Laiane Cruz
Feira de Santana completa este mês um ano da pandemia de Covid-19. E em meio a tantas perdas e sonhos que foram interrompidos, alguns de forma tão precoce, há também histórias de renascimento, superação e fé. Um desses relatos é o do biológo Alano Calheira Durães, de 43 anos, que no final de janeiro foi infectado pelo novo coronavírus e precisou ficar cerca de 21 dias internado no Hospital de Campanha, em Feira de Santana. Nesse período, o paciente necessitou utilizar a ventilação respiratória após ter 70% do pulmão comprometido, ainda que não tivesse comorbidades que o levassem a esse quadro de saúde.
Foto: Arquivo Pessoal
De acordo com o biólogo, o sintoma inicial da doença foi uma tosse leve, o que fez com que ele procurasse tratamento na UPA da Queimadinha, pensando se tratar de uma simples alergia. Com o passar dos dias, os sintomas evoluíram para febre, dor de cabeça e desconforto respiratório.
“Procurei a UPA e fiz o teste pra Covid, que deu positivo. O médico disse que eu deveria fazer o tratamento em casa e me deixou de sobreaviso, que se eu piorasse, retornasse à UPA para dar entrada na internação. Fui para casa e os sintomas pioraram. No dia 23 de janeiro dei entrada no internamento no Hospital de Campanha e foram 21 dias, sendo 15 dias de UTI e lá foi feito o tratamento respiratório, utilizei máscaras para fazer a ventilação, que eram totalmente desconfortáveis”, relatou o paciente.
De acordo com Alano Calheira, as máscaras esquentavam muito, vedavam o rosto e isso o incomodava bastante. Foi aí que o fisioterapeuta responsável pela equipe sugeriu o uso do ‘helmet’, um capacete de oxigênio que trouxe muito mais conforto para o paciente e o ajudou a superar a doença sem precisar passar pela intubação. O capacete foi desenvolvido no ano passado por pesquisadores cearenses e aprovado pela Anvisa. Tem o objetivo de evitar que os pacientes sejam intubados e também está sendo utilizado em Feira de Santana de forma pioneira pelo Hospital de Campanha.
Foto: Arquivo Pessoal
“Era muito mais confortável e em alguns momentos eu cheguei a relaxar, dormi utilizando o capacete. Comparado aos outros equipamentos, ele era super confortável, e contribuiu para o tratamento. Foram uns dez dias utilizando-o, e minha recuperação deu um salto gigantesco por conta desse capacete. O exercício respiratório ganhava uma evolução muito melhor”, afirmou o biólogo.
Técnica inovadora
Para o fisioterapeuta André Vila Flor, coordenador da equipe de fisioterapia do Hospital de Campanha, o uso dessa tecnologia nos pacientes internados com a Covid é algo fantástico. Ele trouxe o equipamento para Feira de Santana e o primeiro paciente a utilizá-lo foi o biólogo Alano Calheira, sendo a unidade de saúde a primeira do interior do estado a adotar o tratamento.
“Na primeira onda da Covid, nós vimos esse capacete sendo utilizado na Europa. Depois, no Brasil, foi produzido no estado de Manaus e nós trouxemos para Feira essa tecnologia. A princípio eu trouxe para um paciente meu que estava precisando utilizá-lo em casa, pois pacientes pós-covid precisam da reabilitação através da fisioterapia. Só que quando o capacete chegou me deparei com um paciente do Hospital de Campanha, necessitando. Ela vinha usando outras máscaras, só que não são tão confortáveis como o helmet. Ele não aguentava mais e preferia ser intubado. Assim que o capacete chegou falei com ele, e quando colocamos o equipamento, ele disse que ficaria o tempo necessário, pois era muito mais confortável. Ele já vinha há quatro dias usando máscaras e com o helmet ele passou mais dez dias tranquilo até 12 ou 14 horas por dia, sem nenhum desconforto, e isso deu tempo para o pulmão dele se recuperar e ele não precisou ser intubado”, relatou.
Foto: Arquivo Pessoal
André Vila Flor explicou que o dispositivo, que também é chamado de respirador ou bolha respiratória, é utilizado para fazer a ventilação mecânica não invasiva e com ele é possível ofertar oxigênio em pressões que o pulmão esteja precisando sem que o paciente seja submetido à intubação orotraqueal.
“Nessa interface, a gente acopla o respirador nela e consegue dar um conforto maior para o paciente, que consegue ficar mais tempo, mais horas nessa ventilação mecânica não invasiva, até que dê tempo do processo inflamatório causado pelo vírus diminuir e ele possa respirar normalmente. Após esse primeiro helmet, a empresa que administra o Hospital de Campanha, a S3, já adquiriu quatro capacetes que estão em uso hoje e já foram comprados mais oito que até na semana que vem estarão aqui, totalizando 12. Já foram tratados aqui em média 15 pacientes, e evitamos a intubação orofacial de seis pacientes”, comemorou o especialista.
O coordenador explicou ainda que pela média brasileira, quando um paciente é intubado, tem uma média de 95% de não resistir e vir a óbito. Com o uso do capacete respiratório a chance de um paciente morrer diminui consideravelmente.
Foto: Arquivo Pessoal
“Então o nosso objetivo e da equipe médica é não deixar os pacientes irem para o tubo. Hoje com o uso do helmet já evitamos seis intubações de pacientes que tiveram acometimento acima de 70% do pulmão. Logicamente que nem todos os pacientes respondem ao helmet, como qualquer outra técnica, mas nós temos um cenário muito positivo dos seis pacientes que não foram para a intubação por conta do uso do equipamento. Na minha visão foi um instrumento criado de forma bastante produtiva, fantástico, porque o paciente precisa de um suporte ventilatório, que não precisa ser necessariamente a intubação. Então a gente faz o que chamamos de Ventilação Não Invasiva(VNI). A gente se deparava com o paciente não aguentando mais a máscara no rosto e ele acabava sendo intubado. O helmet vem praticamente para zerar isso. Ele não incomoda tanto e o paciente interage melhor com a equipe”, salientou.
Superação e fé
Para o biólogo Alano Calheiros o capacete veio sim para salvar vidas, como a dele por exemplo, e pode substituir o uso de outras máscaras. Apesar de já ter recebido alta, ele ainda necessita da fisioterapia respiratória, mas já se sente muito melhor.
“Estou em casa tendo o acompanhamento fisioterápico três dias na semana e faço exercícios respiratórios. A sensação de falta de ar melhorou bastante e o tempo de internamento afetou toda a minha família, pois todos tiveram Covid, mas foram sintomas leves e eu fui o único que tive a necessidade de internamento. Foi um desespero para todo mundo em casa. Minha esposa teve a Covid com sintomas leves e tinha que tomar conta das crianças. Meu sogro e minha sogra tiveram também, e a preocupação maior era com minha sogra que é cardiopata.”
Calheira venceu a Covid e viu sua fé ser ainda mais fortalecida após passar por essa prova de vida.
Foto: Arquivo Pessoal
“É uma época de terror, de pesadelo, mas também de muita fé. A covid leva nossa dignidade, nossas forças, nosso oxigênio, mas a nossa fé não pode faltar e tem que perdurar nesse tempo de trevas. Pra piorar, tive uma fibrose pulmonar que dificultou meu tratamento, mas estou bem melhor. O apoio da família e dos amigos, tudo isso, foi essencial para dar força e a gente sair dessas condições adversas”, finalizou.
Com informações do repórter Paulo José do Acorda Cidade.
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