciente e seus familiares é inevitável e neste momento entendemos o quão é importante a humanização dos profissionais da área de saúde.
E se tratando de aprendizado enquanto ser humano, algumas convicções foram reforçadas: minha Fé em Deus, ajudar e pensar no próximo – pois quando eu uso máscara, respeito o distanciamento social eu estou evitando a disseminação do vírus e consequentemente pensando no outro. Aprendi a importância dos pequenos momentos e gestos como de um abraço.
Aproximação das famílias
Acredito que todos nós tivemos que nos reinventar para nos adaptarmos a este novo cenário. No geral, esta pandemia aproximou mais as famílias. Ficar em casa forçosamente fez com que as pessoas passassem mais tempo juntos e até se conhecessem melhor. No meu caso, especificamente, tenho ficado muito mais tempo nos hospitais, cuidando e tratando de pacientes infectados pelo coronavírus, do que com os meus familiares. Sinto que como médico tenho o dever de ajudar a combater esta doença. Eu fiz um juramento e estou determinado a cumpri-lo. Minha família tem sentido minha ausência, mas sabem que o motivo para não estar tão presente é plausível.
Cuidados espirituais e físicos
O médico urologista João Batista chama atenção para importância dos cuidados espirituais, simultâneos aos da saúde física. Questionado pelo Acorda Cidade sobre quais foram os maiores aprendizados enquanto profissional e ser humano nesses quase oito meses de pandemia, e ele respondeu que o maior de todos é que a saúde e a paz de espírito são os dois maiores bens que podemos almejar.
A vida é um presente, entretanto, apenas um fio nos separa da morte, que pode ser provocada por estruturas microscópica, tais como as bactérias e os vírus. Aprendemos especialmente a voltar a valorizar os pequenos gestos, que por serem habituais, deixamos de perceber a suas importâncias para o bem estar físico e espiritual. Nada melhor que respirar sem a sensação de falta de ar; nada melhor que ter disposição para dar alguns poucos passos; nada melhor que estar ao lado das que você ama.
Lembrando de Heráclito de Éfeso (Séc. V – a. C.), o mesmo homem não passa duas vezes pelo mesmo rio: ao retornar, nem o homem nem o rio serão os mesmos. Com certeza, meu futuro profissional não será o mesmo. Fruto das apreensões e ameaças a vida, assim como as reflexões frente à conjuntura pela qual passa a humanidade, com fé em Deus, meu futuro profissional será pontuado por muito mais disponibilidade em servir e muito mais gratidão por tudo que recebi ao longo da minha.