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Empresas de telecomunicações, emissoras de TV, entidades da sociedade civil e autoridades regulatórias discutiram hoje a implantação da tecnologia 5G no país em audiência na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados realizada ontem (27). Em meio à falta de definições, o debate mostrou que o assunto ainda demanda a resolução de diversas polêmicas.
Um consenso entre os presentes foi o potencial transformador da introdução desta tecnologia. O presidente da fabricante de equipamentos eletrônicos Qualcomm no Brasil, Rafael Steinhauser, afirmou que o 5G já é uma realidade e vai ter impactos econômicos e sociais “estratégicos”, potencializando, por exemplo, o ambiente altamente conectado que vem sendo chamado de “Internet das Coisas”.
“A comercialização do 5G está mais rápida que a do 4G. Países reconheceram a importância vital que o 5G vai ter e todos se lançaram a colocar redes no ar. O 5G está sendo lançado em todos os países da Europa. O Brasil pode ter chance de ser dos primeiros ou dos últimos da América Latina a lançar. Vai depender de nós. No Brasil ainda nem temos definição exata de como será o processo licitatório e como será licitado o espectro. Sem ele não funciona, pois precisa de muita banda”, ressaltou o executivo da Qualcomm.
O leilão de faixas de frequência para o 5G foi anunciado como uma das concessões do governo na última reunião do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), na semana passada. Entretanto, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) ainda não definiu como o processo se dará.
Na audiência, a superintendente-executiva da Agência, Karla Ikuma, informou que uma proposta para o leilão foi entregue pela área técnica do órgão ao Conselho Diretor. Entre as medidas e obrigações às operadoras vencedoras do leilão, ela prevê atendimento com serviços móveis em tecnologia 4G ou superior em localidades não contemplados por esse padrão atualmente, além de meta de cobertura de 95% das áreas urbanas de cidades com menos de 30 mil habitantes, que atualmente não possuem obrigações de serviço móvel neste tipo de geração.
Outra exigência incluída pelos técnicos da Anatel é a ampliação das redes de transporte por meio da instalação de redes de backhaul (que fazem a conexão entre as grandes redes que cortam o país, os backbones e a oferta do serviço à casa dos usuários, a chamada “última milha”) em fibra ótica de alta capacidade. O relator da matéria na Agência apresentou seu voto no Conselho Diretor, mas outro conselheiro pediu vistas do processo. O encaminhamento do leilão depende, assim, da apresentação desta análise e da votação pelo colegiado.
5G x parabólicas
Uma das polêmicas foi posta pelo representante da Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abratel), Wender Souza. Segundo ele, testes mostraram que o uso de uma das faixas de frequência utilizadas para o 5G, a de 3,5 GHz, gera interferência nos serviços de televisão parabólica (chamados tecnicamente de TVRO). Estes estão em 22,1 milhões de lares em todo o Brasil, especialmente nos rincões do país, onde geradoras de TV de redes de televisão não chegam.
“O problema da vez para dar segurança ao leilão é o que fazer com a TVRO. Precisamos dar uma solução definitiva. Defendemos tirar toda a base receptora da televisão doméstica da banda C [onde é transmitida atualmente e sofreria interferência do 5G] e migrar para banda Ku. Além disso, que sejam distribuídos kits de recepção para a banda ku para população do cadastro único”, propôs o executivo da Abratel.
O diretor de relações internacionais da Ericssson, Tiago Machado, argumentou que outros testes apontaram a possibilidade de convivência entre os dois serviços. De acordo com ele, não haveria risco pois a faixa de 3,5 GHz seria usada no 5G nas áreas urbanas, enquanto o serviço de recepção em parabólica seria sobretudo no interior. “A TVRO seguirá existindo. Outras frequências serão usadas para o campo. Não haverá impacto no serviço de radiodifusão pelo 5G”, comentou Machado.
Disputa geopolítica
Outra polêmica em relação ao leilão brasileiro apareceu de forma tangencial no debate: as medidas restritivas do governo dos Estados Unidos contra a fabricante chinesa Huawei alegando possíveis riscos de atuação do governo chinês por meio destas e a possível pressão para que países aliados, como o Brasil, não adotem tecnologias desta companhia na construção de redes 5G. Deputados perguntaram sobre possíveis riscos decorrentes da participação da Huwaei nessas infraestruturas.
O diretor de governo e relações públicas da empresa no Brasil, Atílio Runi, respondeu afirmando que o grupo é “100% privado”, sem entrar em mais detalhes. Ele ponderou que a Huwaei não participa de leilões, mas fornece equipamentos para as operadoras de telecomunicações. O que já ocorre atualmente com parte das companhias do setor atuando no país.
Citando o estudioso de Tecnologias da Informação e Comunicação, Nicholas Negroponte, Runi declarou que “a política pública [de implantação do 5G] deve ser baseada em padrões objetivos, e não por motivações geopolíticas”, buscando afastar suspeitas sobre eventuais riscos da participação nas redes a serem construídas aqui.
Tecnologia nacional
A coordenadora-executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação, Marina Pita, apontou a necessidade de não discutir a implementação da tecnologia com base em fabricantes, mas aproveitando a oportunidade para promover o desenvolvimento da tecnologia nacional. Citando o caso da China, ela lembrou que o Brasil tem uma pauta de exportações focada em bens primários, enquanto importa muito mais bens manufaturados, como equipamentos eletrônicos.
“É importante o desenvolvimento de tecnologia nacional não só para soberania, mas também para economia nacional. Temos de olhar o que temos de componentes fabricados no Brasil e como pode ser fomentado um ecossistema garantindo que economia brasileira vai se beneficiar da melhor forma possível. O 5G traz benefícios econômicos, mas estes podem ser aumentados se houver investimento no desenvolvimento tecnológico nacional”, observou Marina Pita.