Rachel Pinto
A superlotação dos leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) e também de leitos clínicos em Feira de Santana, com pacientes que estão com a covid-19 e outras doenças, é um assunto que preocupa a população e também os profissionais de saúde, principalmente aqueles que estão atuando na linha de frente do combate ao coronavírus. Em um ano de pandemia, a situação voltou a ficar crítica, deixando todos em alerta sobre a gravidade do vírus e para a importância da continuidade dos protocolos sanitários e de distanciamento social.
Na manhã desta quinta-feira (4), o médico intensivista Lúcio Couto, coordenador das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) do Hospital Geral Clériston Andrade (HGCA), participou de uma entrevista no programa Acorda Cidade e compartilhou informações sobre a situação atual da unidade e os principais desafios para garantir uma assistência de saúde de qualidade para pacientes de Feira e de Santana e da sua macrorregião.
Lúcio informou que o HGCA atende a uma demanda de cerca de 120 municípios e a ocupação dos leitos está oscilando diariamente entre 90% e 100%. Ele frisou que, no início da manhã de hoje, a taxa de ocupação estava em 95% nos leitos de UTI. Já nos leitos clínicos, a ocupação constou em 100%.
O hospital conta atualmente com 40 leitos de UTI para covid-19 e 28 leitos são destinados a pacientes com outras doenças. O médico relatou que o fato de ter um leito vazio no HGCA não significa que ele esteja disponível e que a destinação das vagas acontece através da Central Estadual de Regulação.
O médico esclareceu algumas dúvidas sobre o perfil dos pacientes internados e quando é recomendada a internação de um doente na UTI. De acordo com ele, a UTI é voltada para pacientes em estado crítico, que demandam vigilância por 24h e equipe especializada. São pacientes atendidos por profissionais chamados de intensivistas, que têm experiência em quadros graves de saúde.
Foto: Arquivo Pessoal | Coordenador das UTIs do HGCA, médico Lúcio Couto (Foto tirada antes da pandemia da covid-19)
“Na UTI o doente fica monitorizado 24h por dia, sob assistência constante de um médico. É um médico para cada dez pacientes, um enfermeiro para cada cinco ou dez pacientes e um fisioterapeuta para cada dez pacientes. Além de técnico de enfermagem para cada 2 pacientes. O paciente que está mais tranquilo do ponto de vista respiratório, que não precisa necessariamente dessa monitorização, mais intensiva, fica na enfermaria. A enfermaria do HGCA em sua maioria é ocupada por pacientes que precisam de oxigênio, até 3 litros por minuto no máximo, e também por doentes que melhoraram na UTI, tiveram alta da UTI, mas ainda permanecem internados no hospital. O intensivista é o médico que cuida de pacientes críticos. Temos o médico, a enfermeira e o fisioterapeuta intensivista”, explicou.
Fase crítica
Lúcio Couto contou que o HGCA, assim como outros hospitais da cidade, do estado e do Brasil, vive uma fase crítica e não há nem condições de ampliar mais leitos, como muitas pessoas sugerem, porque falta espaço físico e também não há profissionais especializados sobrando no mercado. Para ele, um desafio diário é manter todos os leitos clínicos do HGCA, tanto de assistência à covid-19, como a outras doenças, funcionando de forma adequada. Garantindo a rotação e a assistência de qualidade.
HGCA e o atendimento via regulação
Ele ressaltou que o atendimento no HGCA é através da regulação e que desde o início da pandemia não existe 'porta aberta' para pacientes de covid-19 e nem outras doenças. A não ser que sejam levados através do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e nesses casos entram os pacientes acidentados, vítimas de arma de fogo, arma branca, AVC e outras situações de emergência. Pacientes que sofrem traumas e outas questões são direcionados para as enfermarias do HGCA.
Lúcio declarou que a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Estado recebe pacientes com outras doenças, como aquela pessoa com necessidade de uma cirurgia abdominal, e caso o paciente precise ser atendido por uma equipe de alta complexidade, ele entra no processo de triagem para ser absorvido pelo HGCA.
Leitos de Estabilização
O médico declarou que o HGCA conta com um suporte de retaguarda de 16 leitos de estabilização na emergência, que dão apoio para atender os pacientes que chegam, por exemplo, através do Samu.
