Discurso de ódio

Após ataques a escolas, cientista social alerta para aumento dos discursos de ódio e morte entre os jovens

Conforme o estudioso, o discurso extremista é centrado no ódio e na incapacidade de diálogo com o diferente.

atirador em barreiras
Foto: Reprodução/Redes Sociais

Na última segunda-feira (26), a Bahia ficou em choque com o ataque a uma escola no município de Barreiras, região oeste do estado, praticado por um adolescente de 14 anos matriculado na unidade. O jovem, responsável pelo ato extremista, entrou no local atirando. Com ele também havia armas brancas, como facas, facões e canivetes. Uma estudante de 20 anos foi assassinada a tiros e golpes.

O autor do crime participava de grupos extremistas em redes sociais. Nas postagens, segunda a polícia, ele declarava os seus planos e dizia que se tornaria um ‘sancto’, uma espécie de herói dentro do extremismo.

Na terça-feira (27), outro estudante adentrou uma escola na cidade de Morro do Chapéu, e no vestiário trocou a farda por uma roupa preta com capuz. O garoto entrou na sala de aula com materiais inflamáveis, golpeou a coordenadora e ateou fogo no local, que ficou destruído com as chamas. Professores e funcionários conseguiram retirar os estudantes das dependências da unidade.

Ambos os casos estão intimamente ligados ao discurso de ódio que cada vez mais vem ganhando força entre os jovens, sobretudo pela facilidade de se conectarem com outros através de grupos nas redes sociais, onde compartilham mensagens de cunho racista, pautadas no autoritarismo e na ideia de extermínio daquilo que difere dos seus conceitos.

Em entrevista ao Acorda Cidade, o sociólogo, professor universitário e cientista social Ricardo Aragão, que atua em faculdades de Feira de Santana, esclareceu que o discurso extremista é centrado no ódio e na incapacidade de diálogo com o diferente.

“Do ponto de vista do extremista, pautado no autoritarismo, o diferente é o inimigo, alguém a ser exterminado, logo o discurso do extremista é também de morte e de extermínio. É uma característica da juventude buscar identificação, buscar modos de tentar se situar no mundo, e o fenômeno das redes sociais, que trabalham em cima de algoritmos, tendem a reforçar esses sentimentos de identidade baseados na exclusão. A pessoa fica presa no seu grupo, geralmente tem seus discursos, suas certezas, seus preconceitos reforçados pelo sentimento de grupo produzido pelo algoritmo da rede social e isso tem influência nos jovens”, avalia o cientista social.

Sobre o fato de esses grupos mirarem principalmente na escola para praticarem esses atos de extremismo, Ricardo Aragão observou que é nas instituições de ensino que os jovens são levados a conviver com quem é diferente, ou seja, é um local onde há diversidade.

“A escola se torna o alvo, porque é lá que ele encontra o diferente, encontra discussão de suas ideias e esses discursos extremados não aceitam diálogo. O extremista parte da ideia de uma verdade única.”

Símbolos dos extremismo

Tanto o termo ‘sancto’ quanto o número ‘88’ são símbolos de identificação com grupos extremistas. O sancto vem de uma teoria católica de que a santidade é uma separação, destacou o sociólogo.

“Ele está dizendo que se considera diferente, separado e que não pertence àquela massa de gente que ele odeia. O 88 é uma referência a um símbolo nazista, que também parte do princípio de que são seres superiores em relação à maioria, que deve ser exterminada. É por isso que a defesa de um partido nazista é crime no Brasil, porque o paradoxo da tolerância nos ensina que se você tolera o intolerante, ele te mata, por isso não é possível partimos do princípio da existência de um partido que projeta uma ideologia que prega a morte do outro, que não prega o diálogo”, reforçou.

Conforme o pesquisador, a democracia é o regime do diálogo e essas pessoas foram expostas na escola à diversidade, ao contraditório, e numa forma de reação violenta atacam as escolas. Esses símbolos são uma forma de identificação com uma casta superior que eles acreditam participar.

“Geralmente esses jovens encontram no grupo familiar, de convívio, essas ideias. São expostos a essa ideologia, pois geralmente tem pais, tios, amigos mais velhos, que comungam de alguma forma dessa ideologia autoritária e em contato com as redes sociais vão potencializando esse sentimento, e isso se torna um caminho lógico para esses jovens, do caminho de extermínio, do autoritarismo, do extermínio do outro, porque em ultima instância todos esses caminhos partem do pressuposto que o outro é descartável”, apontou.

Redes lenientes

De acordo com matéria publicada pelo g1, uma reportagem do Fantástico revelou que entre janeiro de 2019 e maio de 2021, no Brasil, o crescimento de núcleos extremistas foi de 270,6%, segundo uma pesquisa realizada pela antropóloga Adriana Dias, que se dedica a investigar o neonazismo no país desde 2002.

Segundo a pesquisa, no país até aquele momento havia pelo menos 530 núcleos extremistas, em um universo que podia chegar até 10 mil pessoas. O discurso compartilhado entre os seguidores é de ódio contra as mulheres, antissemitismo, racismo, ódio a grupos LGBT, a nordestinos, imigrantes e negação do holocausto (extermínio de judeus pelos nazistas).

Além do crescimento desses grupos pela internet, outro fato chama a atenção, a falta de leis claras contra essas práticas e a permissividade das redes sociais.

“As redes sociais lucram muito com esse movimento dentro dos grupos. Tem grandes marcas ligadas a isso, existem patrocinadores que estão extremamente conectados com esse tipo de discurso, haja vista o que o STF teve que fazer há pouco tempo, solicitando à Polícia Federal que investigasse empresários brasileiros que compartilhavam a ideia de um golpe de estado. Por isso, as redes sociais, que também são empresas que visam o lucro, tendem a ser lenientes em relação a isso, a não ser que haja uma campanha forte, em que um grande número de pessoas ameaçem abandoná-las. Aí sim, o perigo do prejuízo vai fazer essas redes pensarem um pouco nas suas regras de convivência”, alertou Ricardo Aragão.

Ele observou ainda o crescimento desse discurso de ódio também dentro da política, intimamente conectados a grupos de extrema direita em todo o mundo.

“As esferas do mundo social não estão desconectadas entre si. A política do modo como está sendo conduzida por grupos de extrema direita vai favorecer esse tipo de pessoa nas redes sociais e vai alimentar essa noção de separado, de santo, de alguém que é superior e que tem que libertar o mundo dos inferiores. Esse sentimento de antagonismo, recalque, perpassa essas pessoas como se aqueles seres inferiores estivesse tomando o lugar que por direito é deles. É uma noção de um direito natural a certos espaços econômicos, educacionais, que estariam sendo tomados pelos supostos inferiores. Por isso que nós devemos rechaçar o discurso autoritário, golpista, que prega a intolerância.”

Conforme o sociólogo e cientista social, a democracia é o regime do respeito às minorias, porque em última instância todos nós somos minorias.

“Cada um de nós é diferente do outro. Esse discurso de que a minoria tem que se dobrar à maioria é um discurso fascista. Não existe maioria absoluta na democracia. Nela o que prevalece é o direito de você ser quem você quer. E o discurso neofascistas, presente nesses discursos desses jovens, prega justamente o contrário.”

Com informações da jornalista Maylla Nunes do Acorda Cidade

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