Laiane Cruz
O médico Jair Soares, que é especialista no tratamento do Transtorno do Espectro Autista (TEA), destacou na manhã desta quarta-feira (28), em entrevista ao Acorda Cidade, a importância do diagnóstico precoce dessa condição, que afeta uma a cada 160 crianças no mundo, de acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde. Vale ressaltar que a campanha Abril Azul buscou durante todo este mês conscientizar a sociedade em torno deste tema.
Segundo o especialista, que atua na clínica Ideal em Feira de Santana e é referência no assunto, muitas crianças não têm recebido o diagnóstico de forma precoce e por isso ficam sem receber um acompanhamento adequado, que as capacitem a levar uma vida dentro da normalidade.
“Isso é o que nos preocupa mais hoje, justamente porque temos recebido muitas crianças com três, quatro anos de idade sem o diagnóstico. São aquelas crianças bem típicas, bem autistas mesmo, que poderiam estar em uma situação melhor hoje se tivessem feito uma intervenção. Atendemos crianças a partir de 11 meses de idade e hoje algumas que pegamos muito jovens, já estamos preparando alta do autismo, justamente pela qualidade do tratamento que foi feito no início e como a criança se encontra hoje, não temos uma cura, mas a criança não precisa mais de intervenção”, afirmou o médico.
Durante a entrevista, ele salientou que ao primeiro sinal do autismo em crianças é necessário buscar a ajuda de um especialista.
“O paciente pode ter uma melhora ao ponto de não precisar de tratamento mais. Ele fica fazendo um acompanhamento de psicólogo, dando um feedback da situação que está. Uma criança que está na escola normal, que se comunica normal, é importantíssimo, que ao primeiro sinal de autismo, não fique em casa. Procure um médico, um especialista, procure alguém que dê um diagnóstico com perfeição, porque o autismo leve é o mais difícil de ser diagnosticado e há uma negligência muito grande, porque não temos no serviço público profissionais que são treinados para isso. Não temos interesse ainda dos governos de que se bote dentro do posto de saúde, nas primeiras consultas do pediatra, um treinamento mais específico para o autismo. É uma luta nossa hoje.”
Atendimento de qualidade
O médico Jair Soares falou ainda sobre o tratamento oferecido pela clínica Ideal no tratamento de pessoas diagnosticadas com autismo.
Segundo ele, a clínica é um centro de referência e conta com uma equipe multidisciplinar. “Somos exemplo no Brasil, padrão ouro de tratamento do autismo. É a clínica mais referenciada no país, porque ela tem equoterapia, que é a terapia feita com animais, com cavalo dentro do mesmo local; temos hidroterapia, com piscina aquecida e profissionais capacitados, e somos certificados pelo método ABA, que é o método mundialmente conhecido como padrão ouro de tratamento do autismo. Todos esses atributos fazem com que sejamos referência e o tratamento que fazemos é individual, cada criança com um profissional. Fazemos pelo menos cinco atendimentos por turno, a criança fica pelo menos dois turnos por semana. Então ela faria dez terapias por semana, que daria em torno de quarenta ou cinquenta por mês, que é o indicado pelas associações mundiais que tratam o autismo.”
Diagnóstico precoce
Conforme Jair Soares, o diagnóstico e o tratamento precoces são essenciais para um bom desenvolvimento da criança. Os sinais do autismo, segundo ele, podem variar desde pequenas atitudes como uma criança que a partir de um ano de idade ainda não fala, não balbucia, não olha nos olhos, não brinca nem interage com outras crianças, entre outros aspectos.
“O Transtorno de Espectro Autista, como o nome está dizendo, é um espectro que vai desde pequenas atitudes até o autismo mais severo. É uma criança que não se relaciona, não brinca com outras crianças, quando brinca é um brincar diferente, aquela criança que prefere brincar com o carrinho, com a roda do carrinho, ou uma menina que não se interessa com boneca, mas às vezes ela se interessa mais pela perna da boneca; criança que fala muito pouco repetindo as palavras ou que não fala nada. Quando a mãe está amamentando, o normal da criança é olhar no rosto da mãe, transmitindo algum sinal de contato, mas a criança está mamando e olhando para o nada. Então são vários sintomas que temos que avaliar, sabendo-se que o autismo é diagnosticado com uma avaliação clínica e nunca com exames. Não adianta que não vai aparecer na ressonância magnética do crânio o resultado de autismo, o eletroencefalograma também não tem nenhuma alteração de autismo. O exame do Bera, que muitas vezes a primeira coisa que incomoda os pais é a fala “seu filho não ouve”, então vamos pedir um exame Bera de ouvido para ver se ele é surdo, mas aí sabemos que não é surdo, porque quando coloca um som que interessa a criança, ela ouve, ela olha. Eu faço sempre esse teste no consultório.”, explicou.
Graus do autismo
O autismo, de acordo com o especialista, possui graus que vão desde o mais leve até o mais severo. Essa classificação é feita através de algumas avaliações, que são certificadas internacionalmente.
