Em entrevista coletiva, nesta segunda-feira (5), o médico ginecologista e obstetra Phelipe Balbi Martins, que atua há três anos no Hospital da Mulher, em Feira de Santana, se pronunciou sobre o caso de homofobia ao qual sofreu neste domingo (5), enquanto prestava atendimento a uma paciente gestante durante a sua escala de plantão na unidade.
O caso ganhou grande repercussão neste domingo (4), após o colega de trabalho de Phelipe Balbi, o também médico Carlos Lino, denunciar o crime nas redes sociais. Insatisfeito com o tratamento dado ao amigo, o profissional, que também é ator, finalizou o atendimento com a paciente, utilizando uma peruca e maquiagem. (Leia mais aqui)
Conforme Phelipe Balbi, ele prestou o atendimento à paciente normalmente e ao finalizar pediu que ela aguardasse no corredor do lado de fora do consultório para realizar os exames solicitados, quando ouviu a gestante declarar que não gostava de ser atendida por uma pessoa homossexual.
“Prestei o atendimento, como presto para qualquer paciente do hospital. Baseado nas queixas, a gente direcionou o exame físico, solicitei alguns exames laboratoriais e de avaliação fetal, e solicitei então que ela aguardasse no corredor para realizar esses exames. A partir do momento que ela foi ao corredor, sentou nas cadeiras na porta do consultório, no corredor e referiu para as outras pacientes: ‘Eu odeio ser atendida por homossexual’. A outra paciente ainda questionou que daria para eu ouvir. E ela falou não. Ouvindo o que ela falou, levantei de onde estava e falei para ela: ‘Homofobia é crime, preconceito é crime e desacato ao funcionário público no exercício da profissão também é crime. Sou ‘viado’ por opção e sou médico também.”
Após ser chamada a atenção, conforme o médico, a paciente permaneceu calada e não se retratou.
“Ela ficou calada e não me pediu desculpas por nada do que tinha feito. Ela não considerou que isso era um crime. Graças a Deus pela equipe, trabalho aqui há 3 anos e nunca sofri nada do tipo. Me deram água, fiquei muito nervoso, me recuperei e terminei de preencher o prontuário do atendimento.”
Phelipe Balbi Martins destacou que no dia a dia é comum vivenciar situações de preconceito, porém isso nunca tinha acontecido enquanto exercia sua profissão.
“No dia a dia às vezes a gente ouve uma piadinha aqui e outra ali e vai levando para não procurar confusão. Mas como fui ofendido ontem nunca tinha acontecido comigo. A discriminação é uma coisa comum, que parece que não acontece, mas a gente vivencia todos os dias. Estou usando minha voz como médico, ginecologista e obstetra para poder reivindicar os direitos de toda uma sociedade que passa por isso todos os dias e muitas vezes não tem essa voz, essa oportunidade de dar entrevista, cobrando o respeito que a gente também entrega para a sociedade.”
Ele comentou ainda que não esperava outra reação do colega Carlos Lino, por serem amigos próximos e estarem envolvidos na defesa dos direitos da população LGBTQIAP+.
“Não esperaria menos de Carlos Lino, pois desde que estou aqui somos muito unidos e a gente apoia muito a questão da diversidade. Ele viu que precisava demonstrar para a paciente de forma educada e respeitosa que estávamos insatisfeitos, decepcionados com o que a gente tinha recebido. Eu levei o caso para a delegacia, principalmente porque a gente quer ter voz perante a sociedade. Eu sou o porta-voz de muitas pessoas que não têm a voz que estou tendo para falar. Quero, óbvio, a retratação dela, não somente a mim, mas a todos os homossexuais que ela ofendeu. Uma retratação pública, que ela aprenda com isso e se torne uma pessoa melhor. A gente não obriga ninguém a conviver com a gente, a nada, mas que pelo menos nos respeite, principalmente quando estamos desenvolvendo o nosso trabalho. Sou médico há 7 anos e há 3 anos e meio formado como ginecologista e obstetra”, ressaltou durante a coletiva.
