Acorda Cidade
Com o aumento de casos confirmados do novo coronavírus no Brasil e em Feira de Santana, que já registra cinco testes positivos, aumentam também as dúvidas da população sobre como proceder para preservar a saúde. A fim de esclarecer os questionamentos, a médica infectologista, Melissa Falcão, esteve no Acorda Cidade nesta segunda-feira (16), onde falou sobre a situação em Feira de Santana, explicou as formas de transmissão, prevenção e como o município está agindo para conter a propagação do vírus.
Confira a entrevista na íntegra:
Acorda Cidade – Ainda há possibilidade de evitar transmissão comunitária do Coronavírus?
Melissa Falcão – Acho muito difícil. Acho que a transmissão comunitária vai ser uma realidade e estamos atentos a esse momento para que todas as recomendações para controle efetivo da disseminação seja feita nesse momento. Não adianta a gente tomar medidas extremas neste momento em que só temos transmissão local, porque no momento adequado de tomar as medidas para a transmissão comunitária vamos ter nos adiantado e isso não vai ter tido nenhum benefício para a população.
AC – A senhora acha que o pico da doença ainda vem?
Melissa Falcão – O pico da doença ainda vem, estamos monitorando. Muita gente pode perguntar “quando é que vai saber quando começou a transmissão comunitária, se só está testando em que tem vínculo epidemiológico, viagem internacional ou contato com caso confirmado?”. Está sendo testado para Coronavírus todas as coletas que estão sendo feitas para a Influenza, suspeita de gripe e que deram negativo para Influenza. Independente do vínculo epidemiológico, as coletas feitas para pesquisar a Influenza estão sendo testadas para Coronavírus exatamente para poder identificar essa transmissão comunitária.
AC – Quando é considerada transmissão comunitária?
Melissa Falcão – É considerado comunitário quando a transmissão passava dentro da cidade, quando você já não consegue identificar o vínculo, não consegue identificar de onde veio essa infecção.
AC – Nesse caso, todos os casos notificados estão sendo analisados?
Melissa Falcão – Sim, se existe suspeita de coronavírus. Vai ser testado primeiro Influenza, se der negativo, testa Coronavírus. Se tem a suspeita de Influenza, se der negativo, testa Coronavírus. Em todas as amostras respiratórias coletadas no momento estão feito testes para os dois.
AC – A senhora tem números em relação as coletas em Feira de Santana?
Melissa Falcão – As coletas estão sendo muitas, o que a gente acha bom, porque não queremos mascarar a realidade, a gente quer saber a realidade. Então a gente pede que todos que tenham viagem internacional que entrem em contato com a Secretaria de Saúde. A gente não tem como saber se não for contactado. Então, quem chegou de viagem que tem qualquer queixa, seja ela respiratória ou qualquer outra queixa, precisa entrar em contato com a gente para fazer essa coleta e necessitamos pedir encarecidamente que a população nos ajude. Sozinhos não conseguimos um controle efetivo, precisamos que a população pare de viajar. Nesse momento de março, de final de abril, a gente pede que todas as pessoas cancelem as viagens internacionais, mas fica muito difícil fazer o controle quando começam a aparecer vários focos diferentes. Então a gente só vai conseguir com a ajuda das pessoas. Vamos pensar neste momento na consciência coletiva e tentar adiar. A principal medida agora é essa. Não só as viagens internacionais devem ser canceladas, mas todas até o final e abril e as viagens para Rio e São Paulo neste momento o Ministério as Saúde já decretou a transmissão comunitária nestas duas cidades do país, também devem ser evitadas e se aconteceram só se for por uma causa extrema que não possa ser adiada.
AC – Inclusive, é por isso que alguns países estão bloqueando os aeroportos porque sabem que as pessoas são teimosas. Quais são as outras medidas que passe pela comunidade para ajudar a conter esse vírus?
Melissa Falcão – Outra medida é que cada uma se monitore e quem tem queixas respiratórias que se afastem, que fiquem em isolamento, tente procurar sair de casa o mínimo possível e tenha etiqueta respiratória, tendo o cuidado com espirro, tosse, cuidado com objetos que toca e que isso não seja disseminado para outras pessoas independente de ser Coronavírus ou uma gripe comum. Fazendo o devido cuidado individual com a restrição com viagens e com a diminuição dos eventos de massa que foi decretado pelo prefeito, a gente consegue diminuir a velocidade da transmissão. A maior questão é que tivemos cinco casos no município, cinco casos sem nenhuma gravidade. A gravidade da doença não é o que nos preocupa mais, o que preocupa é velocidade que essa doença chega para não deixar em colapso o sistema de saúde, isso sim é que pode causar morte.