No grau leve, alguns exemplos são quando a criança que não fala, mas brinca; não se relaciona com o outro totalmente, mas também não se afasta. E de acordo com o médico Jair Soares, essa avaliação é feita também conforme a idade.
“Avaliamos desde bebês até crianças maiores. Essa classificação é feita depois de toda a avaliação para ver se a criança apresenta só aqueles sintomas ou, às vezes, um sintoma menor. Porque podem dizer “mas, meu filho fala”, mas ele fala direito? Essa fala dele é uma comunicação? Porque se ele imita só o que você fala, não é uma comunicação. Às vezes, são palavras soltas que precisam ser arrumadas, porque precisa de uma comunicação.”
Já o grau severo pode apresentar, além de movimentos repetitivos, falta total de comunicação, e a criança não mostrar interesse por nada, não olhar, viver apenas no mundo dela.
“É aquela criança que está ali ralando o garfo no portão e aquele barulho para ele é uma coisa que acalma, é como se fosse uma diversão para ele. É aquela criança que não emite nenhum som, porque têm muitas crianças que falam, às vezes atendo crianças de um ano e meio, dois anos, que os pais dizem que não fala, mas ele tem uma tentativa de linguagem, ele fica grunhindo alguma coisa, ali seria uma tentativa de falar, só que não é uma fala. Temos que tratar isso, corrigir, para que a criança que tem o potencial da fala seja estimulada a falar realmente.”
Quais as causas do autismo?
O autismo, segundo o médico Jair Soares, tem um fator epigenético, ou seja, existe um gene que a criança tem e pode passar a vida toda sem que ele seja ativado.
“Temos estudado muito sobre o porquê está aumentando tanto o número de autismo, porque agora tantas crianças pequenas estão tendo autismo. São vários fatores que cremos, mas que não tem uma coisa definitiva ainda. Os estudos genéticos estão ainda muito iniciais para determinarmos, tem o fato epigenético. Às vezes, a criança nasce com o gene do autismo e passa a vida toda sem ter nada para ter esse gatilho. O que temos notado é que, ultimamente, temos tido contato com muitos fatores exógenos, muitas coisas que vêm de fora, alimentos processados, alteração do leite, o glúten tem sido muito pró-inflamatório. As crianças saem da maternidade já tomando leite artificial, que deveria estar tomando o leite materno, e nos meus estudos, porque a Clínica Ideal é uma clínica de estudo do Autismo, só atendemos autismo e temos vários estudos lá, temos estudado que a criança que foi amamentada mais tem autismo mais leve. Isso é uma coisa que pretendemos publicar no futuro, aquela criança que não foi amamentada, que ficou apenas 30 dias, coincidentemente temos visto que tem uma incidência maior do autismo mais severo.”
Em relação a fatores genéticos, o médico Jair Soares esclareceu que se os pais possuem o gene do autismo, há um aumento das possibilidades. Ele, que tem um filho autista de 14 anos, passou a se dedicar ao estudo do autismo, junto com a esposa, que atua como enfermeira obstétrica.
“Na minha família temos três autistas, na família da minha mulher temos dois, fizemos um casamento, provavelmente com risco. Genética é o número, se você tem probabilidade de 80%, por exemplo, se a cada seis autistas, cinco são homens e um é mulher, então é cinco para um. Talvez o gene do masculino tenha uma predisposição maior. Hoje estamos inclusive buscando em um dos estudos provar que o autismo tem uma incidência maior vindo do pai, mais do que da mãe, o gene masculino tem o precursor, hoje temos muitos pais tendo filhos em idade avançada, onde o espermatozoide tem algumas alterações genéticas que propiciam um aumento maior.”
O garoto foi diagnosticado aos 3 anos de idade após apresentar alguns sinais de que possuía o espectro. "Ele, até um ano e três meses, falava papai e mamãe, pedia água, chamava os carneiros, pois nessa época eu criava carneiro. Ele chamava, montava no carneiro, nos olhava, e aí começou a ficar quieto, foi parando de falar e depois parou praticamente e começou a ter alguns movimentos estereotipados, balançando as mãos, rodando, andando na ponta dos pés, parando de olhar para as pessoas. Você chamava e ele não olhava, são os sintomas mais visíveis do autismo."
Diante do diagnóstico do filho, Jair Soares resolveu se dedicar ao estudo do autismo, por não ter encontrado à época profissionais especializados que cuidassem da criança.
"Comecei como cirurgião geral, atuei no Hospital Geral Clériston Andrade, no Dom Pedro, Emec, vários hospitais da cidade, depois eu fui para a área da ultrassonografia e há dez anos eu venho estudando o autismo, por conta de ter descoberto o autismo no meu filho Guilherme, que hoje tem 14 anos, e aí começamos a estudar por não encontrar muitos profissionais que tratassem, tanto eu quanto minha esposa, que também é enfermeira obstetra, praticamente hoje atua como psicóloga, tem mestrado e doutorado nesta área.
Mudamos o foco da nossa vida, mês que vem estou terminando uma pós-graduação em neurologia justamente para termos focado a nossa vida e a nossa família para o autismo", revelou.