A existência de grupos envolvidos na promoção da criminalidade é uma realidade consolidada no Brasil há anos. Facções criminosas, organizações criminosas, quadrilhas, bandos e milícias desafiam a segurança pública e impactam a sociedade com ações ilícitas que geram milhões em ganhos e, muitas vezes, resultam em atos violentos.
Mas qual é a diferença entre esses grupos? O delegado Yves Correia, coordenador da 1ª Coordenadoria Regional de Polícia do Interior (Coorpin), detalhou em entrevista ao portal Acorda Cidade, as diferenças conceituais entre estes diversos grupos, além de abordar o impacto da lavagem de dinheiro e da atuação das organizações criminosas nas comunidades, bem como as estratégias de combate aos delitos.
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Diferença entre quadrilha, bando e associação criminosa
Segundo o delegado, a legislação brasileira passou por alterações importantes ao longo do tempo, o que modificou a nomenclatura e definições de certos grupos. “Quadrilha ou bando, como era chamado no passado, se referia a quatro ou mais pessoas que se reuniam para cometer crimes. A diferença entre os dois era que quadrilhas atuavam em áreas urbanas, enquanto bandos operavam em zonas rurais. Essa definição foi revogada, e hoje usamos o termo ‘associação criminosa’, previsto no artigo 288 do Código Penal”, explicou.
A associação criminosa é formada por três ou mais pessoas unidas para a prática de crimes, excluindo contravenções penais. Isso distingue a associação criminosa da organização criminosa, que requer quatro ou mais indivíduos, com divisão de tarefas, podendo ter como finalidade tanto crimes quanto contravenções penais de caráter transnacional.
“O que diferencia a associação criminosa para tráfico de drogas é que, nesse caso específico, basta a associação de duas ou mais pessoas. Então, só para recapitular: associação criminosa do tráfico de drogas, dois ou mais indivíduos; associação criminosa, três ou mais; organização criminosa, quatro ou mais”, resumiu o delegado em entrevista ao Acorda Cidade.
Facções criminosas – As facções criminosas, conforme o delegado destacou, estão geralmente enquadradas na ideia de organização criminosa devido à sua estrutura hierárquica. “Elas têm divisões de tarefas claras. Muitas vezes há um olheiro, um soldado e um gerente, cada um com uma função específica no grupo.”
Milícias – Sobre as milícias, o delegado explicou que esses grupos armados operam paralelamente às forças de segurança do Estado e, em alguns casos, contam com a participação de agentes ou ex-agentes públicos. “Inicialmente, eles oferecem segurança na região, mas frequentemente ampliam suas atividades para explorar serviços como venda de gás e, em alguns casos, passam também a traficar drogas, como vimos no Rio de Janeiro”, afirmou. Ele destacou a complexidade de combater as milícias, dado o envolvimento de pessoas ligadas ao próprio sistema estatal.
Estruturas hierárquicas
O delegado também comentou sobre a hierarquia existente nesses grupos. “Há sempre uma divisão de tarefas. Temos gerentes, pessoas que comandam regiões, aquelas que vendem ou transportam produtos ilícitos e até indivíduos responsáveis exclusivamente pela parte financeira.”
Ele ressaltou que alguns integrantes desses grupos são “invisíveis” e muitas vezes estão infiltrados em ambientes sociais que dificultam sua identificação. “Eles não estão armados ou nas ruas, mas são peças-chave na estrutura criminosa. Combatê-los exige investigações aprofundadas e o uso de inteligência policial.”
Alto poder aquisitivo e lavagem de dinheiro
No que diz respeito a lavagem de dinheiro oriundo das práticas criminosas, o delegado Yves Correia explicou em entrevista ao Acorda Cidade que se trata de uma prática recorrente em organizações criminosas, que buscam legitimar ganhos obtidos de forma ilícita, especialmente pelo tráfico de drogas. “O tráfico de drogas gera muito lucro. Eles refinam a droga, vendem para diversas pessoas e geram um lucro altíssimo para os traficantes. Então, eles precisam lavar esse dinheiro, transformar o ilícito em algo que aparentemente seja lícito.”
Segundo o delegado, a movimentação de grandes quantias financeiras permite que os grupos criminosos se estruturem de maneira sofisticada.
“O poder aquisitivo fica alto, e isso exige um combate constante. É por isso que as investigações de inteligência, principalmente na área financeira, são tão importantes. Aqui em Feira de Santana e na Bahia, a polícia civil está evoluindo nesse tipo de investigação, alcançando indivíduos que muitas vezes são invisíveis, mas que causam tanto dano quanto os traficantes encontrados nas ruas.”
Desarticular bases financeiras – O delegado enfatizou a importância de desarticular as bases financeiras desses grupos criminosos, que muitas vezes utilizam a lavagem de dinheiro para ocultar os ganhos obtidos ilegalmente.
“A Polícia Civil de Feira de Santana e da Bahia como um todo tem intensificado ações de inteligência e operações direcionadas para identificar e desarticular essas organizações, seja no campo do tráfico de drogas, seja no combate às milícias e outras formas de criminalidade organizada.”
Impacto nas comunidades
O delegado também falou sobre os reflexos das atividades criminosas nas comunidades. “Alguns grupos têm um modus operandi mais violento, enquanto outros tentam criar uma relação de parceria com a comunidade, mas é uma parceria que não é adequada. Eles não são exemplos para as crianças ou para as pessoas que ali vivem, pois atuam à margem da lei.”
Ele destacou o ciclo vicioso causado pelas drogas, que afeta jovens e famílias. “Os jovens se viciam, e isso pode gerar violência dentro de casa e fora dela, com roubos, furtos e até homicídios para sustentar o vício. A maioria dos homicídios tem ligação direta ou indireta com essas organizações criminosas, como o tráfico de drogas. Esse contexto muitas vezes deixa a comunidade acuada e com medo de denunciar.”
Desafios e estratégias
Conforme o delegado, o combate ao crime organizado exige esforços contínuos e estratégicos. “Precisamos identificar todos os níveis de atuação desses grupos, desde os que enfrentam a polícia nas ruas até os que operam nos bastidores, muitas vezes ocultos da sociedade. Esse é um trabalho que requer integração entre inteligência e polícia judiciária.” A atuação coordenada e o entendimento das diferentes configurações criminosas são, segundo o delegado, ferramentas fundamentais para o enfrentamento eficaz das ações desses grupos.
Muito além de polícia na rua…
Yves apontou que o combate ao crime organizado vai além das ações das forças de segurança.
“Nós, enquanto força de segurança, somos a última opção, ou seja, chegamos quando tudo antes deu errado — quando a educação falhou, quando a família não conseguiu sustentar aquela educação e o jovem acabou indo para o mundo do crime. Por isso, precisamos de ações conjuntas envolvendo escolas, governos municipais, estaduais e federal.”
Ele destacou o trabalho da polícia civil em Feira de Santana. “Somente neste ano, já realizamos 661 prisões. Existe um combate constante, mas é importante que toda a sociedade esteja envolvida para reduzir a criminalidade.”
Integração entre forças e o uso de tecnologia
O delegado enfatizou ao Acorda Cidade, a importância do trabalho integrado entre as forças de segurança e o poder judiciário. “É sempre a melhor opção. Temos reuniões frequentes com diversos órgãos em Feira de Santana, buscando avançar no enfrentamento ao crime. Também realizamos palestras em escolas para oferecer aos jovens uma nova perspectiva sobre o mundo em que vivemos.”
O uso de novas tecnologias também foi destacado como essencial no combate ao crime. “A inteligência é o primeiro passo de qualquer investigação. É necessário investir constantemente para oferecer uma repressão qualificada. Hoje, os ataques digitais estão se tornando mais frequentes, e o Estado precisa estar preparado para enfrentar organizações criminosas, tanto físicas quanto digitais, e oferecer uma resposta adequada,” concluiu.
Com informações do repórter Ed Santos do Acorda Cidade
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