O médico ginecologista e obstetra Carlos Lino, que utilizou a peruca para atender a paciente, ressaltou que tomou a atitude para chamar a atenção e dar um choque nela.
“Eu cheguei ao consultório e identifiquei duas pacientes, com seus acompanhantes, e as abordei muito carinhosamente no corredor. E ela falou que já tinha sido atendida, e eu falei: ‘Não, porque o médico viado acabou de sair para fazer a denúncia na delegacia e outro viado chegou’. Ela tentou se explicar, e eu saí para o consultório. O que aconteceu foi que ao longo da manhã eu fui percebendo uma cadeia de agressões que ela cometia, e uma colega do pré-natal disse que também tinha sido agredida por ela em um posto no Tomba, com falas, e fui tomando corpo, também com a comoção dos funcionários do hospital, então resolvi dar um choque nela.”
Carlos Lino enfatizou que mesmo estando sob forte comoção não maltratou a paciente e buscou conversar com ela de forma acolhedora.
“Eu sabia que a peruca estava na casa de Phelipe e falei que estava mandando um carro de aplicativo buscar que iria usá-la no hospital, pedi um batom emprestado. E a paciente não ficou chocada quando me viu de peruca, talvez porque já tinha me visto antes, e então eu já mostrei a que vim. Ela estava super tranquila no corredor e quando ela chegou à consulta, não ficou estarrecida com nada, prosseguimos com a consulta obstétrica normal e conversamos depois, orientei que seria de bom tom ela pedir desculpa ao colega caso achasse interessante. E disse a ela que quem estaria no plantão caso o parto fosse naquele dia seria o homossexual, o pai e a irmã dele. Foi um dia muito forte e não imaginava que seria essa repercussão toda. Mas o que quero dizer é que a gente não vai combater a homofobia com discurso de ódio, e sim realmente aplicar essa questão toda dos princípios universais de amor, gratidão, empatia, e só assim a gente vai conseguir vencer essa batalha”, relatou.
O profissional disse que esta foi a primeira vez que um colega sofre esse tipo de situação dentro do hospital, mas reconhece que a homofobia permanece de forma contínua na sociedade.
“Esse foi o primeiro caso que vivenciamos nesta magnitude, porque a homofobia está na sociedade diariamente. Existe uma hostilidade, pois o mundo está programado para ser heteronormativo e é uma coisa que foge do padrão das pessoas, e algumas não têm esse nível de lucidez para abordar esse tema, e muitas vezes se defendem do assunto e dar a cara a tapa. Já cheguei em uma etapa da minha vida em que me provei socialmente, culturalmente, então me senti à vontade para exercer e ainda assim chocado. Eu quero acreditar em um mundo em que a identidade sexual das pessoas não interfira, que não pese e não haja nenhum julgamento. Ninguém é melhor do que ninguém. Somos individuais e singulares”, declarou Lino.
Segundo a advogada Mariana Pamponet, que está cuidando do caso, ela irá analisar de que forma o médico poderá ser indenizado pela situação.
“Primeiramente, a gente não tem noção da condição social da paciente. Como eu falei no processo indenizatório, nossa ideia é que a indenização nem seja convertida para o doutor, se possível que seja convertida para uma associação, que trabalhe com o público LGBTQIAP+, e que se possível que ela seja coagida, a Justiça determine, que ela participe de algum tipo de programa de apoio à comunidade, porque a ideia é que ela mude esse pensamento. A homofobia, pela pena se enquadraria em um crime de menor potencial ofensivo, nem sei se vai caber nenhuma transação penal para ela, mas que seja tratado com o devido rigor, porque esse tipo de ocorrência, essas manifestações não podem acontecer, principalmente dentro do hospital”, explicou.
Neste domingo, a Fundação Hospitalar de Feira de Santana emitiu uma nota de repúdio em apoio e solidariedade ao colaborador. a Fundação Hospitalar de Feira de Santana, reiterou que Homofobia é crime e não irá tolerar nenhum preconceito.
Com informações do repórter Ney Silva do Acorda Cidade.
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