Brasil

A difícil arte de montar um carro alegórico para o Carnaval

Cerca de 60 pessoas e dois meses de trabalho são necessários para que os veículos que fazem a festa mais importante do país desfilem na avenida

Acorda Cidade

Em 2017, os desfiles das escolas de samba cariocas Paraíso da Tuiuti e Unidos da Tijuca foram prejudicados por acidentes envolvendo dois carros alegóricos. Desde então, a técnica de construção do material rodante que elas levam à avenida passou a ser questionada: como se deve montar um carro alegórico?

Segundo o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro (Crea-RJ), a exigência básica é que o processo seja acompanhado e supervisionado por um profissional de mecânica e outro de elétrica. Eles se reportam ao engenheiro responsável que, além de coordenar o projeto, precisa entregar à entidade uma carta declarando detalhes do carro — a chamada ART (Anotações de Responsabilidade Técnica).

"Com ela, o Crea faz a rastreabilidade sobre a atividade técnica e garante que tenham profissionais habilitados executando os trabalhos. Com isso, caso algum problema aconteça, o Crea tem como punir o profissional, se ficar comprovado que houve negligência, imperícia ou imprudência por parte dele", explicou Rodrigo Machado, assessor especial do conselho, ao jornal carioca O Globo.

O projeto de um carro alegórico envolve cerca de 60 pessoas e mais de dois meses de construção: ele começa ainda no croqui que engenheiros mecânicos e elétricos precisam fazer para estabelecer a estrutura do veículo, assim como o peso suportável e o tamanho do chassi. Normalmente, esse tipo de carro utiliza chassis de ônibus adaptados — eles são alongados com um novo eixo na parte traseira, onde costumam ser mais pesados.

O motor que vai movimentar o carro pelo desfile é colocado na parte de trás, mas ainda assim há um conjunto de membros da escola que ficam responsáveis por empurrá-lo ao longo da avenida. 

Depois dos testes e da aplicação das normas técnicas, começam os trabalhos de construção propriamente: as peças de ferro são soldadas por um um batalhão de ferreiros responsáveis por alargar o tamanho do carro em relação ao chassi, serra tico tico para cortar as tábuas e ripas de madeira que são colocadas para sustentar o peso, pintores dão cores ao esqueleto e carpinteiros, em paralelo, cobrem as partes metálicas, fixando os pisos onde os passistas vão desfilar. 

É nesse momento que os engenheiros preenchem as ARTS: nelas precisam estar características do carro como o período de trabalho, as condições de segurança, os detalhes técnicos e os planos de responsabilidade pelo carro. Em outras palavras, se acontecer alguma coisa com o veículo, o responsável é o profissional que assinou o documento. 

Então, chega a fase de acabamento, que é o que chama a atenção nas avenidas: os carnavalescos enchem os carros de elementos decorativos, como folhas, papéis, formas, bonecos de isopor, motores, luzes, paetês, lantejoulas e plumas. "O velho caminhão se transforma no Palácio de Versalhes", disse o carnavalesco Leandro Vieira, da Mangueira, se referindo ao hoje museu da realeza francesa na cidade de Versalhes, na região metropolitana de Paris. É a parte em que os responsáveis são os artesãos: "É preciso ter bom senso. Eu, por exemplo, evito colocar muita gente e construir carros altos demais", continuou ele. 

A última fase é uma vistoria feita pelo Corpo de Bombeiros que, caso aprove o projeto, emite um laudo permitindo que o veículo vá à avenida. Então, as fases seguintes não se referem aos carros propriamente ditos, mas a quem fica responsável por conduzi-los: no ano passado, o grupo da escolas Série A começou a passar pela aplicação do teste do bafômetro em todos os condutores dos carros alegóricos. 

O motorista Sandro Cordeiro, responsável pela direção do quarto carro da Unidos de Bangu, disse que, desde 2006, faz o serviço e já passou por várias escolas. Ele aprovou a aplicação do teste. “Primeiro ano que fazem o teste do bafômetro e eu aprovo isso aí”, disse.

Para o coordenador da Lei Seca no Rio, tenente-coronel Marco Andrade, o teste antes do início do desfile é para dar mais segurança aos componentes e para quem está assistindo. “Há várias possibilidades de acontecer um acidente, uma delas é o motorista estar alcoolizado, o que a gente pretende é evitar preventivamente que ele assuma a condução do carro, embriagado”, apontou.

O carnaval do Rio enfrenta uma série de batalhas desde o ano passado, quando as verbas estatais repassadas às escolas tradicionalmente foram cortadas pelo prefeito da cidade, Marcelo Crivella. “O carnaval não pode sofrer o que tem sofrido. Nós precisamos sim, do lado de cá, nos organizarmos, buscar uma organização mais centrada para não depender só do Poder Público, mas o Poder Público tem que entender também que o carnaval é um patrimônio da cidade do Rio de Janeiro”, disse Déo Pessoa, presidente da Liga das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Lierj).