Podcast

Teste de ancestralidade e paixão pela Astrologia: veja curiosidades sobre o feirense que ganhou R$ 300 mil no ‘Quem quer ser um milionário?’

Em entrevista ao Acorda Cidade, Gileno relatou sobre sua ancestralidade, as razões que o levaram a se inscrever no quadro do Domingão e como as viagens pelo mundo o ajudaram na busca pelo conhecimento.

Foto: Ed Santos/Acorda Cidade
Foto: Ed Santos/Acorda Cidade

O capitão da Polícia Militar e médico feirense Gileno dos Santos Cerqueira, que ganhou o prêmio de R$ 300 mil no quadro ‘Quem quer ser um milionário?’, do programa Domingão com o Huck da Rede Globo, esteve na manhã desta terça-feira (20), no programa Acorda Cidade, onde contou sobre a sua trajetória como garoto negro e a infância humilde na periferia de Feira de Santana.

Em entrevista ao Acorda Cidade, ele falou sobre sua ancestralidade, as razões que o levaram a se inscrever no quadro do Domingão e como as viagens pelo mundo o ajudaram na busca pelo conhecimento de si mesmo e da sociedade que o cerca.

“Eu sempre gostei de conhecimentos gerais, de desafios, tenho uma ligação com a Astrologia, sou capricorniano com ascendente em gêmeos, que também aguça essa parte. E eu tenho um carinho muito grande por Luciano Huck, gosto de pessoas que gostam de ajudar outras pessoas. Tudo confluiu para que eu fizesse a inscrição neste programa: durante a pandemia dei muitos plantões, mas também ficava muito em casa e passei a assistir mais o programa. Passava a acertar algumas questões e resolvi fazer a inscrição há dois anos. Há três meses eles me chamaram, passei por um processo seletivo de avaliação psicológica, prova de conhecimentos gerais e muitas entrevistas, isso acontece porque muita gente pode inventar uma história, chegar lá no programa, ser desmascarado e descredibilizar o programa e a rede Globo como um todo”, iniciou o médico.

Foto: Arquivo Pessoal

Segundo Gileno dos Santos, para ser selecionado, ele precisou revisitar toda a sua história, revelar os motivos pelos quais iria batalhar pelo prêmio de R$ 1 milhão. Na carta enviada ao programa, o capitão da PM contou sobre a infância difícil como filho de um vigilante e uma lavadeira de roupas, nascido no bairro Tomba.

Ao olhar a luta de seus pais, as dificuldades, ele sabia que só havia um caminho a trilhar para mudar o seu próprio destino: a educação.

“Eu venho de origem humilde, nasci e me criei no bairro Tomba, em Feira de Santana, filho de pai vigilante, mãe lavadora de roupas, e ao longo da minha vida, sempre acreditei que a forma de romper aquela barreira, a miserabilidade que vivia, era através da educação. E aos 14 anos eu resolvi iniciar a carreira de concursos, fiz para o Colégio Naval, mas não passei. Aos 16, fiz a Escola Naval, fui aprovado com a quarta maior nota do Nordeste, porém fui reprovado no exame médico, porque eu tinha uma condição severa de oclusão dentária, que a grosso modo, chamam de ‘dentuço’, e eles alegaram que eu não tinha condição de usar equipamentos de mergulho, pois poderia ter problemas. Resolvi estudar para o vestibular e passei para Engenharia Civil na Uefs e também fui aprovado para o concurso de oficial da Polícia Militar, na Uneb, e fui fazer Engenharia, aonde tive algumas dificuldades, também não tinha condição de comprar os materiais”, contou.

Diante das dificuldades financeiras e ainda sem ter certeza de que realmente queria seguir a carreira como policial militar, o capitão foi convocado para o curso de oficiais da PM e resolveu aceitar o desafio.

