Acorda Cidade
O deputado estadual Robinson Almeida (PT) divulgou, nesta quinta-feira (3), uma análise sobre as eleições em Feira de Santana. De acordo com ele, o processo eleitoral contou com o abuso da máquina pública e manipulação da fé, por parte do grupo adversário.
Leia o relato na íntegra:
Esperei passar o calor da eleição para colocar, em texto, minha reflexão sobre o que aconteceu nas eleições em Feira de Santana. Como coordenador geral da campanha e amigo-irmão de Zé Neto, sei muito bem o peso das minhas palavras. Serei fiel, como sempre, à minha percepção sobre os fatos.
A campanha de Zé Neto ganhou o primeiro turno porque a cidade clama por mudança. Para se ter uma ideia desse sentimento, o candidato a prefeito pelo PT teve o triplo de votos de todos os candidatos a vereadores da sua coligação (120 mil x 40 mil votos). O que explica isso?
Depois de 20 anos de um velho sistema no comando da cidade, o desejo de mudança foi catalisado pela campanha e pela figura de Zé Neto. Uma energia eletrizou a esperança por dias melhores, contagiando ampla parcela da população. Como onda, a mudança se espalhou por Feira, especialmente nos segmentos mais pobres e que habitam a periferia e os distritos do município. Na TV e nas ruas, a campanha bombou: leve, espontânea e apaixonante! A mais bela que eu vive desde a de Wagner governador em 2006.
Abertas as urnas, Zé Neto venceu no primeiro turno na maioria dos bairros periféricos. A zona rural votou em massa nele, assegurando os quase dez mil votos de frente naquele momento. A revelação desses dados, entretanto, mostrou o DNA da mudança, seu público eleitoral e a sua localização geográfica. As pistas para a reação do velho sistema.
No curto segundo turno, Colbert teve o apoio de Zé de Arimateia (PRB) e Carlos Geilson (Podemos), que não levaram seus respectivos vices. Dayane Pimentel (PSL) declarou voto contra Colbert. Os candidatos Beto Tourinho (PSB) e Marcela Prest (Psol) escolheram integralmente Zé Neto. O deputado mais votado em 2018 e da história de Feira, Targino Machado, marchou com Zé Neto. Os vereadores Zé Filé, Luis da Feira e João Bililiu saíram de Colbert para Zé Neto, que também teve o apoio dos vereadores eleitos Jonathas Rasta (Psol), o mais votado da cidade, Galeguinho (PSB) e Emerson Ninho (DC).
Zé Neto não só saiu na frente na conquista de novas adesões, como também em intenções de votos em todas as pesquisas, internas e públicas, realizadas na primeira semana do segundo turno. Até o domingo, 22/11, embora empatadas na margem de erro, as diferenças variavam de 4% a 8% em favor de Zé Neto em cinco pesquisas que tive acesso.
Aí veio a reação em dois flancos.
No domingo 22/11, à noite, me enviaram um zap revelador sobre a estratégia do adversário. A voz de uma senhora indignada e apreensiva revelava o que ocorreu nos cultos daquele dia. Nas suas palavras: “Gente do grupo. Eu fui pra Igreja agora de noite, sinceramente, vim chateada. Porque o comentário que tá na Igreja é que o PT vai fechar as Igrejas, tudo. Então o pastor está jogando todo mundo contra o PT, quer que todo mundo vote em Colbert. Diz que o PT vai fechar as Igrejas, colocar mudança de sexo nas escolas. Estão botando pra lá…”
Estava declarada a “Guerra do Medo e do Ódio”
A utilização de acusações falsas contra o PT é uma prática antiga da direita. Agora, o antipetismo é instrumentalizado por parcelas de igrejas neopentecostais e seus pastores. Combinam-se o ódio e o medo, sentimentos instintivos, para manipular a fé de crédulos fiéis. A fórmula usada como argumento contra a esquerda é, além do fechamento das igrejas, também a ameaça à liberdade religiosa e atentado aos valores morais conservadores presentes na sociedade, como o estímulo à homossexualidade e o ensinamento de práticas sexuais para crianças nas escolas.
Elege-se o inimigo e a guerra é para derrotá-lo. Sem nenhum debate sobre projetos para a população e para o município, esses pastores pregaram para suas ovelhas que o “anti-cristo” não poderia ganhar a eleição. Os cultos daquele domingo e durante a semana, em grande parte daquelas igrejas, deram lugar a uma pregação política eleitoral em favor de Colbert e contra Zé Neto. O bem e o mal, respectivamente, no maniqueísmo religioso neopentecostal.
Essa estratégia se desdobrou. Na segunda e terça-feira, 23 e 24/11, foram-me enviados vídeos de carros de som nos bairros populares de Feira com a mesma toada: “Sabemos que o 13 é totalmente a favor da cartilha gay nas escolas, é a favor do casamento homoafetivo, tudo que é de ruim o 13 apoia. Mas o 15, não. É a favor da família”, afirmava o locutor. As trevas do preconceito saíram de templos neopentecostais e ganharam as ruas de Feira de Santana.
Na quarta-feira, um grande encontro de evangélicos foi realizado com a presença dos deputados federais e pastores Marcos Feliciano (Pode-SP) e Abílio Santana (PL-BA) e do cantor gospel Marcos Antônio. O apoio a Colbert e o combate ao PT foram as razões desse deslocamento de lideranças evangélicas nacionais para Feira de Santana.
Para fechar o ciclo da estratégia pelo voto evangélico, foi colocado em prática o ataque à reputação do candidato. Viralizou o vídeo Fake, que mostrava o pai de Zé Neto abandonado pelo filho. Para complementar, a campanha de Colbert exibiu na sexta-feira, na TV e no rádio e patrocinou nas redes sociais, mais uma Fake News sobre uma “rachadinha” no gabinete de Zé Neto. Sabidamente falsa, a denúncia já tinha sido arquivada pelo MP desde 2013, um ano depois de ser inventada pelo velho sistema contra Zé Neto na campanha a prefeito de 2012. Por ironia, Zé Neto tem a ficha limpa e Colbert já foi preso acusado de corrupção.
Vejam como todos os pontos estão ligados. Da pregação antipetista nos cultos disfarçada de proteção da moral e dos bons costumes, à estratégia de comunicação de massa de ataque à reputação do adversário. Para completar, o encontro com lideranças de ponta do conservadorismo religioso, com o objetivo de nacionalizar o enfrentamento ao PT, à esquerda e aos seus candidatos.
Arrisco a afirmar, em breve digressão, que em maior ou menor intensidade, essa mesma fórmula foi utilizada em todo Brasil contra os candidatos de esquerda nesse segundo turno. Esse movimento, no subterrâneo da democracia, não captado pelos institutos de pesquisas, pode explicar a ascensão das candidaturas conservadoras no dia da eleição. Foi assim em Porto Alegre e Vitória ou mesmo em São Paulo e mesmo em Recife. Foi assim em Vitória da Conquista e Feira de Santana também.
A outra frente da reação do velho sistema foi o uso inescrupuloso da máquina pública. Já o tinham feito no primeiro turno, mas sem a ausência total de limites, como praticaram na reta final das eleições. A distribuição de 26 mil cestas básicas, sem passar pelo almoxarifado central, foi denunciada pelo jornal Folha do Estado. Pululam os vídeos e fotos nas redes sociais com flagrantes de entrega dessas cestas básicas por prepostos da prefeitura já no final do primeiro turno.
A mobilização dos funcionários da prefeitura pra apoiar Colbert não tem paralelo. A máquina pública, por meio de indicações políticas, foi montada nos últimos 20 anos pra atender ao donos do poder e não ao povo. Mesmo sob denúncia de assédio moral, o velho sistema organizou um exército de milhares de terceirizados e de cooperados, de todas secretarias, para se engajar na campanha sob a ameaça de perder o emprego. Desde a obrigatoriedade de colar adesivo em carros, envolver a família na campanha até a sair de porta em porta de vizinhos para pedir o voto, que asseguraria o pão de cada dia. Sem pudor, constrangeram trabalhadores à submissão política.
A secretaria de Educação foi dada a uma vereadora, Eremita, que chantageou Colbert, ameaçando apoiar Zé Neto. O salário dos servidores foi pago, diferente da tabela, antes do segundo turno. Na boca da eleição foram convocados concursados da Saúde. O dia da eleição foi marcado por uma ação deliberada da Secretaria Municipal de Transporte para sabotar a votação com blitzes nos distritos. Até pneus de ônibus, autorizados pelo TRE pra transportar eleitores da zona rural, foram furados.
O velho sistema diminuiu a segunda maior cidade da Bahia a um pequeno município, refém do clientelismo e do abuso do poder econômico.
Alguém pode perguntar: o que foi feito para enfrentar essa guerra híbrida de manipulação da religião e uso da máquina na eleição? Muito foi construído, especialmente com lideranças evangélicas que apoiaram Zé Neto. Reuniões com o candidato e com a presença do Governador Rui Costa. Depoimentos de evangélicos nas redes sociais e TV desmentindo as falsas acusações a Zé Neto não surtiram efeitos de restauração da verdade para esse setor. O público doutrinado votou em Colbert por orientação e obediência aos seus líderes.
O abuso da máquina foi intensamente denunciado, desde o primeiro turno, em inúmeras ações na justiça, que não lograram êxito para impedir a ação eleitoreira de distribuição de cestas básicas e o aparelhamento da prefeitura em prol da candidatura de Colbert. Até mesmo a prisão do superintendente de Trânsito foi pedida no dia da eleição. A Justiça ainda tarda diante de escândalos que mancharam a eleição e interferiram, criminosamente, no processo democrático.
Os métodos utilizados foram sujos, sem ética e sem escrúpulos, para vencer a eleição a qualquer custo. As regras do jogo eleitoral democrático não foram respeitadas, o que torna ilegítima a vitória do velho sistema. Certamente a batalha se desdobrará nos tribunais em busca da reparação da soberania popular, fraudada na sua livre escolha.
A manipulação de religião pra eleição e o aparelhamento criminoso da máquina pública explicam por que a mudança não chegou. Explicam, também, por que o medo e o ódio venceram a esperança e o amor nas eleições em Feira de Santana.
Robinson Almeida é deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores