Feira de Santana

Ministério Público investiga processo de municipalização em Feira de Santana; saiba mais sobre as mudanças

No total, seis escolas foram municipalizadas.

Gabriel Gonçalves

O termo municipalização esteve presente entre as principais manchetes dos jornais nos últimos dias, devido às inúmeras manifestações que estavam sendo realizadas na cidade, contra a municipalização de algumas escolas da rede estadual.

No último dia 18 de fevereiro, foi publicada no Diário Oficial do Estado a portaria orientando a transferência de seis unidades de ensino do estado para o município.

O convênio de cooperação técnica torna municipalizadas as escolas estaduais Agostinho Fróes da Mota, localizada no centro da cidade; Edelvira de Oliveira, no bairro Queimadinha; Fabíola Vital, bairro Campo Limpo; Reverendo Severino Soares, bairro Gabriela; São João da Escócia, na Avenida Maria Quitéria, e Doutor Gamaliel, no bairro Panorama.

Diante destes processos, o Ministério Público está investigando todas as municipalizações que estão acontecendo no município.

Ao Acorda Cidade, o promotor de justiça Audo Rodrigues explicou que a investigação tem como objetivo identificar se as mudanças com as municipalizações estão afetando os estudos dos alunos.

"O Ministério Público começou a investigar e solicitou, dos dois entes envolvidos, esclarecimentos necessários para fins de verificação, se estas municipalizações, que estão sendo propostas, atendem aos interesses dos alunos e não iria por em risco qualquer qualidade de oferta de ensino no município, seja pelo estado, seja pelo município. Neste sentido, já estamos caminhando para a fase final das investigações", explicou.

Ainda segundo o promotor, existe uma peculiaridade nas escolas Edelvira de Oliveira e Agostinho Fróes da Mota.

"Além do Ensino Fundamental, que é do 6º ao 9º ano, essas escolas também ofertam o Ensino Médio, que são o 1º, 2º e 3º anos. Nesta situação, a responsabilidade do Ensino Médio continua a ser do Estado, porém como estas duas unidades foram municipalizadas, é necessário que exista uma disponibilidade de outras escolas que oferecem o Ensino Médio ofertarem vagas para estes alunos, onde as unidades serão municipalizadas. Desse total, temos aí 231 alunos em uma escola e 118 em outra, onde estes alunos foram relocados para outras unidades que ficam mais próximas das residências, e neste caso, as vagas foram ofertadas no Instituto Gastão Guimarães e Colégio Modelo Luiz Eduardo Magalhães. Estes estudantes terão a opção para ir para estas unidades ou não, mas o propósito do Ministério Público é verificar se estes alunos destas duas escolas que foram municipalizadas estavam efetivamente contemplados com a oferta de vagas em uma outra unidade mais próxima da sua residência", concluiu.

Em entrevista ao Acorda Cidade, a professora graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) e Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), Antônia Almeida Silva, explicou o que significa o processo de municipalização.

Foto: Ed Santos/Acorda Cidade

"Esse debate começou ainda no século passado e desde o manifesto dos pioneiros da educação em 1932 que se discute a descentralização. Então o principal significado da municipalização é no sentido de buscar um esforço de colaboração entre os entes federados e distribuição de poder, então o significado maior seria este. No entanto, ao longo dos anos, o termo municipalização, ele permanece, mas ele vai ganhando outros sentidos. Então não há um sentido que pode ser aplicado de forma única, é preciso contextualizar sobre quem está falando, quais são os interesses e qual é a visão de educação que está em cena", disse.

Qual o principal objetivo?

Segundo a professora Antônia, a municipalização tem como grande objetivo descentralizar os poderes.

"O principal objetivo na concepção original seria distribuir poder, descentralizar um poder. Mas por qual motivo fazer isso? Seria uma ação cooperativa entre União, Estados e Municípios para assegurar o direito à educação. No entanto, no contexto atual, o que nós temos assistido como municipalização, na verdade, não é distribuição de poder, mas transferência de uma responsabilidade, que é outra coisa, uma transferência de responsabilidade que quer dizer o quê? Deixar de fazer e transferir para outro. Então neste sentido, a gente pode dizer que há um significado alterado do termo municipalização ou com um viés político deferente. A municipalização se fortaleceu mais como prática de gestão no contexto do regime da ditadura civil-militar implantada no Brasil a partir do golpe de 1964. Desde então, ela ganhou essa conotação de transferência de responsabilidade e, no momento atual, a gente pode dizer que essa municipalização traz algumas implicações para a comunidade, como por exemplo, a surpresa, o descontentamento, mas como eu estava dizendo, isso tem a ver com uma escolha política. A municipalização não ocorre no Brasil inteiro e da mesma forma, a gente pode observar, por exemplo, que esta é uma ação que tem se centralizado mais na região nordeste, justamente uma das regiões em que os indicadores educacionais são mais baixos e que demandaria mais investimentos", explicou.

Quais são os impactos positivos e negativos com o processo de municipalização?

"Os impactos negativos são de ordens políticas quando os municípios se veem obrigados a assumir mais atribuições, e eu não digo isso apenas pensando em Feira de Santana, mas pensando que a Bahia por exemplo tem 417 municípios e boa parte dos municípios dependem de outros apoios, de subsídios para sobrevivência. Então é muito negativo para o município que não tem como se manter ou como manter o investimento continuo equilibrado com a educação, seria positivo se fosse um esforço de colaboração de participação coletiva e colaborativa entre o Estado União e o Município".

A municipalização está prevista em Lei?

"A Lei de Diretrizes e Bases não determina a municipalização, ela determina atribuições entre os entes federados. Então compete ao município a responsabilidade prioritária, mas não exclusiva com atendimento da educação infantil e ensino fundamental. O ensino fundamental é a principal responsabilidade do Município. Os Estados têm como responsabilidade prioritária o ensino médio e a União a coordenação da política nacional de educação superior, mas em nenhuma dessas etapas, o nível da educação a gente fala de exclusividade, então não há imperativo que de que apenas o município possa se preocupar com o ensino fundamental. O Ensino Médio é hoje uma etapa da educação básica que mais precisa de atenção para assegurar um fluxo educacional e uma atenção diferenciada para assegurar o direito à educação básica. A educação básica compreende a educação infantil no ensino fundamental e o Ensino Médio essas três etapas completam o que é chamado de educação básica. Desde 2019 a educação básica passou a ser definida também como direito público subjetivo, ou seja, ela é obrigatória também e o ente responsável, é passível de responsabilização, então é prioridade sim, investir na educação no ensino médio porque se trata de um direito e de um dever de ser assegurado e nós temos no entanto, que trabalhar com a melhoria do fluxo escolar desde o ensino fundamental porque há uma diferença muito grande entre a matrícula no Ensino Fundamental e o Ensino Médio. Quando pega a matrícula em termos numéricos, ela é muito grande no Ensino Fundamental mas proporcionalmente ela não acompanha esse mesmo tamanho quando chega no Ensino Médio, então há uma necessidade, uma urgência de se priorizar ações para assegurar fluxos e qualidade da educação no Ensino Fundamental, e isso isso resulta também, em bom fluxo e a garantia do direito educacional no Ensino Médio", contou.

 

Com informações do repórter Ed Santos do Acorda Cidade

 

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