AC – Têm chegado algumas informações de que as pessoas infectadas em Feira estão circulando normalmente. Existe esse controle?
Melissa Falcão – Isso não é verdade, a gente tem monitorado. Em relação aos pais da paciente, da secretária e a própria, houve muito comentário no bairro, vídeos rolando no WhatsApp e a gente tem ido diariamente na casa dessas pessoas e elas estão muito assustadas também. Por que, assim como teve na vida do primeiro caso, na vida deles também teve uma repercussão grande. Eles realmente estão fazendo todo o controle. O que eu acho que pode estar acontecendo é neste terceiro caso que o irmão parece muito com ele. Quando a gente chegou na casa inclusive, a gente achou que era ele que estava circulando pela área comum no sítio. Mas não, tem um irmão que o pessoal está confundindo e eles estão garantindo que está seguindo tudo certo.
AC – O comunicado que deve ser feito é a Secretaria ou é pessoalmente por telefone?
Melissa Falcão – Temos os telefones da Vigilância Epidemiológica. É importante frisar que não precisa procurar a emergência em qualquer queixa respiratória que tenha, porque vai superlotar a emergência e quem estiver precisando de cuidado não vai ter. Precisa procurar a emergência se tiver falta de ar ou alguma necessidade real de avaliação médica. Se não, pode entrar em contato com a Vigilância Epidemiológica. Não é pra ir até lá, não tem atendimento médico, esse atendimento não acontece lá e é mais uma orientação por telefone do que vai ser feito, onde vai ser feita a coleta e uma orientação real em relação a isso. Os números são (75) 3612-6613 ou 3612-6639 em horários comerciais. Se for a noite ou fim de semana (75) 98150-3347 ou 98170-9460. Funcionamos 24h por dia em esquema de plantão com uma equipe ampla e preparada para atender a todos.
AC – As pessoas que foram infectadas e curadas podem voltar a ter o vírus ou pode transitar normalmente que não tem risco de contaminação?
Melissa Falcão – Após 14 dias da infecção a pessoa está livre para poder voltar a circular normalmente, então a primeira paciente já está liberada, a segunda, se não me engano, hoje já está liberada e os outros vão ser liberados quando completarem os 14 dias da infecção. Em relação a uma nova possibilidade de um novo contágio, isso ainda está sendo bem discutido, é muita coisa nova para ter conhecimento e acredita-se que não possa, mas tem alguns relatos de uma paciente no Japão que já tinha tido, foi isolada e teve novamente o vírus. Não temos uma resposta definitiva nisso e o H1N1 tem mutações pequenas e a pessoa pode se recontaminar.
AC – O pessoal que vem de países que tem confirmação para Feira de Santana estão passando por algum processo de verificação?
Melissa Falcão – Nós não temos acesso a lista de pessoas que saíram e que voltaram para o país. O que está sempre circulando na mídia e solicitando é a ajuda da população para que caso tenha viajado entre em contato com a gente para as recomendações adequadas, já estamos agendando uma reunião com as agências de turismo do município para que sejam feitas as orientações necessárias e que eles repassem as informações de todo mundo que saiu e que voltou para que a gente possa aumentar esse controle. Mas o que a gente sempre tem pedido é a consciência para que entrem em contato com a gente ao retornar de qualquer viagem internacional. Viagem interna ainda não precisa de isolamento, a gente se preocupa mais com Rio e São Paulo que começaram a ter transmissão comunitária, mas em outras cidades do país, nenhuma medida adicional.
AC – O comitê epidemiológico tem psicólogo para acompanhar as pessoas infectadas?
Melissa Falcão – Já aconteceu de ter, em alguns desses casos, a necessidade de psicólogo e a gente disponibilizou um para fazer o acompanhamento em domicílio e todos que necessitarem desse serviço vai ser oferecido.
AC – Em quantos dias os sintomas aparecem?
Melissa Falcão – Mais comum, 5 dias. Se não aparecer nos 5 dias durante o contato, dificilmente vai acontecer. Mas, como há relato de até 14 dias, a gente coloca esse período de quarentena para uma segurança maior. Porém a maioria das pessoas vão apresentar sintomas até 5 dias depois do contato.
AC – O vírus deixa sequelas?
Melissa Falcão – Se tiver uma infecção respiratória grave como qualquer falta de respiração grave pode ficar com sequela pulmonar, sim. Se você tem uma inflamação pulmonar, o pulmão vai ficar com uma cicatriz, uma fibrose que acontece com outra parte do corpo. Aqueles casos de infecção pulmonar grave, com necessidade de UTI, encubação e uma agressão maior ao pulmão, pode acontecer lesão pulmonar permanente assim como a Influenza.
