A série Adolescência (2025), da Netflix, apresentou um fenômeno preocupante que vai além do uso criminoso de emojis por adultos. Especialistas alertam que os próprios adolescentes estão utilizando esses símbolos “aparentemente inocentes” como ferramentas de violência virtual, praticando bullying, racismo e misoginia em grupos de WhatsApp, redes sociais e aplicativos de jogos.
Dados recentes do Instituto de Pesquisa em Direito Digital mostram que 58% dos jovens entre 13 e 17 anos já receberam ou enviaram mensagens com emojis usados para humilhar, ameaçar ou disseminar ódio, representando um aumento alarmante de 72% desde 2022.
Enilda Aparecida Mendes da Rosa Cáceres, professora do curso de Análise e Desenvolvimento de Sistemas da Estácio, explica que os adolescentes estão criando códigos próprios com diversos significados. “Os mesmos símbolos que parecem brincadeira podem ser armas digitais. Um simples emoji de macaco dirigido a colegas negros, frutas usadas para classificar meninas pelo corpo – como melancia para seios grandes ou cerejas para virgindade – e até combinações como faca com câmera para ameaças de vazamento de nudes. O mais preocupante é que muitos jovens não compreendem o impacto real dessas mensagens, tratando como brincadeira o que na verdade é violência psicológica”, alerta.
Casos reais ilustram a gravidade do problema. Em Goiânia, estudantes criaram um “ranking de beleza” usando emojis de frutas para avaliar colegas. Em São Paulo, um grupo utilizou combinações de macaco com banana para ofensas racistas em stories do Instagram. Já no Rio de Janeiro, símbolos como faca com menina circulavam em grupos como ameaça velada de violência sexual. Essas “brincadeiras” criam cada vez um ambiente instável para esses jovens. Em Ceilândia (DF), teve o caso recente da menina de 8 anos, que a suspeita é que a menina morreu após ter inalado um desodorante após assistir a uma espécie de prova, o Desafio do Desodorante, em uma rede social.
Cuidados que os pais precisam tomar
Do ponto de vista legal, Evely Bocardi de Miranda, professora de direito da Estácio, explica que essas práticas podem ter consequências graves. “Muitos adolescentes não sabem, mas essas brincadeiras configuram crimes. O artigo 20 da Lei 7.716/89, sobre racismo, prevê pena de 1 a 3 anos de prisão. Já o artigo 147-A do Estatuto da Criança e do Adolescente tipifica a violência psicológica online”, explica.,
Para ajudar pais e educadores a identificar e combater o problema, a docente sugere atenção a alguns sinais de alerta. “Mudanças bruscas de comportamento após o uso do celular, utilização excessiva de emojis em contextos inadequados e participação em grupos com nomes ou ícones suspeitos. Em caso de identificação de problemas, a orientação é printar as conversas (mesmo que tenham sido apagadas), acionar a escola e o Conselho Tutelar, e registrar um Boletim de Ocorrência online, possível mesmo sem a identificação prévia do agressor”, orienta.
As escolas têm um papel fundamental na prevenção. Oficinas sobre comunicação digital responsável, criação de canais anônimos para denúncias e parcerias com plataformas digitais para monitorar grupos escolares são algumas das medidas sugeridas. Plataformas como Meta (dona do Instagram e WhatsApp) e TikTok já começaram a reagir, implementando sistemas que identificam e bloqueiam combinações ofensivas de emojis.
Estatísticas complementares mostram a dimensão do desafio: uma em cada três vítimas de cyberbullying não conta aos pais sobre a agressão, segundo dados da Unicef de 2024. Além disso, 80% dos casos começam como supostas “brincadeiras” entre colegas, de acordo com a SaferNet.
Durante as aulas, período em que as interações digitais entre estudantes se intensificam, a advogada reforça a urgência de abordar o tema. “Precisamos falar abertamente sobre o uso ético dos emojis e redes sociais. O diálogo é sempre a melhor solução, pois o que parece uma brincadeira pode deixar marcas profundas e até ter consequências legais”, conclui a professora.
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