Desafios para os profissionais de saúde
Para Lúcio Couto, além das dificuldades com a superlotação de leitos, os profissionais de saúde têm como grande desafio também a exaustão pela carga horária de trabalho, que esgotam o físico, o mental e o emocional. De acordo com ele, vários colegas já chegaram ao limite, e junta-se a isso muitas vezes a tristeza em ver que há pessoas que negligenciam a covid-19, ignoram os protocolos sanitários, o uso de máscaras e participam de aglomerações.
Ele acrescentou ainda que a maioria dos pacientes que chega ao hospital apresenta estado crítico e está intubada.
“Na UTI geral antes da pandemia a média de permanência dos pacientes era de 7 dias de internação por outras doenças. Na UTI covid o doente chega a ficar 12,14 dias em média na UTI. Às vezes, acontece do paciente sair da fase de contaminação da covid, sair da UTI covid e aí vai para a UTI geral. Fica mais dez dias nessa unidade porque ainda precisa do suporte ventilatório, por exemplo”, pontuou.
Pacientes mais jovens em estado grave
O coordenador das UTIs do HGCA afirmou que no começo da pandemia o perfil dos pacientes internados com covid-19 era de pessoas com 70 anos. Mas, cada vez mais, nota-se que esta idade diminui e, segundo ele, o perfil desta semana é de pacientes com 58 anos. O paciente mais jovem que tem na unidade tem 28 anos.
O médico destacou que a população muitas vezes tem uma visão equivocada que os pacientes mais jovens que são internados apresentam alguma comorbidade grave e são muitos doentes. Ele disse que acontece de pacientes jovens terem comorbidades, que não impedem de sair de casa, a exemplo de uma pressão alta controlada, obesidade que não seja mórbida e esses questões podem sim gerar grande risco.
“Quando se fala a palavra comorbidade, o leigo sempre fica com aquela imagem de alguém muito doente. O que a gente está vendo é gente com hipertensão leve, que não tem sintomas, obeso que não é mórbido, não é fora do padrão convencional. São aquelas pessoas que a gente vê todo dia na rua. O alerta fica efetivamente também para a mudança do perfil em relação à idade, e a palavra comorbidade não carrega a ideia de um doente que fica em casa. Pode ter comorbidade, mas é uma pessoa que vive o dia normalmente”, observou
Alteração na saturação e quando o paciente deve procurar atendimento
O médico comentou que um dos sintomas da covid-19 é a saturação, a oxigenação do sangue apresentar alteração. Ele afirmou que o padrão considerado normal é a partir de 94%. A alteração na oxigenação no sangue pode indicar uma dificuldade respiratória ou comprometimento pulmonar.
A saturação pode ser medida com um aparelho chamado oxímetro de pulso, e devem ser levadas em considerações outras questões como, por exemplo, se o paciente respira mais rápido ou sente algum tipo de desconforto.
Ele frisou que o contexto da pandemia tem desencadeado um quadro de ansiedade muito grande nas pessoas e algumas ficam monitorando a saturação inclusive em casa, com o oxímetro de pulso, de forma que ao perceber a mínima alteração, já ficam preocupadas.
O médico relatou que a saturação pode baixar e a pessoa não ter covid. Pode ser outra situação, outra doença e o recomendado é que, ao perceber a saturação baixa e outras alterações, procure o atendimento médico. O profissional, por sua vez, deverá passar outros exames, a exemplo do raio x e da tomografia para avaliar melhor cada caso.
“O paciente que não tem nenhum problema respiratório, não tem enfisema pulmonar, doença pulmonar, obstrutiva crônica, o normal é que essa saturação esteja a partir de 94%. Mas, lógico que esse valor oscila ao longo do dia, se fizer um esforço maior pode cair para 92% e isso é normal. Porém, se acha que a respiração está mais rápida eu aconselho a ir ao hospital e o médico vai examinar se o quadro está agravando ou não. Muita gente está com medo das emergências pelo risco de se contaminar, mas ao mesmo tempo não pode-se protelar essa ida. Uma vez que está doente e uma vez que tem sintomas respiratórios, esse é o maior motivo que a pessoa deve ter para ir para o hospital”, concluiu.