AC – Todos falam no pico da doença até maio, por quê?
Melissa Falcão – É o período mais ou menos de evolução. A gente sabe que é ou outono ou inverno é o período de pico de doenças respiratórias. Depois que elas chegam, tem um período para se instalar e decrescer. Espera-se que nos próximos 2, 3 meses isso suba e desça como aconteceu com a China.
AC – Estamos ainda em grupos fechados de transmissão e a senhora acha que pode chegar a uma transmissão comunitária em Feira?
Melissa Falcão – Sim. Acredito que vai chegar e estamos nos preparando para isso, porque essa é uma realidade provável. É por isso que a gente pede, pra quem for viajar e estiver voltando, pode colocar a sua família em risco. Precisa de uma orientação adequada para ser evitada.
AC – Existe possibilidade de transmissão através da picada do mosquito?
Melissa Falcão – A picada de mosquito é uma grande preocupação pra gente, mas é em relação a dengue e Chikungunya, que continua incomodando a gente e não podemos deixar as outras doenças de lado, negligenciadas por conta do Coronavírus. Mas a picada não transmite Coronavírus.
AC – O vírus é letal para os idosos?
Melissa Falcão – A chance de um idoso pegar uma infecção é a mesma da população em geral, mas idoso tem uma maior chance de ter agravamento, de ter falta de ar, de ter complicação respiratória pela própria idade, após 60 anos a imunidade baixa um pouco naturalmente, assim como o idoso tem presença de mais comorbidades como hipertensão, diabetes, problemas cardíacos, então soma as coisas e o idoso tem mais risco. Os idosos precisam ter mais cuidado. Devem evitar sair sem uma necessidade maior, tentar cada um se resguardar um pouco. Nós temos o seguinte exemplo no município: as pessoas contaminadas, uma tem mais de 60 anos e outra tem mais de 70, os dois tiveram casos leves. Inclusive, desses 5 contaminadas, a evolução maior foi o de 74 anos, porque ele não sentiu praticamente nada. A idade não quer dizer que obrigatoriamente vai ter uma complicação, quer dizer que tem uma chance maior de acontecer.
AC – Gripe comum precisa de máscara para visitar o idoso?
Melissa Falcão – Quem tiver gripado não deve visitar o idoso. Na verdade, precisa restringir a circulação, não entrar em unidades hospitalares, não deve visitar ninguém. Quem tiver com suas queixas respiratórias que procure fazer seu autoisolamento e ficar em casa que isso vai ser muito mais saudável e pensando no bem comunitário.
AC – A população leiga que não estudou medicina, sabe diferenciar gripe comum da gripe do Covid-19?
Melissa Falcão – Nem quem estudou medicina consegue diferenciar. Os sintomas iniciais são bem parecidos. É uma febre, uma tosse, pode ter falta de ar, dor de garganta, dor muscular, dor de cabeça. As queixas são bem parecidas. Pode ser a gripe, ou pode ser o Coronavírus. A diferença vai ser pelo resultado laboratorial e nesse momento ainda consideramos o vínculo epidemiológico. A viagem internacional, o contato com algum contaminado e agora com esse decreto de comunitário no Rio e São Paulo temos que ficar atentos a essas pessoas que estão retornando de lá também.
AC – Aglomeração em ônibus, lojas, escolas. Tem como prevenir o vírus?
Melissa Falcão – Quem tiver que andar de ônibus é inevitável, porque as pessoas precisam trabalhar, precisam andar no meio de transporte. Então, precisam tomar cuidado com essa higiene pessoal ou sentar na superfície que esteja contaminada com o vírus e não colocar a mão na boca, no nariz ou nos olhos e passar um álcool gel em seguida. Não precisa de pânico, a gente precisa é de serenidade. Precisamos de um jornalismo sério, uma imprensa que nos ajude a difundir informações verdadeiras, porque são as informações falsas que geram esse pânico todo e que faz com que a sociedade comece a agir racionalmente de ter atos que não beneficiam em nada, inclusive às vezes até recriminando, agredindo as pessoas que foram contaminadas e quem não tem culpa de nada. A gente neste momento agradece à imprensa, em jornalistas sérios e que estão juntos na prefeitura e com o município para tentar ajuda a acalmar e difundir a informação verdadeira para a população.
AC – O uso de mascara garante 100% de segurança?
Melissa Falcão – Em hipótese nenhuma, não é recomendado o uso de máscara para quem não está sentindo nada ou que não está doente para a prevenção, porque a máscara dá uma falsa sensação de segurança, principalmente porque se você usar essa máscara e não manipular ela corretamente pode contaminar ainda mais. A mascara deve ser usada em pessoas com queixas respiratórias.