Foto: Ed Santos/Acorda Cidade

“Com isso, resolvi ir para a polícia, abandonei o curso de Engenharia, pois fui chamado. Não era bem o que eu sonhava, mas hoje sou apaixonado pela polícia. Ganhei toda estabilidade, muitas portas se abriram para mim, trabalhava em uma cidade do sul da Bahia e lá despertou o meu desejo de fazer Medicina. Hoje estou como médico, e uma das coisas que me estimulou a me inscrever no programa foi minha vontade de fazer a residência. Venho de origem humilde, me formei e minha família criou uma expectativa acerca de mim, até porque eles me ajudaram a vislumbrar esse horizonte que vislumbro hoje.”

O capitão da PM e médico destacou que compreendeu a luta da sua família, o papel dos seus ancestrais para que os seus sonhos pudessem se realizar.

“Todos os meus ancestrais estão envolvidos: meus pais, meus avós, minha irmã. Nada mais justo que ajudar a todos eles. Me formei e estou ajudando minha família. Preciso e venho juntando dinheiro para poder cursar a residência, porque você precisa se dedicar ao máximo, reduzir o número de plantões e terei que me afastar da Polícia. Então meu objetivo ao entrar no programa foi esse. Hoje eu trabalho na polícia, no Samu, coordenado pela doutora Maisa, e no HTO, sob direção do professor Jodilton. Sou clínico geral e atuo na UTI do HTO, mas quero fazer residência. Passei para a residência de Ortopedia, porém não fui por conta desta situação, que precisa de uma reserva financeira para poder ficar tranquilo, pois o afastamento da polícia é sem remuneração”, afirmou.

Representatividade negra

Foto: Arquivo Pessoal

Sobre a sensação de participar do Domingão respondendo às perguntas do quadro do programa, Gileno ressaltou que foi uma grande realização, além do sentimento de representatividade.

“Eu acho que o sonho de todo jovem é figurar como herói, e ali eu estava me sentindo um herói, representando tudo e todos. Venho de um bairro periférico, de uma família humilde, sou negro, e a gente sabe que essas condições não são defeito, mas são desfavoráveis ao prestígio social. Senti que estava rompendo a barreira do racismo estrutural, representando o povo negro, que é socialmente e economicamente desfavorecido. Teve muito sofrimento, muito sangue e muito suor dos meus ancestrais para eu chegar aonde estou hoje. A avó da minha bisavó foi escrava, então teve o suor dela, essa luta, e teve os esforços dos meus pais. E Deus, muita fé”, avaliou.

Ele falou ainda sobre a dificuldade que a população negra tem, mesmo nos dias atuais, de ascender socialmente.

“Temos vários sintomas (na sociedade). Por exemplo, por que a maior população carcerária é negra? E por que quando a gente chega em um restaurante bacana não encontra muitos negros? Salvador é a maior cidade negra fora da África, com 85% da população negra, e não conseguiu eleger um prefeito negro até hoje. Fica essa pergunta. É a questão do racismo, que foi se estruturando ao longo do processo de formação do Brasil e que tem uma estratégia muito forte, sutil e quase ninguém percebe, como na Literatura de Monteiro Lobato, onde existiam personagens negros, mas em condições subalternas. Eu estava no Rio de Janeiro, apreciando a exposição ‘Um Defeito de Cor’, que fala basicamente do racismo, o processo de escravatura, com perspectiva e história contada pelo negro. Porque até a nossa história é contada pelo colonizador, então ele conta da maneira que quer. Vemos um recorte da parte escravizada até os dias de hoje, mas não falam do que aconteceu com os negros antes. Não contam que o negro criou a filosofia, a arquitetura, que tudo veio do Egito e todos aqueles filósofos da Grécia beberam do conhecimento do Egito, da cidade de Alexandria, e levaram para o Ocidente. Mas dizem que todo o conhecimento saiu da Grécia e de Roma. Não discordo que eles tenham produzido conhecimento, mas eles têm que reconhecer que tudo veio da África, até a origem da vida. Então existe um termo chamado Epistemicídio (morte do conhecimento), que é a negação do conhecimento de uma raça, e a arma do racismo estrutural é essa: negar que nós temos conhecimento, para poder escravizar, manipular”, discorreu o capitão.

