Orisa Gomes
Embora as próximas eleições sejam ainda em outubro de 2020, as articulações políticas começam bem antes. Para esclarecer aos eleitores e futuros candidatos sobre as mudanças aprovadas na minirreforma eleitoral, o Acorda Cidade ouviu o advogado municipalista, mestre em Ciência Política, especialista em Direito Eleitoral, Constitucional e Administrativo, Allah Góes. A principal mudança, segundo o advogado, é o fim das coligações na proporcional. Ele avalia que o vereadores são o teste para as mudanças, usados como “bucha de canhão”, para posteriormente, se der certo, aplicá-las também nas eleições para deputado.
Leia a entrevista na íntegra:
Allah Góes – Vamos ter eleições ano que vem e, por incrível que pareça, os partidos políticos dos diretórios municipais ainda não se organizaram. Está todo mundo voando com a legislação. E eu digo que até por culpa da legislação. Teve uma alteração dia 17 de maio, porque antes existia uma obrigatoriedade de que todas as comissões provisórias dos partidos fossem transformadas em diretório. Estava todo mundo correndo para ajustar, porque se você não fizesse isso, não iria receber dinheiro do fundo eleitoral e do fundo partidário. Hoje só faz uma eleição através de dinheiro, porque não pode mais doação de empresa, só pessoas físicas e mesmo assim em um limite de 10% daquilo que você declarou no imposto de renda do ano anterior. Então, você ia ficar limitado apenas a isso. Só que o nosso presidente (Jair Bolsonaro) promulgou a lei do dia 17 de maio alterando isso e possibilitando que não tenha mais a obrigação de ter que transformar suas comissões provisórias em diretório. Foi uma coisa que deu um certo alívio. O ruim é que aqueles que se prepararam, que correram para poder deixar o partido redondinho não têm mais o porquê em relação a isso. Mas foi bom para a democracia como um todo, porque grande parte dos partidos, das comissões provisórias, parece que ainda cerca de 80% das agremiações são de comissões provisórias ia ser um corre-corre, porque ia ter até o dia 29 de junho passado para organizar isso.
Acorda Cidade – Quais são as principais mudanças dessa minirreforma política?
Allah Góes – A principal delas é o fim das coligações na proporcional. Não vai mais ter coligação para vereador. Cada partido vai ter que sair sozinho, para poder montar o seu grupo de candidatos e atentar se eleger. Um detalhe que muita gente está erroneamente achando é que agora os mais votados serão eleitos, mas não é assim. Acabaram as coligações, mas a questão do cociente eleitoral continua valendo. Cociente eleitoral é pegar a quantidade de votos válidos e dividir pelo número de cadeiras colocadas em disputa. Aqui em Feira de Santana são 21 vereadores, então vai ver quantos votos apurou na eleição e dividir por 21, aí vai ter o cociente eleitoral. Vamos imaginar, o cociente eleitoral vai dar uns 10 mil votos. A cada 10 mil votos faz um vereador. Se o partido político não atingir esses 10 mil votos, não leva ninguém. Não tem mais aquela história de que vai ter as maiores sobras. As maiores sobras vão se aplicar na segunda rodada, terceira rodada, se o partido fizer o cociente eleitoral. Se você não atingir o cociente eleitoral, esqueça, você está fora. Aí acaba com aquela história. Em toda eleição a gente vê: quem não tem mandato não quer ir para partido que tem vereador, porque acha que vai servir de “mulinha”, ganhar votos para o outro e não conseguir nada. Mas hoje pode acontecer de juntar um bocado de pequenininho, gente com número razoável de votos e acabar não fazendo ninguém, porque não atingiu o cociente eleitoral. Então, o pré-candidato deve ter muito cuidado na hora de escolher um partido político. Mudou a regra do jogo. Pode ser que altere até o dia da eleição, como aconteceu a questão das comissões provisórias. Antes da promulgação da lei do dia 17 de maio, todo partido, todo diretório municipal, toda agremiação tinha transformado em diretório, mudou. Pela legislação, as regras da eleição tem que mudar um ano antes, então temos até o final de setembro para ter algum tipo de alteração com relação a isso. Hoje, a regra é essa, está posta. Acabaram-se as coligações na proporcional, que acabou para vereador e você tem que atingir o cociente eleitoral para fazer um e participar das outras rodadas com as maiores sobras ou menores.
Acorda Cidade – Mas pode juntar meia dúzia de partidos? Isso Continua?
Allah Góes – Não, é isso que acabou. Agora o partido sai sozinho. E o número de candidatos por partido também mudou. Antigamente, quando você se coligava, você poderia até dobrar o número de vagas. Aqui são 21 vereadores, então poderia ir para até 42 candidatos, se coligasse. Hoje mudou. Se fosse sair sozinho antigamente era 150%. O número mais metade, o que seria 32 vagas aqui em Feira de Santana. Agora mudou. A regra é em municípios com mais de 100 mil eleitores, como é o caso de Feira de Santana. Vai para regra de metade mais um. Em Feira de Santana, cada partido vai sair com 32 candidatos. Em municípios com menos de 100 mil eleitores, a exemplo de Riachão do Jacuípe, onde são 13 vereadores, cada partido tem que ter 26 candidatos. E tem que respeitar 30% de vagas para as mulheres. É aquela história dos cuidados. Hoje os partidos têm que procurar mulheres interessadas, porque apesar das mulheres serem maioria, elas estão um pouco desinteressadas pela política. O partido em Feira de Santana pode apresentar até 32 candidatos, só que deles 30% têm que ser reservado para as mulheres. Se o partido não atingir 32 candidatos e colocar menos, vai diminuir proporcionalmente a quantidade de mulheres que vai colocar.
Acorda Cidade – O laranjal em Minas tem a ver com isso?
Allah Góes – O laranjal é aquela história. Você tem hoje uma certa dificuldade com relação a questão de encontrar mulher viável do ponto de vista eleitoral e você recebe o dinheiro do fundo, porque a eleição mudou e agora o financiamento é basicamente público e o privado só de pessoa física com limite de até 10%, que é uma besteira que vai ter para poder estar colocando. Então, como o grosso é do dinheiro público, você recebe de acordo com o tamanho do seu partido, vai receber um determinado valor e dentro desse valor quem determina para qual candidatura vai o dinheiro é o dirigente partidário. Ele vai olhar e dizer: fulano vai ter muito voto, então vai colocar mais dinheiro para ele. Desse recurso, 30% obrigatoriamente deve ser gasto com mulher. Teve mulher com R$ 1 milhão direcionado para a candidatura, só que a mulher teve 200 ou 300 votos, então não justifica. Na verdade o que ele fez? Apenas colocou no papel que o dinheiro era para ela, mas de fato não foi. Aí o Ministério Público eleitoral está vendo o volume de campanhas para olhar se houve gastos que justifique.
Acorda Cidade – Vai ser uma confusão para formar chapa de vereador?
Allah Góes – Vai. E outra coisa é essa questão do financiamento público. Existe uma coisinha que vai ser aplicada nessa eleição com base na passada que é a cláusula de eficiência ou cláusula de barreira. 14 partidos na última eleição não atingiram isso. Tem que ter 1,5% de votos no Brasil inteiro, sendo que pelo menos em 9 estados tenha tido 1% de votos. Partidos grandes e importantes, tipo PCdoB, por exemplo, não atingiram. O PCdoB já fundiu com o PPL e já resolveu esse problema. Hoje ele vai receber dinheiro do fundo partidário, eleitoral e vai ter tempo de televisão. Mas existe uma série de outros partidos que não vão receber, se eles não se fundirem, se não ajeitarem para poder ter essa quantidade de votos, eles não vão receber tempo de televisão nem dinheiro do fundo partidário.
Acorda Cidade – O partido que não conseguiu junta com o que conseguiu e está tudo lindo?
Allah Góes – Está tudo lindo. Agora tem prazo para que isso venha a acontecer. Se ele não obedecer dentro do prazo legal, ele até vai poder disputar a eleição, só que não vai receber dinheiro público e não vai ter tempo de televisão. Se você for candidato em um partido desse, a chance de não conseguir chegar lá é grande.
Acorda Cidade – Como saber se vai estar eleito ou não, no cociente eleitoral?
Allah Góes – O cociente só se fecha depois da eleição. A primeira coisa é ver quantos votos válidos se teve, aí vai ter o cociente eleitoral. Daí vai tirar número de votos por partido, para ver se o partido atingiu o cociente eleitoral e o candidato vai participar das rodadas para ver quantos vereadores do partido vão ser eleitos. A questão é essa: o candidato a vereador vai ter que ficar atento, ir a sede do partido ou se dirigir ao local onde está sendo realizada a apuração, fazer a verificação e acompanhamento e sofrer, porque o que faz um candidato no dia da eleição é isso. (Risos)
Acorda Cidade – Para prefeito a coligação continua, não é?
Allah Góes – Continua. Aí não vai ter problema algum. Vai juntar quantos partidos forem. Só que a tendência que a gente está vendo é que vão ter poucos partidos. Com essa história de fim de coligação, não é mais interessante ter vários partidos. Você vai observar aqueles partidos que atingiram a cláusula de eficiência, de barreira, tempo de televisão, porque muita gente diz: “Ah, mas Bolsonaro não teve tempo de televisão!” Só que aquilo foi um caso, não vai ser regra. Então, antes fazer uma coisa direito do que arriscar. É bom procurar um partido que tem tempo de televisão, que esteja organizado nas suas finanças, nas suas contas, que tenha gente com condições de puxar votos, para atingir o cociente eleitoral, porque senão vai ser aquela história, nadar, nadar e morrer na praia. Já pensou, fazer campanha hoje só com os 10% de doação de pessoa física? Pode acontecer, como aconteceu também no passado. Teve muita gente que colocou para esquentar dinheiro, gente que recebia Bolsa família, que recebia doação que não sabia o que era e hoje pode acontecer de ganhar e não levar ou ficar com uma grande dor de cabeça e desperdiçar os quatro anos do mandato se defendendo na justiça. Tem que ter cuidado.
Acorda Cidade – Se candidato tiver um alto número de votos, mas o partido não conseguir o cociente eleitoral, esse candidato concorre as vagas de sobra?
Allah Góes – Só vai se o partido atingir o cociente eleitoral, aí começam as rodadas. Quem já participou de campanha sabe disso, que vão vir as maiores sobras e o candidato vai entrando até preencher as 21 vagas. Se não atingir o cociente eleitoral, pela regra atual, mesmo com uma sobra grande, não se elege. Então é preciso cuidado na hora de escolher um partido
Acorda Cidade – As urnas são realmente confiáveis?
Allah Góes – Todo ano o TSE lança um desafio aos hakers para poder ver se invadem o sistema e até agora ninguém conseguiu. O sistema é fechado. Pega a Urna eletrônica e antes de começar os trabalhos, é transmitido um boletim de urna, que vai comprovar que todos os candidatos estão zerados e depois é emitido outro boletim de urna, quando se encerram os trabalhos, que é entregue a cada um dos representantes partidários para poder somar e ver se está batendo com o número geral de votos. O sistema é muito a prova de falhas.
Acorda Cidade – Não seria importante uma reforma política mais ampla?
Allah Góes – Com certeza. Me perdoe até a palavra chula, mas usaram os vereadores como “bucha de canhão” para poder fazer um experimento. Se funcionar, vão colocar para deputado, se não funcionar, serviu para vereador, porque essa questão de acabar com as coligações e não permitir a questão dos mais votados vai ser um “samba do criolo doido nessa eleição. Gente vai ficar perdida, mesmo com muito voto não vai conseguir chegar. O “efeito Tiririca”, o deputado que acabou puxando um bocado de gente, que eles queriam acabar, vai continuar. Vai precisar ter um puxador de voto no partido, para poder eleger dois, três, quatro, com pouco voto, porque vai continuar a mesma coisa. Agora, o que se tem que fazer para que se altere e se baratei uma campanha, porque essa não vai ser barata – somos nós através dos nossos impostos que vamos estar bancando o fundo eleitoral e partidário, que vão ser usados nas eleições e vai ser menos dinheiro para se aplicar nos municípios, porque o dinheiro vai para campanha – é fazer uma reforma profunda mesmo, com voto distrital no seu modelo misto ou puro, o que barateia a eleição e aproxima o eleitor do eleito. Uma eleição com voto distrital você pode fazer de porta em porta.