Viagens

Gileno dos Santos Cerqueira já visitou 29 países, e foram essas viagens que o ajudaram a obter conhecimento para responder ao quadro de conhecimentos gerais.

“Em uma das perguntas, eles queriam saber os nomes dos três Reis Magos. E eu só pude responder porque fiz uma viagem ao Egito, no Cairo, e visitei a gruta onde a família sagrada Maria, Jesus e José ficaram escondidos temendo a ira de Herodes, e os reis Magos que ajudaram eles a fugir. E a pergunta também de qual cantor contracenou com Anitta em um clipe. Eu só sabia também, porque viajei muito pela América Latina e esse cantor Maluma é muito conhecido”.

Mas, as viagens feitas pelo médico o auxiliaram, não só para responder às perguntas do quadro da Rede Globo, mas a entender suas origens, sua ancestralidade, sua essência.

“A gente vai sofrendo um pouco do racismo à medida que vai ascedendo, socialmente falando, porque você começa a incomodar o branco e ocupar espaços que teoricamente seria designado somente para eles. Com todas as minhas conquistas venho sofrendo mais esse racismo estrutural, e descobri que uma maneira de combater é se fortalecendo, se reconectando com sua ancestralidade. Então em meio a esse processo de reconexão, fiz algumas viagens para a África, buscando conhecer minha ancestralidade, de onde eu vim, que me daria mais forças. E nessas viagens descobri que existe um teste de ancestralidade e fiz dois de um laboratório brasileiro e um americano. Nesse teste eu descobri que tenho 56% da minha genética nigeriana, da Costa da Mina, do Golfo do Guiné, Togo, Mali, e 16% da minha genética é queniana. Tanto que quando fui agora para o Egito, em janeiro, muitas pessoas me perguntaram se eu era Núbio, uma etnia africana, que fica basicamente no sul do Egito, Uganda e pega um pouco do Quênia, então bateu com o teste de ancestralidade que fiz”, revelou.

Mudança de nome

E por conta desse reencontro com suas origens, em meio à busca pelo seu fortalecimento espiritual e pessoal, veio o desejo de mudar o seu sobrenome.

“Como eu me identifico mais pelo meu biótipo como queniano, resolvi escolher um sobrenome queniano. Meu nome é Gileno dos Santos Cerqueira Júnior. Dos Santos e Cerqueira são sobrenomes portugueses, que os colonizadores davam aos escravos para poder marcá-los, como se fossem bois. Então para ir de encontro a toda essa ideia colonialista em relação aos negros, quero tirar o ‘Dos Santos’ e colocar o sobrenome ‘Mugambi’, que é uma palavra do idioma Suaíli, que é um dos dialetos oficiais do Quênia, que significa ‘Rei’, então me identifico muito com esse nome. E meu nome será Gileno Mugambi Cerqueira. Vou ter que mudar os documentos. Tem uma lei que foi sancionada em 2014 no governo Dilma, que dá direito aos afrodescendentes de colocar pelo menos dois sobrenomes de sua origem”, contou o participante do ‘Quem quer ser um milionário?’.

Ouça o podcast no player abaixo. O Escuto Cá Ente Nós também está no Spotify, Deezer e Google Podcasts. Siga @escutocaentrenos e @acordacidade no Instagram  e no Facebook para acompanhar as gravações ao vivo ou, se preferir, inscreva-se no canal do YouTube.

Siga o Acorda Cidade no Google Notícias e receba os principais destaques do dia. Participe também dos nossos grupos no WhatsApp e Telegram

Inscrever-se
Notificar de
11 Comentários
mais recentes
mais antigos Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários